Padre dos pobres e bispo dos operários. A história de Dom
José Vicente Távora
A relação de proximidade com a classe operária fez Dom José
Vicente Távora ficar reconhecido como padre dos pobres. Mais tarde, como bispo
no Rio de Janeiro, envolvido com a JOC, “ele se autodenominava o bispo dos
operários”, conta Isaias Nascimento
Por: Patricia Fachin
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IHU On-Line - Qual a relação de Dom Távora com o padre
Leopoldo Brentano?
Isaias Nascimento - Sei que os dois se encontraram no Rio
para preparar o Primeiro Congresso dos Operários de Pernambuco que aconteceu em
Goiana, Pernambuco, no dia 30 de dezembro de 1938. Não tenho notícias de
qualquer relação anterior. Dizem que foi a partir do sucesso do referido que
Congresso, que reuniu milhares de trabalhadores vindos em delegações do
Nordeste e do Brasil, que Pe. Leopoldo Brentano sugeriu o nome do Pe. Távora ao
Cardeal Leme para ele atuar na Capital Federal junto aos Círculos Operários.
Fato que aconteceu no final de 1939 para o início dos anos 1940.
IHU On-Line - O senhor diz que a amizade entre Dom Hélder e
Dom Távora deu origem a uma transformação nas estruturas e estratégias da Ação
Católica Brasileira. Em que consiste essa transformação e qual o impacto dela
na tarefa de evangelização do país?
Isaias Nascimento - Primeiro, os dois eram nordestinos que
conheciam a sina dos filhos da seca e vítimas das cercas. As favelas da então
Capital Federal (Rio de Janeiro) mostravam seus irmãos nordestinos enxotados
pela miséria e pela fome. O clamor dos pobres subiu até Deus que, por sua vez,
comprometeu os dois nordestinos a verem nos seus irmãos o Cristo Crucificado e
por Ele neles entregarem suas vidas. O clamor dos pobres os intimou a descer
até eles. Foi por eles, portanto, os excluídos, que ambos se chamavam de “Eu”,
assumindo juntos um mesmo projeto de vida sacerdotal, tanto como padres, e
depois como bispos. Dom Távora e Dom Hélder firmaram uma aliança de nordestinos
em defesa dos excluídos nordestinos, os da Capital Federal e os que estavam na
terra natal. Eles comprometeram e pagaram, ao longo de suas vidas, todo tipo de
perseguições, críticas jornalísticas, acusações mentirosas, mas não se
desviaram do compromisso social com o Ecce Homo – Eis o Homem (João 19, 4-5)
continuamente crucificado.
Várias iniciativas aconteceram em todo o Brasil,
principalmente no Nordeste, a fim de levar propostas para erradicar a miséria e
a fome na região. Desde o encontro dos Bispos do Vale do São Francisco em
Aracaju (em 1953), depois em Campina Grande (26-05-1956) e Natal (23 a
27-05-1959).
Aqui eu me somo à resposta de Raimundo Caramuru que nos
oferece mais informações. Veja o que ele descreve: “Ao longo dos anos 1940,
três acontecimentos foram de capital relevância para a trajetória de Pe. Hélder
e sua contribuição aos rumos da Igreja no Brasil. O primeiro foi sua amizade
com o Pe. José Távora, um outro sacerdote nordestino, que Dom Leme havia
trazido de Recife no início dos anos 1940, para desenvolver a pastoral operária
na arquidiocese do Rio de Janeiro. Como os Círculos Operários do Pe. Leopoldo
Brentano já estivessem atendendo os trabalhadores sindicalizados, Pe. Távora
dedicou-se ao trabalho com aqueles que hoje seriam categorizados como excluídos,
na sua maioria imigrantes recentes provenientes das áreas rurais do país,
alojados nas periferias urbanas e nos morros favelizados. Este trabalho
iniciado por Pe. Távora levantou o problema das favelas e das migrações, bem
como suas conexões com os desafios enfrentados pelas populações rurais. A
amizade entre Hélder e Távora teve um outro desdobramento, que deu origem ao
segundo acontecimento, que, na realidade, havia constituído o grande sonho do
Cardeal Leme nos últimos anos de vida deste insigne prelado: uma transformação
nas estruturas e estratégias da Ação Católica Brasileira, adaptando-as às
necessidades das tarefas de evangelização do país. Este segundo acontecimento
foi tornado possível pelo contato de Hélder e Távora com o fundador da Juventude
Operária Católica – JOC, o padre belga, altamente prestigiado pelo papa Pio XI
, Joseph Cardijn . À primeira vista o segredo estava na pedagogia do
ver-julgar-agir. Pouco a pouco, porém, tomou-se consciência de que muito mais
do que uma opção pedagógica, a linha adotada por Cardijn implicava em uma opção
teológico-pastoral, que aproximava o esforço de evangelização das suas fontes
bíblicas e patrísticas e retomava toda a riqueza contida na teologia do
Desígnio divino e na história da salvação” .
