Publicado originalmente no site Ana Lúcia, em 09/01/2013.
Mário Jorge: militância partidária e vida artística.
Por Laila Oliveira.
A jornada do jovem Mário Jorge para o ensino superior foi
difícil. Os que militavam em grêmios estudantis na época eram impedidos de fazer
o vestibular para a Universidade Federal de Sergipe, no entanto, a Faculdade de
Direito da UFS tinha certa autonomia, e com o apoio de professores
progressistas do curso como o Osman Hora Fontes, tio e pai de consideração de
Jorge, Bonifácio Forte, Silvério Leite Fontes, e o psiquiatra Garcia Moreno,
que defendiam a entrada dos estudantes com base na LDB – a lei não estava
revogada – e por tanto não poderiam ser impedidos por questões ideológicas. Foi
dessa forma que em 1965 os jovens do grêmio dissidentes do Atheneu entraram na
Faculdade de Direito.
Entre os episódios marcantes da Faculdade de Direito está o
momento em que Osman Hora Fontes, que era professor do curso e Procurador da
República, impediu a polícia federal de entrar na Faculdade. Grande referência
intellectual para Mário Jorge e sua irmã Ana Lúcia, era possuidor de um dos
maiores acervos de livros na época, onde foi fonte de pesquisa e estudo para o
poeta. O Procurador esteve presente durante a criação de ambos, dando a eles
uma orientação socialista.
No curso Mário Jorge encabeçou o jornal ‘A Verdade’, que
iniciou como jornal mural e depois impresso com o apoio da Gráfica JAndrade.
Também foi criado o jornal ‘O Proletário’, mas esse era distribuído
clandestinamente com companheiros do partido como Jonas Amaral, Jackson Barreto
Lima, Chico Varela, João Augusto Gama e Guadalupe. Também produziram o jornal
Bisturí, que envolvia assuntos ligados à arte e cultura com pessoas que não
eram do partido, como Ilma Fontes, e a revista Perspectiva.
“A Verdade era a tradução do Právida, o jornal porta voz do
PC da Rússia. O jornal rolou durante a fase da ditadura e os milicos da época
nunca desconfiaram que o Právida era o A Verdade”, ressalta Varela.
Entre as diversas produções que fervilhavam no meio universitário
de esquerda, Mário Jorge contribuiu valorosamente com outros jornais de Centros
Acadêmicos de outras Faculdades, como a de Filosofia.
“Produzimos também o jornal ‘A Coruja’, da Faculdade de
Filosofia, que englobava Letras, História e Geografia. Construíram o jornal a
minha mulher, Laura Marques, Tina, mulher de Ancelmo, Didi Macedo, e tudo sob a
tutela de Mário Jorge. A parte literária era de Mário Jorge”, acrescentou.
“No jornal publicávamos textos de Tobias Barreto, João Prado
Sá, falávamos de Shakespeare, para criar um clima propício para os debates
dentro dos meios legais, o partido nos orientava a esgotar essas formas”,
lembra Wellington Mangueira, companheiro de militância com Mário Jorge no PCB.
Nesse período Mário já havia entrado no Partido Comunista
Brasileiro que tinha como referência Luis Carlos Prestes, Jorge Amado, Oscar
Niemeyer, Carlos Marighella e outros. Em Aracaju, eram orientados pelos debates
por Celso Vieira de Assis e Chico Varela, assim iniciaram as primeiras reuniões
para a disputa da UNE (União Nacional de Estudantes).
“O partido viu na rebeldia e coragem daqueles garotos, uma
forma de ampliar e difundir o projeto, e realmente o partido não errou, todos
eles vieram para a militância”, disse Chico Varela, companheiro de militância.
A repressão aumentou com a instauração do AI5, mas o reitor
da UFS, João Cardoso Júnior, que também havia sido filiado ao PCB, deu apoio
aos estudantes, conseguindo com que eles não perdessem o direito de estudar,
mesmo com a ordem do Comando Geral do Exército para expulsar os envolvidos nas
atividades políticas contrárias ao regime.
Mario Jorge retornou para Aracaju em 1968, onde foi preso
com os companheiros Chico Varela, Jackson de Sá Figueiredo, Nilson Barreto
Meneses, Antônio Vieira, Bosco Rollemberg, Usiel Dória, Antoniel, Wellington
Mangueira, João Augusto Gama, Ancelmo Góis e outros acusados de ‘atividades
subversivas’, sob pressão do AI5. Foram detidos no 28º BC.
Outro importante movimento artístico com o qual Mário Jorge
se envolveu foi o cênico. Mário teve influência de grupos teatrais de outros
estados, como o Grupo da Ilha do Governador (RJ), que encontrou na cidade de
Salvador, entre outros.
Foi em uma das peças trazidas por ele e pelos companheiros
do partido, chamada “Joana em Flor e outras histórias”, que acabaram presos. Os
atores da peça, Gonzaguinha (o músico), Reynaldo Gonzaga, Lia Maria, Bemvindo
Sequeira foram presos pela polícia militar sergipana, inclusive com uma
declaração polêmica do Secretário de Segurança, que disse para a imprensa: “Em
Sergipe, quem entende de teatro é a polícia!”, sendo motivo de chacota em todo
o país.
Já na década de 70 Mário Jorge vai às ruas levar a
contracultura, propor uma revolução de costumes, de ideias, de novo princípios,
desde as liberdades individuais, a defesa dos direitos humanos,
anti-consumismo, valorização da natureza, contra o capitalismo, entre outras
bandeiras. “Ele propagou uma das grandes bandeiras da contracultura, que é a
paz, o amor e a fraternidade entre os povos”, revela o poeta e jornalista
Amaral Cavalcanti.
No decorrer desse processo Mário Jorge abandonou a Faculdade
de Direito indo para São Paulo, onde havia mais condições de atuação política.
Foi um dos aglutinadores dos “exilados”, juntamente com Gil Natureza e Paulo
Barbosa. Na Paulicéia, foi cursar Ciências Sociais, curso que posteriormente
abandonou, dedicando-se a poesia e a luta social.
Entre suas idas e vindas a São Paulo, Mário Jorge conheceu e
aprofundou seu conhecimento sobre a poesia concreta. “Em São Paulo ele
interagiu com os grandes nomes da poesia concretista, como Décio Pignatari, e
com os irmãos Campos”, acrescentou Cavalcanti.
Sua morte foi prematura. Em 1973, aos 26 anos de acidente
automobilístico na antiga ponte da Atalaia Velha. Mário Jorge, poeta sergipano
e militante político, deixou um legado expresso em letras, imagens e ideias,
hoje mais contundente que nunca.
Texto e fotos reproduzidos do site: analucia-se.com.br
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 29 de agosto de 2014.
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