Amaral Cavalcante - De Bar em Bar.
[Só conheceu este bar quem é catedrático das antigas.]
Uma Bomba de Bosta no Bar Bossa Nova
O Bar Bossa Nova fechou no final dos anos 70. Ficava na
esquina do Parque Teófilo Dantas com a Rua Arauá, onde algum tempo depois o
arquiteto Rubens Chaves construiu o incompreensível Hotel Tropical.
Naquele tempo, aquela esquina era privilegiada! Caminho da
molecada subindo a Rua Própria para os brocossós da Caixa D’Água, bem como dos
playboys do bairro São José, voltando às suas elegantes platibandas pela Rua de
Arauá.
O Bossa Nova era a última esperança de um gole a mais na
encruzilhada.
O Bar não era lá essas coisas Oferecia pinga de teor letal
aos biriteiros ferrados e toda a sorte de bebidas quentes aos aficcionados.
Além do Capim Santo e do Milone, havia o conhaque Domeck para queimar o gogó, a
Catuaba com mel e limão pra remédio dos brônquios e a esbelta vodka Orloff,
imprescindível a uma doce caipirinha. Para os mais abastados, um uísque Old
Hewitt em copo de refresco com raros cubos de gelo e um guardanapo. Rara
finesse.
No quintal ao lado, em precárias mesinhas de ferro, a bodega
oferecia galinha assada com macarrão e farofa para o rango da madrugada. A
clientela mudava ao sabor do horário e, lá pras tantas, servia a cabarezeiros
desnorteados, esquálidos trabalhadores da noite, mulheres da vida e também a
nós, a turma do Parque, consagrados à revolução de costumes do ideário Hippie e
comprometida com tudo o que entediamos como sendo contracultura.
Nosso primeiro gesto de liberdade era encher a cara.
Seu Isack, o dono, era gordo e simplório. A vida toda
ajeitando um chapéu de feltro, bege, barreado de lodo e suor. Quando falava era
pra reclamar da carestia, que nem jabá se pode mais comer, e onde é que vamos
parar! Gostava de uns, de outros não. De nós, fregueses de um prato pra dois,
ele sempre deixou claro: queria era distância. E nos recebia com tuncos e
complicações, tipo só boto um garfo! Avia que eu já tô fechando! Mas a nós, que
não estávamos nem um pouco aviados, competia tezá-lo até o cu fazer bico.
Um dia o amigo Tatau, único de nós que andava arregado em
cima de um jeepão pego nas manhas da garagem de um tio militar, cismou desses
maus tratos e tramou a ação terrorista batizada como “Bomba de bosta”, contra a
discriminação reinante no Bossa Nova e pela afirmação da nossa impoluta
malandragem.
A bomba de bosta é o seguinte: você caga três dias dentro de
uma meia e vai compactando. Depois, fura um buraquinho no dedão e pronto. Ao
chegar ao local, é só pegar com jeito e zuni-la circulante por cima da cabeça.
Ai, um filetinho de bosta sai pra tudo que é lado, com um fedor da moléstia e
implícita desmoralização.
Pois assim foi feito.
O Bossa Nova passou dois dias se lavando.
Depois, fechou.
Amaral Cavalcante - 27/11/2008.
Postagem originária da página do GrupoMTéSERGIPE, de 25 de agosto de 2014.
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