IHU On-Line - Por que, e em que contexto, Cardeal Leme
chamou Dom Távora para trabalhar no Rio de Janeiro?
Isaias Nascimento - Creio que um dos fatores é que o Brasil
estava se industrializando e a classe operária também se organizava em todo o
país, tanto nas capitais como no interior. A ideologia comunista tomava corpo
em várias categorias de trabalhadores das áreas urbana e rural, e no meio
estudantil nas faculdades. A ida do Pe. Távora ao Rio de Janeiro foi para
reforçar a equipe do Cardeal, da qual já fazia parte o Pe. Hélder Câmara, na
execução de um “contra ataque” que tanto marcou a história da Igreja no Brasil,
que foi o fortalecimento da Ação Católica Brasileira entre a elite intelectual
e, mais tarde, a presença no meio dos jovens através das Juventude Agrária
Católica - JAC, Juventude Estudantil Católica - JEC, Juventude Independente
Católica - JIC, Juventude Operária Católica - JOC e Juventude Universitária
Católica - JUC por onde a Igreja procurava evangelizar a sociedade à luz da
Doutrina Social da Igreja.
IHU On-Line - Como o senhor descreve a atuação de Dom Távora
na Juventude Operária Católica - JOC?
Isaias Nascimento - Ainda quando padre no Rio de Janeiro,
ele participou da reestruturação da Ação Católica Brasileira a partir da visão
do Pe. Cardijn, da Bélgica e fundador da JOC. A partir daí ele fundou a JOC do
Rio de Janeiro cujo objetivo era formar operários católicos missionários
atuando entre seus iguais para “converter a Jesus Cristo, não apenas este ou
aquele colega individualmente, nem mesmo dezenas e dezenas de colegas, mas o
próprio operariado”. Nas reuniões se usava o conhecido método de Cardijn:
ver-julgar-agir, (que até hoje é usado pela Igreja na construção de seus
documentos, a exemplo de Puebla e Aparecida), que ajuda a ler a realidade,
analisar os dados coletados, e a construir novas ações/reações pastorais.
Dom Távora fez opção pela classe operária desde o início de
sua vida sacerdotal lá na diocese de Nazaré da Mata, em Pernambuco. Para ele, a
JOC era “uma sementeira de líderes para o futuro” dentro do movimento operário.
Ele mesmo disse que a “classe operária precisa dirigir-se com autonomia, com
independência e grandeza, mas isto não pode ocorrer se ela não tem militantes
de seu próprio meio, bem formados, capazes de tomar posição conscientemente, em
todos os problemas que interessam ao bem do povo especialmente, quando se
tratar da libertação econômica, social, moral e espiritual do mundo do
trabalho. A JOC luta por um tempo diferente deste que está aí, cheio de
clamorosas injustiças, de privilégios inaceitáveis e desacertos que revoltam, a
cada instante. Onde houver um problema operário, particularmente dizendo
respeito ao presente e ao futuro da juventude trabalhadora, aí estará presente
sempre a JOC, atenta, ativa, cônscia de sua missão, isto é, a missão de fazer
um programa de redenção da classe operária” (entrevista cedida ao jornal A
Cruzada, 07-12-57).
Podemos vislumbrar aqui o início de uma revolução na prática
pastoral da Igreja, começado lá na Europa, pois se inicia a semeadura de uma
Igreja comprometida com os pobres. Vários padres que foram assistentes da Ação
Católica e/ou da JOC foram nomeados bispos – Dom Hélder, Dom Távora e Dom
Antonio Fragoso - que fizeram a diferença quando da realização do Concílio
Vaticano II, clamando por uma Igreja a serviço dos pobres. Eles formavam o
grupo conhecido “Igreja dos Pobres”. Podemos vislumbrar aqui as sementes da
Teologia da Libertação e do compromisso da Igreja com os pobres do nosso
continente.
IHU On-Line - Em que consistiu o 1º Plano de Pastoral,
proposto por Dom Távora. O que isso significou para a Igreja a partir de 1966?
Isaias Nascimento - Consistia na reorganização da Pastoral
da Igreja local à luz do Concílio Vaticano II e ao Plano Nacional de Pastoral
de Conjunto 1966-1967, como está registrado na apresentação do referido Plano:
“No começo de 1966, após o encerramento do Concílio, para
responder ao convite do Papa, que num discurso importante, engajava todos os
Bispos da América Latina numa renovação de caráter extraordinário, unitário e
planificado, sentimos a necessidade de reunir com Dom Távora, alguns
presbíteros, religiosas e leigos para, juntos, estudarmos o referido discurso
de Paulo VI, refletirmos em comum, determinar os setores prioritários de
pastoral.
O primeiro encontro foi realizado nos dias 18 e 19 de
fevereiro. No seu comentário do discurso do Papa, Dom Távora ressaltou as
seguintes palavras: “Precisamos duma pastoral dinâmica adaptada às
transformações atuais”. Em círculos, tentamos descobrir “essas transformações”.
Esta reflexão em comum permitiu determinar como [estruturar] setores
prioritários na pastoral da Arquidiocese: setor estudantil e setor operário. Um
grupo de trabalho para cada setor seria encarregado de dinamizar a pastoral dos
mesmos. Houve tentativas de criação do Grupo de Trabalho do setor estudantil,
sem sucesso. O GT do setor operário se reuniu semanalmente, coordenando todos
os movimentos católicos.
Após os dias de estudo realizados em fevereiro, a Equipe
Central do Secretariado recebeu e estudou o Plano Nacional de Pastoral de
Conjunto 1966-1967, elaborado pelo Secretariado Nacional de Pastoral da CNBB, o
qual convidava todas as dioceses a um esforço de renovação de conjunto, e
aconselhava cada diocese elaborar um plano de pastoral, enquadrando-se nas
diretrizes do Plano Nacional.
Em março deste mesmo ano (1966) a referida equipe elaborou
um pré-plano (maio de 1966 – novembro de 1966) cuja finalidade seria levar
presbíteros, religiosos e leigos da Arquidiocese a uma consciência mais objetiva
da necessidade de uma pastoral de conjunto, a fim de poderem atuar ativamente
na elaboração e na execução do Plano Diocesano, baseado nas diretrizes do Plano
Nacional. Para atingir este objetivo, foi tomada como primeira iniciativa a
criação da Assembleia Arquidiocesana, constituída de presbíteros, religiosos e
leigos que, com o Sr. Arcebispo, devia assumir mais diretamente a elaboração do
Plano Diocesano. Foi também lançado um boletim mensal de pastoral, órgão de
ligação dos membros da Assembleia Arquidiocesana. E de informação pastoral para
o clero.
Paralelamente foram planejados um programa de atualização
para o clero, para as religiosas e para os leigos e um programa de dinamização
dos serviços mais necessários para desenvolver uma pastoral de conjunto” .
Na prática, encontramos algumas experiências que, devido ao
contexto da ditadura militar e às tensões internas na Igreja, em Aracaju,
duraram pouco tempo: as comunidades sacerdotais (grupo de padres assumindo
áreas pastorais) comprometidas com o homem do campo e comunidades de religiosas
inseridas no meio dos pobres. Encontramos também sementes de formação de
comunidades eclesiais nas periferias de Aracaju e a relação estreita da Igreja
com a classe trabalhadora, principalmente do meio rural.
Texto: reproduzido do site ihuonline.unisinos.br
Foto: reproduzida do blog merciaoliva.blogspot.com.br
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 17 de fevereiro de 2013.
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