segunda-feira, 11 de agosto de 2014

José Alfredo Amaral Mendonça, o Alfredinho

Capa do Livro publicado em 2004

Publicação reproduzida do site Osmário Santos, de 16/06/2014.

José Alfredo Amaral Mendonça, o Alfredinho
Por Osmário Santos

Um mutante, que diz que gostaria de ser a mosca que pousou na sopa, Alfredinho é uma figura da cidade que pensa e age diferente. Responsável pela transformação da noite em Aracaju, foi quem laçou a boate Top Som, apresentando música pop num ambiente em que o som era mais importante do que qualquer outra coisa.

Um artesão de alto quilate, vencedor do V Salão de Artes Plásticas do Festival de Arte de São Cristóvão, artista do som, dos teares e das idéias, sonhador de um projeto de transformação da vida para todos os homens.

José Alfredo Amaral Mendonça nasceu a 23 de julho de 1943, na cidade de Aracaju, tendo como pais Benjamim Mendonça e Iracema Amaral Mendonça. Ser um sonhador é algo de fantástico que herdou do pai. Da mãe Iracema, o trabalho. Uma infância de muita peraltice, cheia de aventuras, entre a liberdade das brincadeiras de rua e o compromisso com os livros, intensamente vivida.

Com Dona Margarida, sua primeira professora, na escola do bairro Santo Antônio, sentiu o calor da palmatória em suas mãos e vibrou com a dor dos colegas, pois recebia e dava, nas movimentadas rodadas da sabatina de que tanto gostava. Marchou pelas ruas da cidade, em dias de 7 de Setembro, garbosamente, com a farda do Educandário Duque de Caxias, onde fez o curso primário, aprontou pouco e até tocou na banda do colégio, mostrando ser bom de prato e bumbo.

Sente-se feliz por ter gozado bastante os momentos da juventude, deitando, rolando, bordando até acordar, como disse ao repórter, em seu depoimento para a memória de Sergipe, arregalando bem os olhos castanhos. De positivo dessa época ficou o propósito de persistir, de lutar constantemente por uma “organização” concebida pela sua mente fértil, uma concepção que por ela briga. Insiste e diz, brandando aos ventos: “Sempre fui um guerreiro.”

O ginásio foi concluído no Colégio Tobias Barreto, descobrindo depois o mundo do Atheneu Sergipense, onde estudou o curso clássico, deslumbrando-se com a disciplina Filosofia, e sentindo que tinha vocação para ser humanista.

Descobertas.

Um período estudantil de mil e uma aventuras, com o propósito maior de descobrir, de conquistar e de revolucionar. Os números, tão bem trabalhados em sala de aula pelo professor Genaro, ficaram bem alojados na memória, por isso sempre se deu bem com a Matemática.

História Geral, gosto passado pela professora Maria Augusta Lobão, é outro fascínio. “Acabamento”, é o que considera fundamental ao ser humano. Para consegui-lo, diz, é preciso muito exercício. “Temos sempre que estar acrescentando, porque da argamassa e do tijolo aparece a parede. Assim é como eu vejo uma coisa acabada. Por isso eu tenho essa convicção: tudo tem de ter acabamento.”

Natural do bairro Santo Antônio, passou a ter contato com os estudantes do Atheneu, quase todos da zona sul, defrontando-se com um grupo de colegas que deixou sua cabeça a mil. “Renato Garcia, Duílio, Sérgio Garcia, Pedrão, Heráclito, pessoas que tinham outro tipo de informação e com os quais eu aprendi muito. Eles me aceitaram fácil, pelo meu discurso, pela minha forma de ser. Tudo começou num recreio. Havia algo mais que me diferenciava deles, além de eu ser do Santo Antônio e eles da Augusto Maynard. Numa conversa sobre preferência de leitura, eles falavam que tinham lido O Pequeno Príncipe.

Isso foi uma coisa absurda, pois eu não tinha lido, mas já tinha devorado livros de Freud, Platão, Sócrates. “Foi um choque, pois percebi que, enquanto eles estavam naquela coisa infantil, eu já sabia o que era parapsicologia.”

