Infonet - Blog Luíz A. Barreto - 02/08/2008.
Santidades: pobres e mestiços criam céu em Sergipe.
Por Luíz Antônio Barreto.
João Dantas Martins dos Reis registrou, na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, editada em 1942, a existência de
uma Santidade nas terras de Riachão do Dantas.
Foi a curiosidade intelectual de João Dantas Martins dos
Reis responsável pelo registro, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe, nº 16, referente aos anos de 1939-1940, editada em 1942, de uma
Santidade nas terras de Riachão do Dantas. O magistrado, de uma das mais
tradicionais famílias ambientadas em Sergipe, escreveu o seu pequeno artigo,
datando-o de 1939, sobre o ajuntamento no povoado Carnaíba, dando umas poucas
informações sobre o ajuntamento de pobres e mestiços, criando um céu “ao vivo”,
no qual as pessoas tomavam nomes de santos e repartiam tudo, vivendo
comunalmente, em todos os sentidos. O autor dá notícia da reação local, dizendo
que “as autoridades do Riachão e cidadãos qualificados, alcançando o perigo,
resolveram destroçar com o novo céu em formação.”
Arivaldo Fontes e Ariosvaldo Figueiredo, recentemente
falecidos, tomaram o registro de João Dantas Martins dos Reis, amplificando-o
para a posteridade, em seus livros. Silvio Romero também tratou do ajuntamento
de Riachão do Dantas, como mencionou a passagem de Antonio Conselheiro por
Sergipe, noticiada pelo jornal O Rabudo, de Estância, por volta de 1876. As
Santidades motivam o Inquiridor Geral Heitor Furtado de Mendonça, quando da
Visitação na Bahia, em 1592/1593. Alguns habitantes das terras de Sergipe, que
então pertenciam a Bahia, responderam a processos inquisitoriais, e dentre eles
são citadas as Santidades. Diogo de Campos Moreno, que foi Sargento-Mor no
Maranhão, é autor do Livro da razão do estado do Brasil, possivelmente de 1612,
faz referência a Santidades em Sergipe.
Correu um Processo, na justiça de Sergipe, sobre a Santidade
das Carnaíbas. O Juiz Municipal de Riachão do Dantas, Antonio Exupero de
Almeida enquadrou os integrantes do “céu”, ou “almas devotas de Nossa Senhora
da Agonia”, em crime de resistência, certamente porque reagiram aos batalhões
formados para destroçar o lugar. Pela ausência de um Promotor em Riachão, o
Juiz nomeou o jovem Abdias Farias de Oliveira, para atuar na Promotoria do
caso, tomando-lhe o juramento, em 24 de janeiro de 1876. Abdias de Oliveira
mais tarde cursaria Direito, seria Juiz em Campos (atual Tobias Barreto) e
entraria na carreira jurídica em Pernambuco, aposentando-se como Desembargador
naquele Estado.
O ajuntamento de Carnaíbas foi influenciado, certamente, por
Antonio Conselheiro, que estava em Sergipe em 1875, ano do fato que uniu
autoridades armadas, no destroçamento da reunião de homens e mulheres. A
Santidade enfrentou o batalhão com armas simples, paus e pedras, manejados com
coragem e com fé.
Conselheiro atravessou o território sergipano, fazendo e
arrastando adeptos, construindo pequenas igrejas e cemitérios, como ficou na
tradição popular. A igreja de Mocambo, depois Nova Olinda, atual Olindina,
junto a Itapicuru, na Bahia, foi obra do Conselheiro, há poucos anos derrubada,
para em seu lugar surgir uma nova igreja. Sabe-se de gente de Sergipe formando
sob a liderança de Antonio dos Mares, como também chegou a ser conhecido, e
alojando-se no Monte Santo, como parece ser o caso de Estevam, cativo de uma
viúva residente em Porto da Folha, na Província de Sergipe, que foi acusado de
“ andar embriagado e insultar as autoridades”, como o Juiz de Direito da
Comarca de Itapicuru, na fronteira da Bahia com Sergipe. Estevam e outras
pessoas, como José Manoel, citados na Delegacia da Vila de Itapicuru, através
do ofício datado de 28 de julho de 1876, dirigido ao Alferes Diogo Antonio
Bahia, como “fanatizados e partidários do preso Antonio Vicente Mendes Maciel”
atestam, com seus nomes, o envolvimento de sergipanos no cordão dos seguidores
do Conselheiro, que 20 anos depois faria de Canudos uma epopéia de pobres e de
mestiços, santificados pela mesma resistência: uma Santidade.
Há, nos jornais sergipanos, farto noticiário sobre
Conselheiro em Canudos, na Bahia. Manoel Pedro das Dores Bombinho, mestre da
banda de música de Simão Dias, na fronteira oeste de Sergipe com a Bahia, porta
de acesso a Canudos, escreveu um livro, em versos, sobre a saga do Conselheiro,
que permaneceu inédito desde 1897 até 2002, quando foi finalmente editado, em
São Paulo, graças ao esforço de Marco Antonio Vila. Mas são raros os registros
da presença do líder cearense, na década de 1870 no território sergipano.
A Santidade de Carnaíbas tem todas as características de um
movimento messiânico, e apesar do nome de Antonio Vicente Mendes Maciel não
aparecer no Processo por crime de resistência, em Riachão do Dantas, não quer
dizer que não fosse ele um mentor, um inspirador e até mesmo um organizador.
Dando-se o crédito devido a que ele estava, naquela ocasião, preso, em
Itapicuru, a poucos quilômetros do território do Riachão do Dantas, mais fácil
fica ligar sua influência no ajuntamento.
O jornal A Notícia, publicado em Aracaju, noticia, em 4 de
dezembro de 1896, que seguiram várias tropas para Canudos, onde o “célebre
fanático Antonio Conselheiro entendeu de estabelecer-se com seus sectários,
subtraindo-se ao regime da lei e a obediência devida às autoridades federais e
estaduais.” Na edição de 30 de março de 1897 o mesmo jornal refere-se a uma
carta, datada de Divina Pastora, situada na região açucareira sergipana, em 14
de abril de 1895, tratando da adesão de filhos e moradores de Sergipe ao
cenário do Monte Santo. Diz a carta, dirigida a Lellis Piedade: “A febre
emigratória para Belo Monte, outrora Canudos, há chegado, nestes últimos
tempos, ao último grau de intensidade no termômetro da ignorância deste povo cá
do centro. É uma moléstia fanático-cerebral que vai contagiando até pessoas que
supúnhamos refratárias à ação de tão estranho quão ridículo morbus. E como não
ser assim, ilustre redator, se, naquela moderna Canaã, ao verbo poderoso de
Antonio Conselheiro surgiu o rio de leite, imaginado de uma massa congênere a
do cuscus de milho.”
O ingrediente da Cocanha, presente em Canudos, mas citado
nos séculos anteriores em parte do nordeste brasileiro, também esteve
incrustado nas Santidades, como parte do mito do encoberto, ou Sebastianismo,
presente na formação da cultura do povo brasileiro.
Texto e imagem reproduzidos do site:
infonet.com.br/luisantoniobarreto
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 22 de setembro de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário