Publicado originalmente no Portal Infonet/Blog Luíz Antônio Barreto, em 26/08/2006.
Fausto Cardoso - A Escola do Recife e a Política.
Por Luiz Antônio Barreto.
A morte trágica de Fausto Cardoso, ocorrida há exatos 100
anos, no dia 28 de agosto de 1906, cobriu Sergipe de luto e tirou
momentaneamente dos sergipanos a idéia de luta, de afirmação, de busca de
unidade social para construir alternativas livres. A liberdade, valor
aperfeiçoado pela história humana, difundida como uma conquista depois da
Revolução Francesa, era um princípio aglutinador nas quadras mais importantes
da vida brasileira. A liberdade esteve associada aos primeiros gestos de fuga,
dos negros da Guiné que eram escravos na Bahia, e que em Sergipe, com índios e
colonos aventureiros, organizavam suas Santidades, estado próprio de
resistência e de sobrevivência. A liberdade pareceu estar na reação dos grupos
indígenas, abordados, catequisados, mortos e expulsos de suas terras, na
conquista empreendida em 1590 e assim prevaleceu ao longo do tempo, como um bem
sem proprietários, um gesto audaz a fazer prevalecer interesses próprios, como
aqueles que motivaram a Emancipação Política de 1820 e a acelerada organização
da sociedade sergipana. É certo que os fundamentos da sociedade de Sergipe
livre e desanexado da Bahia não significava a coesão de propósitos, mas um
compromisso que aperfeiçoou-se com a marcha da história, marcando com traços
fortes o caráter dos sergipanos.
O traço de inteligência, superando limitações do meio, deu
visibilidade a Sergipe, mercê de muitos filhos da terra, que migraram em busca
de conhecimentos e exerceram, pela capacidade crítica, influências fundadoras
da cultura política brasileira, com radicais desdobramentos nas diversas áreas
em processo no Brasil.
Tobias Barreto, professor e admirador de Fausto Cardoso, e
que o teve como discípulo dileto, contestou a junção de liberdade, igualdade e
fraternidade, legada pelo iluminismo da França. Para Tobias, a fraternidade era
descartável, por ser um atributo de fundo religioso, sendo “a liberdade era um
direito, que tende a traduzir-se no fato, um princípio de vida, uma condição de
progresso e desenvolvimento”, enquanto a igualdade, para o mestre sergipano,
“nem é um fato, nem um direito, nem um princípio, nem uma condição.” E finaliza
Tobias, na sua crítica: “A liberdade é alguma coisa de que o homem pode dizer eu
sou, a igualdade alguma coisa, de que ele somente diz: quem me dera ser.”
Achille Occheto, influente Secretário do Partido Comunista Italiano, deputado e
senador vitalício, disse em 1989, em entrevista a Ferdinando Adomato, publicada
na Revista Isto É, Senhor, de 22 de fevereiro, que “A Revolução Francesa
proclamou liberdade e igualdade.
Mas em que medida esses dois termos conseguiram conciliar-se
efetivamente nas sociedades do século passado? Em quase nada. A liberdade logo
concedida cedo se encontrou em contradição com uma igualdade quase nunca
alcançada, quase sempre traída. Eis aí: a Revolução de Outubro (de 1917), longe
de resolver esta contradição, a exasperou, forçando os sentidos de igualdade.
Assim, distanciou-se ainda mais da solução. Resultado: hoje temos ainda de
enfrentar a tarefa de realizar de verdade a Revolução Francesa, integrando
igualdade e liberdade. Esse é ainda o grande problema das sociedades modernas
do fim do século XX.”
A vida de Fausto Cardoso é um hino à liberdade, desde que
nos bancos da Faculdade de Direito do Recife e no seu jornal Sahara, editado na
capital pernambucana, abraçou as lições mais novas das ciências, da filosofia,
e da história. Sua ligação com a Escola do Recife, movimento de emancipação
mental do Brasil, como diria, depois, Graça Aranha lembrando Tobias Barreto no
seu Concurso para professor, manteve-se firme, mesmo quando novos caminhos eram
abertos pelos sistemas que varriam do mundo velhas teorias. A tragédia que
vitimaria Fausto Cardoso, também tinha origem no Recife, onde Olímpio de Souza
Campos decidiu trocar a Faculdade de Direito, onde seguiria o caminho aberto
pelo seu irmão Guilherme de Souza Campos e pelos amigos, que depois se tornaram
correligionários, Pelino Nobre e Coelho e Campos, pela formação eclesiástica. A
Igreja Católica esboçava, com o Concílio Vaticano, sua dura reação contra o
cientificismo, que conquistava, dia a dia, mais adeptos. Para estancar a vazão
dos debandados, o Concílio aprovou o Dogma da Fé e a Infalibilidade do Papa. Ou
seja, a ciência precisava demonstrar os seus avanços, diferentemente da
religião, para a qual bastava crer, pois o Papa, infalível, respaldaria as
crenças.