Sempre colocou na cabeça, o propósito de ser um trabalhador da organização social, seguindo o lema de vida adotado pelo avô, Alfredo Mendonça, figura marcante quando foi juiz de Menores de Aracaju.

Milongas.

Chegando o momento de penetrar no mundo universitário, ensaiou seguir a carreira de advogado, tão desejada pelo pai. “Fui fazer o vestibular e aconteceu o que a vida lhe impõe, e você não pode fugir. Apareceu a vida noturna e, no terceiro dia, abandonei as provas, para ir tratar do Milongas Bar, na praia de Atalaia.”

O primeiro tostão veio da Empresa Cunha, quando exerceu a função de auxiliar de almoxarife, em Nossa Senhora do Socorro, aos 16 anos de idade. Não ter nenhuma religião e não ter aptidões para a vida são o maior massacre que considera que pode o homem experimentar. É egocêntrico ao extremo. Uma inutilidade, é o que pensa de quem se preocupa com sua maneira de agir e de pensar. Mas tem certeza de que é uma pessoa razoável, podendo chegar a ser uma bomba atômica. “Me acho um mutante, uma metamorfose ambulante. Queria ser a mosca que pousou na sopa. Me sinto um louco, vivendo uma eterna alucinação, com a porteira de Sá Marica sempre aberta. Não entro em conflito comigo mesmo, pois eu curto tudo isso, já que temos de prevenir a linha avançada de pensamento, para podermos trabalhar as energias estacionadas. Nisso, a renovação de valores é imprescindível, porque não é uma mutação política na sociedade. Precisamos tomar o poder, porque não precisamos criar uma confraria das elites, afinal, poder não é ter, é ser.”

Alfredinho diz que faz parte de um processo da vida, que é um bom soldado e que curte o batalhão, estando ele com a divisa de general. Do tempo que serviu ao Exército, boas lembranças e risadas: “Adorei todos os exercícios e mais a instituição, por ter ordem e disciplina. Era o 723, que serviu por exercício. Um, dois, três, ordinário, marche, pra frente.”

Top Som.

Foi responsável por uma mudança de comportamento da noite de Aracaju quando lançou a boate Top Som, primeira a apresentar música pop em Aracaju. “Tudo começou na galeria do Hotel Palace, com a loja de roupa Wash, que não deu certo. Tinha Antônio Manuel Santos Silva, que comprou um som Sony e colocou na loja. Eu tinha uns discos e tudo aconteceu. A loja era de Antônio Manuel e Gilberto Vila Nova”.
Da transformação da loja de roupas em boate, lembra que foi de grande importância no processo a participação de Antônio Manuel e, mais ainda, de Wilson Silva e Pedrito Barreto. “A loja não deu certo. Tinha um som e, do som, surgiu a Top Som.”

A proposta inicial era de um inferninho para os executivos. Um inferninho “genérico”, frisa bem Alfredinho, dizendo que era curtição de Hélio Ribeiro, Wilson Silva, Gilberto Vila Nova. Mas a história da boate Top Som, tem ainda em Luís Durval Tavares outra participação especial. “Luís ganhou uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Ao retornar, trouxe dois álbuns de discos com lançamentos da música pop. Ele trouxe até Miriam Maquiba”. Sucessos do momento, que atraíram os estudantes da elite, que estudavam no Rio de Janeiro e que passavam as férias em Aracaju. Um local para ouvir as mesmas músicas que eram tocadas em boates cariocas. Alfredinho cita os nomes de alguns desses estudantes: Lourivalzinho, Ernanizinho, Meinha, Lulinha, Godô, Lúcia Franco, Ana Conceição. Explica que a explosão da boite não foi devido a um processo social e sim pelo som. “Isso é uma coisa fantástica.”

Um suceso que levou o governador da época, Lourival Baptista, a convidar Alfredinho e os principais freqüentadores da boate para um jantar no Palácio do Governo.

Oxente.

