Padre dos pobres e bispo dos operários. A história de Dom
José Vicente Távora
A relação de proximidade com a classe operária fez Dom José
Vicente Távora ficar reconhecido como padre dos pobres. Mais tarde, como bispo
no Rio de Janeiro, envolvido com a JOC, “ele se autodenominava o bispo dos
operários”, conta Isaias Nascimento
Por: Patricia Fachin
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“Dom Távora fez opção pela classe operária desde o início de
sua vida sacerdotal lá na diocese de Nazaré da Mata, em Pernambuco. Para ele, a
JOC era ‘uma sementeira de líderes para o futuro’ dentro do movimento
operário”. É assim que Isaias Nascimento, autor do livro Dom Távora, O Bispo
dos Operários (São Paulo: Paulinas, 2008), lembra de Dom José Vicente Távora,
nordestino que dedicou sua vida à causa dos excluídos. Dom Távora participou da
reestruturação da Ação Católica Brasileira, no Rio de Janeiro, e fundou a
Juventude Operária Católica – JOC, “cujo objetivo era formar operários
católicos missionários atuando entre seus iguais para ‘converter a Jesus
Cristo, não apenas este ou aquele colega individualmente, nem mesmo dezenas e
dezenas de colegas, mas o próprio operariado’”.
Amigos oriundos do Nordeste brasileiro, Dom Hélder Câmara e
Dom Távora “conheciam a sina dos filhos da seca” e viam, nas favelas do Rio de
Janeiro, “seus irmãos nordestinos enxotados pela miséria e pela fome”. O clamor
dos pobres, enfatiza Isaias Nascimento, fez com que os dois bispos firmassem
“uma aliança em defesa dos excluídos nordestinos, os da Capital Federal e os
que estavam na terra natal. Eles comprometeram e pagaram, ao longo de suas
vidas todo tipo de perseguições, críticas jornalísticas, acusações mentirosas,
mas não se desviaram do compromisso social com o Ecce Homo – Eis o Homem (João
19, 4-5) continuamente crucificado”.
Na entrevista a seguir, concedida, por e-mail para a IHU
On-Line, o padre da diocese de Propriá, Sergipe, relata alguns momentos da
trajetória de Dom Távora e menciona que o período mais difícil de sua vida foi
a ditadura militar. “Dom Távora teve seu telefone grampeado. Recebia com
frequência um coronel do exército para pressioná-lo. Teve que enfrentar uma
prisão domiciliar. Várias lideranças do Movimento de Educação de Base – MEB e
dos sindicatos de orientação católica foram presas em Sergipe e em várias
partes do país. Viu também parte do seu clero e religiosas comprometidos serem
intimados a depor na Polícia Federal. (...) Sentiu-se só, muitas vezes, sem a
visita e o carinho do povo, dos pobres, mas resistiu o quanto pode, até o dia
03 de abril quando seu coração não suportou mais o 3º enfarto”.
Isaias Nascimento é pároco da Paróquia de Brejo Grande, que
fica no lado sergipano na foz do Rio Francisco e Coordenador da Cáritas
Diocesana de Propriá.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O senhor pode nos contar como era o trabalho
desenvolvido por Dom Távora na diocese e a iniciativa de fundar escolas
operárias?
Isaias Nascimento - Quando chegou a Aracaju, em março de
1958, encontrou muita coisa encaminhada pelo seu antecessor Dom Fernando Gomes
: grupos de Juventude Operária Católica – JOC (que ele mesmo fundou ainda como
padre no início dos anos 50), Círculos Operários assessorados por Mons. João
Moreira Lima, grupos de Ação Católica Especializada e a entidade assistencial
conhecida como Serviço de Assistência à Mendicância – SAME que acolhia pessoas
abandonadas. Além de dar continuidade pastoral ao que já havia, fundou a Rádio
Cultura de Sergipe que, juntamente, com a criação do Movimento de Educação de
Base – MEB, com suas escolas radiofônicas, ofereceu a educação do homem do
campo e, a partir delas, fundaram e organizaram os primeiros Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais e a sua Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado de Sergipe – FETASE. Dom Távora é reconhecido como o patrono do
sindicalismo rural de Sergipe.
Ainda como seminarista na sua diocese de Nazaré da Mata, em
Pernambuco, aderiu ao movimento da Ação Católica que estava se formando no
Brasil. Ela – Ação Católica - formava liderança das grandes cidades e do
interior com os princípios da Doutrina Social da Igreja, principalmente os
contidos na encíclica papal Rerum Novarum . Quando padre recém ordenado, no
início dos anos 1930, fundou diversas Escolas Operárias na mesma diocese,
principalmente em Nazaré da Mata e Goiana, em Pernambuco. Pegou tão bem que ela
chamou de Legião Pernambucana do Trabalho, tendo como finalidade formar a
classe operária sob a orientação católica. Já havia naquele tempo Círculos
Operários em alguns municípios de Pernambuco e em Aracaju. Foi ele quem
conseguiu realizar um Congresso Operário no final dos anos 1930 lá em Goiana,
recebendo delegações de todo a região Nordeste, no qual esteve presente também
o Pe. Leopoldo Brentano . Sua relação com a classe operária o fez reconhecido
como padre dos pobres. Depois, como bispo no Rio de Janeiro, já envolvido com a
JOC, ele se autodenominava o bispo dos operários.
IHU On-Line - Qual a relação de Dom José Vicente Távora com
o período político getulista?