Em 1881 o jovem padre Olímpio de Souza Campos, aos 28 anos,
era já Vigário da Matriz de Aracaju e protagonizou um debate ideológico, a
propósito da reforma de ensino decretada pelo presidente da Província, o
positivista paraense, ex aluno da Faculdade de Direito do Recife, e bacharel
pela escola jurídica de São Paulo, Herculano Marcos Inglês de Souza, também nascido
em 1853, que deixava de fora o ensino religioso. O Vigário da Matriz considerou
despropositada a reforma, fez críticas públicas e chegou a oferecer-se,
gratuitamente, como professor, caso o corte da disciplina se devesse a falta de
condições da Província. A discussão, pelos jornais, e no púlpito, radicalizou
posições e atraiu outras pessoas, além do presidente Inglês de Souza e do padre
Olímpio de Souza Campos. Na seqüência dos fatos, Inglês de Souza foi mandado
para o Espírito Santo, para presidir aquela Província, enquanto o Vigário da
Matriz resolveu ingressar na política, candidatando-se pelo Distrito de
Estância, que englobava a sua terra – Itabaianinha – a uma vaga na Assembléia
Provincial, com o firme e inabalável propósito de apresentar projeto de lei
para restituir à grade curricular da Escola Normal o ensino de religião. E
assim foi. E foi muito mais, pois o deputado Olímpio Campos arregimentou
adeptos e seguidores, ocupou espaços, ampliou sua influência na imprensa,
principalmente com a Gazeta do Aracaju, O Estado de Sergipe, e a Folha de
Sergipe e conquistou outros mandatos, como partidário do Império e como
republicano por adesão, ganhando a Intendência de Aracaju e elegendo-se
presidente da Assembléia Constituinte estadual, que elaborou a Constituição de
18 de maio de 1892.
A divergência ideológica entre o grupo no qual Fausto
Cardoso pontificava e o padre Olímpio Campos aumentou, na medida em que o
filósofo nascido em Divina Pastora abandona o Estado, fixando-se no Rio de
Janeiro, de onde assistiu os acordos feitos entre Martinho Garcez e Olímpio
Campos, que beneficiou a Silvio Romero e a ele próprio, com mandatos de
deputado federal, e que, de outro lado, levava o padre ao Governo do Estado. Os
católicos influentes pensavam num Partido Católico, enquanto Fausto Cardoso
fundava o Partido Progressista. Fausto Cardoso construída, na Câmara Federal e
na Capital Federal uma imagem de grande tribuno e de advogado conceituado,
Olímpio Campos mantinha o controle do Estado, com seus sucessores: Josino
Menezes e Guilherme de Souza Campos, seu irmão mais velho, desembargador do
Tribunal de Relação desde 1892, presidente do Estado, tendo como vice Pelino
Nobre. Nada que aplacasse as divergências, mas tudo que fomentava o confronto
inevitável de 1906. O clamor de liberdade mais uma vez nutria os sergipanos,
sendo Fausto Cardoso, apesar de ausente, o caudatário dos anseios mais
legítimos de arrancar o Estado do atraso, da oligarquia conservadora, da
violência administrativa, do medo imposto pela polícia do Estado. O povo
organizou-se antes da chegada do líder e preparou-se para vir a capital com o
objetivo claro de tomar o Poder do grupo olimpista, entregando-o nas mãos de
Fausto Cardoso. E assim foi. Diante da multidão disposta, Guilherme de Souza
Campos e Pelino Nobre preferiram renunciar, perante o Capitão dos Portos, que
era a mais alta autoridade federal no Estado. Normalizou-se, de certo modo, a
revolução, com a formação de um Governo Provisório, entregue ao desembargador
João Loureiro Tavares, que interinamente presidia o Tribunal de Relação, a
partir do dia 10 de agosto de 1906. O desembargador baixou o Decreto 541, em 13
de agosto, convocando, extraordinariamente, a Assembléia Legislativa para
apreciar as renúncias de Guilherme de Campos e Pelino Nobre. Enquanto em
Sergipe a revolução transcorria recebendo adesões, na capital federal o padre
Olímpio Campos e seus aliados tratavam de transformar a renúncia em ato puro e
simples de deposição, pedindo forças federais para repor as autoridades
afastadas. A chegada das forças legalistas, comandada pelo general Firmo Rego,
elevou o clima das disputas pelo Poder estadual. Fausto Cardoso, chegando do
interior para assumir o comando revolucionário, questionou o papel das tropas
armadas, desafiou o brio do Exército e terminou trucidado pelo Ajudante de
Ordens da operação, o Alferes Franco. Com Fausto Cardoso tombou o saveirista
Nicolau, figura popular também ávida por liberdade.
Agonizando na praça que depois recebeu o seu nome, cercado
de amigos e admiradores, homens, mulheres e crianças que lotavam o centro da
cidade, Fausto Cardoso transbordou-se e com ele a alma sergipana. Seu legado
está na frase imortalizada com a sua morte: “A liberdade só se prepara na
história, com o cimento do tempo e o sangue dos homens.” Na verdade, a frase é
outra, e está contida no discurso que pronunciou em 9 de julho de 1902, e que
ficou conhecido como Lei e Arbítrio: “A liberdade só se prepara na história com
o sangue dos povos, o esforço dos homens, o cimento dos tempos. E se ela não é
o preço de uma vitória, não é liberdade, será tolerância, favor, concessão, que
podem ser cassados, sem resistência, que se revista do Poder. Não gera
caracteres nem cria personalidade. Enerva, dissolve, abate, humilha, corrompe e
transforma os povos em míseras sombras.”
A idéia e o sentido da liberdade marcam a biografia de
Fausto de Aguiar Cardoso, poeta, jurista, pensador, revolucionário, sergipano
que soube interpretar as mais íntimas aspirações de sergipanos. Sua morte, em
28 de agosto de 1906 não apenas permitiu o retorno de Guilherme de Campos e de
Pelino Nobre ao Poder do Estado, a vingança dos seus filhos contra Olímpio
Campos, em 9 de novembro do mesmo ano, no Rio de Janeiro,a modificação da lei
das aposentadorias, e a aposentadoria do desembargador João Loureiro Tavares,
em 1907, a reaglutinação das forças reacionárias e conservadoras para novos
embates, serviu para exaltar e fixar posições libertárias, dosadas pelo
itinerário que as gerações de intelectuais sergipanos traçaram, em todo o Brasil
e que é a maior herança deixada às novas gerações de Sergipe.
Foto e texto reproduzidos do site:
infonet.com.br/luisantoniobarreto
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de agosto de 2014.
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