Uma Top Som que funcionava até as 7h da manhã, com todo embalo, com seus freqüentadores mais preocupados com a música. Alfredinho recorda-se dos fiéis freqüentadores da Top Som. “Celinha dos Anjos, Pedrito Barreto, Pedro Rodrigues, Tonho Vieira, Luís Durval, Edgarzinho, Renato Garcia, Guga, Lânia Duarte, Fernandinho Duarte, Lícia Violeta, Leonísia Fonseca, José Amado, Doda, Suely Pacheco, Norma, Vera Sobral, Rita Peixe, Eliane Chocolate, Eliane Leal, Fernando Silva, Carmem Pacheco, Ruperts, Guga Bastos, Dudu Gordo, César Franco, José Franco, Jane Vieira, Nega, Joubert Morais, Marinho Tavares, Viana de Assis e Iara, Olimpinho, Luís Carlos Resende e Zulmira, Sérgio Melo e Selma.
Sem ter a Top Som mais condições físicas para suportar tanta gente, Alfredinho arrendou a boate Oxente, pertencente ao Cotinguiba, preferindo deixar o nome Top Som na saudade. Com a Oxente, uma virada histórica na noite de Aracaju, chegava a promover noites culturais, levando para os freqüentadores da boate a arte da poesia e do teatro, como fez na apresentação da peça Vôos, Mitos Coloridos, que lotou a casa.

Coube a Alfredinho a instalação do primeiro bar na areia da praia de Atalaia, funcionando bem pertinho do mar, com fogueira, movimentando as noites do verão sergipano com a presença da juventude vip da cidade. “Até o ministro Armando Rollemberg curtiu nossa fogueira, como a Derci Gonçalves, quando esteve em Aracaju apresentando um dos seus trabalhos.”

Alfredinho artista, Alfredinho artesão, outra habilidade, bem distante da música, com o domínio dos teares, trabalhos de bom nível, hoje espalhados pelo Brasil e em muitas residências estreladas de Aracaju.
No V Festival de Arte de São Cristóvão, Alfredinho venceu o salão, passando por cima de consagrados artistas de Sergipe.

Polimento da Vida.

Foi dono de empresa de prestação de serviço, foi pioneiro em locação de vídeo, deixando tudo para tratar de um novo processo social, a partir de uma obra que ainda pretende realizar, através de núcleos educacionais, oferecendo trabalho e lazer, localizados nas comunidades periféricas da cidade, sendo a fonte geradora de energia da comunidade, dando ao homem necessitado a oportunidade de poder entrar em contato, com o que chama de polimento da vida.

“Vendi a locadora, acabei com a empresa de 200 empregados, acreditei, coloquei o dinheiro na poupança, aí veio o Plano Cruzado e eu... plá!” Hoje, Alfredinho não anda quieto, pois está sempre buscando fazer alguma coisa para o aproveitamento do homem socialmente carente, sempre pensando na sua concebida “organização”. Atualmente, é o secretário de Comércio e Turismo da Prefeitura de Nossa Senhora do Socorro, contando com todo o apoio do prefeito José Franco. Provou competência na organização do São João, sempre andando com sua cabeça fervilhando de idéias, mas diz que o seu projeto na secretaria é dar emprego e trabalho.

Família.

Casou com Renilde Santana Oliveira, união que dura 18 anos e que lhe deu os filhos Jaciara, Paloma, Fabiana e Iracema. Por sua ideologia e por seus sonhos, considera-se uma pessoa altamente realizada.
Continua sonhando em transformar tudo numa estrutura, espécie de uma cidade social, espalhando-se a partir das periferias das cidades. Sobre a entrevista: “O repórter exigiu de mim uma coisa mais particular, e não política, o que só veio acontecer no fim, quando já não tinha mais fita. Política é o seguinte: é mandar esse bando de filho da p... pra bosta, todos eles, sem excluir nenhum deles.”

Publicado no Jornal da Cidade em 26.7.1993 e no Livro Oxente! Essa é Nossa Gente, deste jornalista.

Foto e texto reproduzidos do site: osmario.com.br/memórias

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 11 de agosto de 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário