Os Conde, os Sobral, os Garcez...
Dora Garcez, minha vizinha em Itaporanga d’Ajuda, tinha
poucos aninhos, só sabia de si e das suas bonecas. De vez em quando, Dora
comparecia aos aniversários dos filhos de Manoel Conde Sobral, netos do velho
Maneca. O comparecimento de Dona Clélia, sua mãe, acompanhada dos filhos, era
um acontecimento social de relevante significado: a elegância da festa estava
garantida, bem como certa ordem nas traquinagens infantis, que ninguém ousava
desobedecer a um “pito” de D.Clélia, dito com sobriedade, mas definitivamente
severo.
Já eu, cria da veneranda Emiliana Nery - professora jubilada
- tinha o convite para a festa como um acontecimento sacrossanto. Sonhava o
enorme bolo confeitado no centro da mesa, uma maravilha rodeada de canapés e
olhos de sogra, de balas enroladas em cacheados papéis desfiados, cocadinhas de
cravo enfiado, sanduíches de kitut Swift, patês de sardinha e a suprema atração
da festa, o gostoso chocolate quente servido em copos de papel, que eu levava
comigo para sentir ainda o cheiro inebriante e doce da iguaria. Tia Emiliana,
com seus quilos e quilos, pendurava os berloques sobre o discreto decote no
vestido de surah estampado e fazia o sacrifício de caminhar até a praça da
igreja, onde moravam os Conde Sobral, para me levar à festa. Saudosa Dindinha.
A casa senhorial, com todos os seus cômodos excepcionalmente
abertos à curiosidade das crianças, era um universo de novidades. Ante os
móveis negros, reluzentes e circunspectos, minha atenção se voltava para os
enormes gavetões com seus segredos domésticos. Sedas de afago sutil, caixinhas
de rapé, fitilhos, sianinhas, cartões postais de Águas de Lindóia, sinais da vida
elegante que eu sonhava ter.
Da minha casa eu via os dois sobrados ancestrais que
dominavam a cidade: o de Dona Zazá, a matriarca dos Sobral, e o de Dona
Pombinha, mãe dos Garcez. No sobrado de Dona Zazá eu costumava ganhar notas de
cruzeiro estalando de novas, sempre que a visitava. Menino conversador,
escolado pela Tia-Avó poeta, eu era posto sobre um tamborete para declamar, ao
custo de alguns trocados, os discursos e poemas que Duzanjos escrevia com letra
de roseiral em tiras de papel pautado, celebrando sempre as datas cívicas, mas
cheios de contradições e rebeldias. Foi ela quem me instruiu.
Amaral Cavalcante.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de dezembro de 2013.
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