Foto reproduzida do blog imagensdeontem de Floriano Santos Fonsêca.
(História levinha).
Na marinete da Fátima.
Por Amaral Cavalcante.
Quando a marinete da Viação Nossa Senhora de Fátima subia a
Ladeira de Roque para alcançar a Praça da Matriz, em Simão Dias, buzinava com
tanto espalhafato que o meu coraçãozinho infante se espatifava em ansioso
alvoroço.
Chegava finalmente em casa, depois de uma tortuosa viagem em
estrada de brita, sacolejando a curiosidade pelos pastos e grotas. Grandes
manadas, santas cruzes dolentes, casinhas de sopapo e casarões avarandados,
gente no eito ou na preguiça das redes, adeuses, cenas esquisitas que passavam
céleres na imprecisão da paisagem. Desde Itaporanga, onde eu fora entregue
pelas tias avós aos cuidados de Seu Didi, cobrador e confiável mensageiro de
embrulhos e encomendas, eu enfiara o nariz na janela, ávido expectador de
inusitados cenários.
O que me incomodava era o temor de vomitar na marinete,
empestiando tudo com o azedume da minha última comida. Mas eu viajava
guarnecido por uma porção de cascas de laranja, santo remédio que a sabedoria
das velhas tias prescreviam para tais incômodos. Bastava esfregar no nariz, e
pronto! O enjoo já era.
Dava para aguentar as dezenas de paradas, ora no meio do
nada, ora em precárias lanchonetes de parada obrigatória, onde muita gente
descia para um pastel, um ovo cozido, uma coxa de galinha precedida por um
solene arroto de Coca Cola.
Durava quase um dia essa viagem.
Já detardinha chegávamos ao coração de Simão Dias, a Praça
Barão de Santa Rosa. E era exatamente na Ladeira de Roque, quando o motorista
buzinava espalhafatoso para que toda a cidade o ouvisse, que, finalmente,
tínhamos certeza de que chegáramos em casa.
Lá em cima, depois de uma volta triunfal por trás da igreja,
a marinete parava bufando em frente ao Abrigo de Juca Bracinho, diante dos
rostos queridos da família que nos esperava.
De modo que a Ladeira de Roque Boca Preta, onde ele mantinha
sua oficina de moldar enxadas e estrovengas e onde nenhum menino deveria ir,
sob pena de virar carvão, era, também, o lugar da alegria da marinete ao nos
anunciar, finalmente, a chegada na doce e querida Simão Dias.
Amaral Cavalcante - Agosto/2014.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 24 de agosto de 2014.
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