Infonet - Blog Luíz A. Barreto - 03/10/2008.
Antonio Maia - Arte e alma de Sergipe.
Por Luíz Antônio Barreto.
Nascido em Carmópolis, em 9 de outubro de 1928, quando
aquele lugar ainda era Carmo, ex-vila e povoado de Rosário, servindo pelo
“Maria fumaça” do “Chemins de Fer”, Antonio Maia Cruz, levou de Sergipe, nos
olhos e na alma, todos os sentimentos e crenças, valores e costumes, que
alicerçaram a sua arte, a um tempo simples e grandiosa, com a qual enfeitou e
deu ao Brasil uma linguagem estética popular. Passou pela Bahia, terra de
tantos mistérios, e terminou no Rio de Janeiro, onde nos anos de 1950 chegou
para viver, com suas irmãs, uma existência de quase 80 anos, repartida entre a
sobrevivência e as múltiplas manifestações do seu talento de artista. Parecia
difícil conciliar a carreira militar, na Aeronáutica, com os pincéis,
espátulas, telas e tintas, interessando-se por técnicas e temáticas próximas do
povo, fosse o seu povo, como os ex-votos, fossem os orientais com os Tarôs,
baralho de 76 cartas, seriadas em quantidades distintas de lâminas, de uso
adivinhatório, e o Origami, com suas dobraduras de papel, além de outras
sutilezas da alma humana.
Outro sergipano – Artur Bispo do Rosário – nascido em
Japaratuba, nas vizinhanças de Carmópolis, levou para o Rio de Janeiro a
tradição dos estandartes, que tanto abrem desfiles e apresentações de grupos
folclóricos e de procissões, como fixa cores, partidos, nos ciclos de festas,
notadamente o natalino, agregado a Santos Reis e São Benedito, ornado pela
cerimônia de coroação de Reis negros, costume que desde o século XVII tem
registro no Recife, em Pernambuco, e no século XIX populariza-se em Sergipe, em
volta das igrejas matrizes, de invocações de Nossa Senhora da Vitória e Nossa
Senhora do Rosário, ou nas capelas dos engenhos de açúcar e das fazendas de
gado.
A lúdica sergipana ambientou entre Japaratuba e Carmópolis o
povoado Entrudo, e guardou, nos primeiros dias de janeiro, na velha Missão de
Japaratuba, a guerra das cabacinhas (que já foi conhecida como Limões de
Cheiro) junto da qual desfilavam blocos de Maracatu, Cacumbís, Reisados,
Cheganças, e outros fatos folclóricos que sobrevivem, de certa forma
desfocados, como representações simbólicas do povo sergipano, ainda que formem
uma base, na qual está contida a tradição, sem prejuízo da cultura popular que
viceja nos contatos sociais, como uma expressão de liberdade num casulo
subalterno que a economia impõe.
Antonio Maia carregava com ele esse substrato estético dos
desvalidos, como tinha na retina a paisagem da sua terra, hoje pontilhada de
“Cavalos de Ferro” e cortada de canos que levam óleo e gás para os depósitos da
PETROBRÁS. Foi em Carmópolis, em 1963, que foi descoberto petróleo fora da
Bahia, abrindo uma perspectiva de exploração, ao tempo em que revelava grandes
jazidas de evaporitos, das quais atualmente a Companhia Vale do Rio Doce minera
o Potássio, na Mina de Taquari-Vassouras, no município de Rosário do Catete. O
contraste entre a riqueza do solo e a pobreza da população é mediado, muitas
vezes, pelo calendário de festas, devoções, usos e costumes, fatos folclóricos
autenticados pela genuinidade, dinamicidade, expressividade e colegialidade,
que são as características que identificam a tradição da cultura brasileira,
dominantemente ágrafe e multiétnica.
Antonio Maia tinha, engaiolados no seu apartamento do Rio de
Janeiro, santos dos mais populares. Tinha, escorrendo pelas paredes, tocando o
chão, quadros com ex-votos, como a retirar dos caminhos nordestinos as
promessas, abrigadas na Santa Cruz de beira de estrada. As oferendas votivas,
que dá a cada promessa sua graça, cada santo seu poder, cada pessoa seu
merecimento, marcaram, por décadas seguidas, a pintura de Antonio Maia, vista
nas exposições. Cabeças, olhos fixos, pedaços de corpo, com suas cores e
dimensões dão forma ao universo onde a promessa está na base do compromisso e é
algo sagrado para os que selam o pacto silencioso com a divindade e com os
santos.
Assim como Artur Bispo do Rosário costurou e bordou o manto
que vestiria para seu encontro com Deus, Antonio Maia muniu-se de ex-votos para
configurar sua arte, até morrer, recentemente (12 de julho de 2008), sem
doenças ou reclamações. Dormiu, não acordou. Faria, daqui a mais alguns dias,
80 anos e era, sem favor, um dos mais autênticos artistas do povo brasileiro.
Em tudo que buscasse inspiração encontrava a raiz da tradição, os matizes da
cultura, recriando as formas com a espontaneidade da gente simples, que nas
valetas da vida teimam em resistir. Sua arte tem a força das bandeirolas
simétricas, estiradas nos cordões que enfeitam os terreiros de sua terra, nas
noites juninas. E, mais que Volpi, Maia fez de sua arte um varal, a expor suas
singularidades cromáticas sociais, traçando o norte de suas pesquisas, de
parentesco concretista.
Um irmão de Antonio Maia – José Maia Cruz – doublé de
notário e de artista, viveu em Maroim desenhando os rótulos das bebidas da
fábrica Hanequim, e cuidando das pinturas da Matriz, mantendo-as restauradas
como um adorno sobre as cabeças dos fiéis.
Sergipe pai e mãe, que perderam o filho há tanto tempo
desgarrado, vive na arte desse migrante da permanente diáspora que agita o
coração da terra, universalizando-se e universalizando-a.
Texto e imagem reproduzidos do site:
infonet.com.br/luisantoniobarreto
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 22 de setembro de 2014.
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