Isaias Nascimento - Lembremos que o Rio de Janeiro era a
Capital Federal do Brasil, e a Igreja Católica, apesar de não ser a religião
oficial do país, tinha muita influência junto aos poderes de uma República que
ainda estava engatinhando. O Cardeal Leme , reconhecido como um bom estadista e
pastoralista, procurou manter “cada qual no seu lugar”, isto é, procurou
fortalecer a Igreja para continuar independente do Estado, e defender os
interesses dela e seus princípios junto ao Estado e, para isto, formou uma boa
equipe de padres competentes na defesa dos princípios da Doutrina Social da
Igreja, relacionados às questões trabalhistas, educação católica e saúde,
diante dos poderes públicos. Para tal intento, trouxe do Ceará o Pe. Hélder
Câmara , de Pernambuco; Pe. José Vicente Távora e o Pe. Jorge Marcos . Ambos
vivenciaram o período getulista. A liderança de Dom Hélder foi marcante neste
período. Foram Dom Távora e Dom Hélder que no dia 24 de agosto de 1954 deram a
notícia do suicídio de Getúlio Vargas , o então presidente da República,
conforme o Padre Ivo Calliari detalhou em suas anotações: “Às 4h:30min do dia
24 de agosto de 1954, Dom Hélder e Dom José Vicente Távora vieram buscar Sua
Emcia . Descemos imediatamente... No Palácio São Joaquim, ligamos o rádio: a
notícia era que o Dr. Getúlio Vargas renunciara. Seguiu-se logo que pedira
apenas licença de 90 dias. Celebrei às 6h:30min e Sua Emcia às 7h:30min na
capela do Palácio São Joaquim. Depois do café, quando rezávamos o breviário,
num pequeno hall em frente ao meu quarto, próximo ao refeitório, Dom José
Vicente Távora chega com a estarrecedora notícia do suicídio. Dom Jaime pôs as
mãos na cabeça e disse: “Meu Deus! Foi um choque tremendo. Ficamos parados!...
Só poderíamos rezar e foi o que fizemos: continuamos o breviário!...”
IHU On-Line - Dom Távora enfrentou problemas no governo
Carlos Lacerda e no período da ditadura militar. Como ele se posicionava
politicamente nesses momentos?
Isaias Nascimento - Dom Távora tomou posições públicas que
foram marcantes na história do Brasil: o primeiro foi na tentativa de golpe em
agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou e os militares impediram a posse
de Jango como presidente. Ele reagiu publicamente e, juntamente com ele, a
classe política de Sergipe exigindo o respeito à Constituição. Somente depois
de muitas negociações no Congresso Nacional conseguiram permitir sua posse como
presidente no regime Parlamentarista, com menos poderes.
Outro momento foi sobre a prisão da cartilha do MEB
intitulada Viver é lutar. Ocorrido no início do ano de 1964, quando Carlos
Lacerda mandou prendeu a cartilha do MEB. Dom Távora, não só por ser presidente
do MEB, mas também por ser próprio da sua personalidade, não se intimidou
diante do governador do Rio que acusava o material de ser comunista e, com ele,
setores da mídia nacional fizeram uma humilhação pública (no programa Flávio
Cavalcanti que a rasgou ao vivo). Dom Távora assumiu publicamente a
responsabilidade pelo material em uma nota dizendo que “Os bispos... não podiam
ser indiferentes nem omissos numa tarefa da mais alta importância, exigida pela
própria Caridade Evangélica, qual seja, a de emprestar sua cooperação ao
desenvolvimento social e cultural do povo e à elevação do nível geral da
sociedade”, visto que o material trazia uma leitura sobre a questão da reforma
agrária.
E o momento mais difícil da vida dele, penso eu, foi o da
ditadura militar. O que parecia ser um impedimento contra as forças do
comunismo internacional, como pensava a maioria dos bispos que foram favoráveis
ao golpe, foi um golpe no processo democrático por 26 longos anos da história
nacional. A perseguição, as prisões e torturas foram piorando ao longo dos anos
de forma ascendente, a ponto de a maioria dos bispos irem se afastando do
regime, principalmente, a partir de 1966. Neste momento histórico é marcante o
profetismo da Igreja no Brasil tendo como porta voz Dom Hélder Câmara, tanto
nacional como internacionalmente. Todos os bispos envolvidos com a pastoral
social daquele tempo foram tachados como subversivos e, consequentemente,
juntamente com os seus próximos, perseguidos. Dom Távora teve seu telefone
grampeado. Recebia com frequência um coronel do exército para pressioná-lo.
Teve que enfrentar uma prisão domiciliar. Várias lideranças do MEB e dos
sindicatos de orientação católica foram presas em Sergipe e em várias partes do
país. Viu também parte do seu clero e religiosas comprometidos serem intimados
a depor na Polícia Federal. Testemunhou também o estreitamento de relações
comprometedoras entre o seu bispo auxiliar – depois sucessor - Dom Luciano José
Cabral Duarte e os militares a partir de 1967. Sentiu-se só, muitas vezes, sem
a visita e o carinho do povo, dos pobres, mas resistiu o quanto pode, até o dia
3 de abril de 1970, quando seu coração não suportou mais o terceiro enfarto.
Texto: reproduzido do site ihuonline.unisinos.br
Foto: arquidiocesedearacaju.org
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 17 de fevereiro de 2013.
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