terça-feira, 9 de setembro de 2014

Luís Rabelo Leite


Publicado originalmente no site Osmário Santos, em 15/01/2002.

Luís Rabelo Leite
Por Osmário Santos.

Luís Rabelo nasceu a 27 de abril de 1926 em Propriá, Sergipe. Seus pais: Moacir Rabelo Leite e Adalgisa Rabelo Leite.

Aprendeu a retidão do pai, um médico que viveu em Propriá para servir aos outros. ‘Moacir Leite, meu pai, marcou a nossa vida pela sua presença de fogo, pela sua voz de profeta, pelos seus olhos claros de esperança, pela sua inteligência magnífica, pela sua amizade leal e franca”. De sua mãe, herdou toda bondade de uma vida levada em simplicidade, sempre acolhendo todos.
De Propriá, terra natal tão amada e de momentos inesquecíveis, não esquece sua gente em sua maneira simples de viver e conviver.

Gente pobre, lutadora, sonhadora. Propriá do Rio São Francisco, tão especial para mim. Esse rio marca a vida da gente e todo mundo fala dele. Castro Alves dizia: ‘Oh! rio soberbo! Tuas águas turvas, por isso, descem lentas, peregrinas’. Freira Ribeiro escreveu: ‘Com o São Francisco, aprendemos a ser peregrinos e caminheiros. Peregrino da fé pelo acreditar e caminheiro com bem querer pelo viver na busca de amigos, que são irmãos escolhidos pelo coração’.

Calças curtas, saía pelas ruas de Propriá a brincar. Recordações dos primeiros brinquedos, das primeiras mestras, primeiros passeios.

As pessoas com quem a gente vai marcando amizade e continua tempo afora. Amizade é difícil no tempo de hoje, porque o mundo é tão rápido, tão ligeiro, que a gente não se encontra com amigo. O amigo não é aquele que dá o lenço para enxugar as lágrimas, é aquele que evita que você chore. É portanto, desses amigos, que, como um caleidoscópio, a imaginação da gente vai vendo que já se foram, que aquelas amizades já morreram, aquelas amizades já passaram no tempo, porque já prestaram conta a Deus, tantas pessoas. Em Propriá, no começo, não havia esta ponte que acabou com a terra do Propriá. Quantas pessoas lá marcaram presença... Dr. Carlos Melo foi prefeito, Dr. Fernando Porto foi prefeito de Propriá, terra de uma igreja que aprendi a querer bem e a amar. A igreja de Dom Antônio Cabral, do padre Lada pelas lições de catecismo. Terra onde fiz minha primeira comunhão na Igreja do Rosário, quando aprendi a minha fé, lavada sempre pelas águas do São Francisco.

Menino que conheceu os livros através dos ensinamentos da professora Elze Barreto, professora Rosinha Pinheiro e da professora Didi, estudando no Colégio Sagrado Coração de Jesus até o terceiro ano primário. Em 1937, o pai passou a ser gerente do Banco Mercantil Sergipense em Aracaju. Deixou a Medicina e trouxe toda família para a capital de Sergipe.

Um outro tempo escolar vivido com os Salesianos de Dom Bosco, onde os professores, em sua maioria, eram padres. “No meu tempo, só tinha dois professores de fora: professor Alcebíades Vilas Boas e professor Teles de Oliveira”.

No Colégio Salesiano, jogava futebol, indo até a frente da área fazer gols e muitos gols nas horas de recreação.

Tinha padre Paulo, que era o dono do Riachão aqui, época em que juntou bons jogadores. A sua estrela, como é hoje o Pelé, era Cacetão, grande jogador, de alta classe. Era chamado de Cacetão pelo tiro que ele tinha. Eu não era muito bom de bola, mas dava para ir levando, jogando na ponta direita. Era ruim, não dei muito para o futebol. Era torcedor do Flamengo do Rio de Janeiro, desde a época do Salesiano e, em Aracaju, sempre pelo azul, pelo Palestra.

Não sendo um menino tímido, sua voz ia longe nos corredores do colégio. “O povo acha gozado esta minha fala alta, que é própria de quem tem um microfone bom, interno, que não precisa de nenhum aparelho eletrônico”.

No Salesiano, como mérito escolar, algumas medalhas de ouro. Um curso ginasial bem feito, e uma boa base para ingressar no curso científico do Atheneu Sergipense, já que sonhava ser engenheiro. Matriculado, estudou com os grandes mestres de uma época gloriosa do colégio.

O Atheneu era uma academia. A gente pode fazer uma comparação, com o devido respeito. Hoje, se você quiser ter faculdade, tem de ter o mestrado. A faculdade, antigamente, era o antigo curso ginasial e científico. Quer dizer, fizeram um mal tão terrível à educação brasileira que a gente fica triste. No meu tempo de aluno do Atheneu, havia professores da mais alta linhagem, como: Dom Avelar, Dom Mário e Ofenísia Freire, todos ensinando português, o professor Artur Fortes, o professor Abdias e o professor Bragança. Gente que poderia ser professor da faculdade, gente que sabia, como Dr. Manoel Cabral . Eu ainda fui aluno dele na Escola de Comércio.
Estudou o curso científico à tarde e, à noite, o curso de contabilidade na Escola de Comércio Conselheiro Orlando. Gostava de fazer contabilidade, tendo algumas escritas para firmas do comércio de Aracaju.

Trabalhava com Genésio Borges, um velho contador que morava em Propriá, vindo depois montar seu escritório em Aracaju. Ia fazer a escrita, numa maneira de aprender Contabilidade e de receber uma graninha. Mas é bom frisar que eu ia lá mais aprender do que receber.

Aos domingos, futebol e cinema. “Não gostava muito de paquerar, gostava mais de ler. A paqueração minha era nos livros. Tive poucas namoradas”. Sempre religioso, integrou-se à Ação Católica no grupo JEC (Juventude Estudantil Católica).

Concluindo o curso científico, partiu para Salvador a fim de tentar vestibular para ingressar na Faculdade Politécnica. Fez vestibular duas vezes, mas somente na terceira tentativa conseguiu aprovação. Em 1949, achou que não dava para prosseguir, por algumas matemáticas. Decisão tomada, abandonou o curso e resolveu fazer vestibular para Faculdade de Direito da Bahia. Foi aprovado de primeira e com boas notas.

Procurou se integrar nos movimentos religiosos estudantis, conseguindo, em pouco tempo, conquistar o cargo de presidente da Juventude Universitária Católica de Salvador. Como sempre foi bem comportado, nas pensões em que passou, deixava a marca da boa amizade. Morou na Pensão Direita da Piedade e terminou o curso na pensão do padre Torran. “Era um padre jesuíta que reunia as pessoas ligadas ao catolicismo e tinha uma pensão interessante lá na Vitória”.

Sempre firme em sua fé, ligou-se, em Salvador, aos Franciscanos, através do Frei Edgar, que tinha sido superior em Aracaju quando Luís o conheceu. O frei era o diretor da Livraria Mensageiro da Fé e dava para Rabelo livros para ele fazer revisões. “O primeiro livro em que trabalhei como revisor foi “A Grande Esperança” de autoria de Dom Alfredo Pepe, hoje, bispo de Ilhéus”. Dos franciscanos, passou a ter uma ligação com o Mosteiro de São Bento.

Ali fiz o meu mundo. Via uma vida de caridade muito grande entre eles, vida de integração e compreensão. Me dava uma alívio ao coração quando estava lá. Estava nos passos para ser monge beneditino, proposta de mudança de vida levada com seriedade.

Em 1952, o amigo e parente Armando Rollemberg conseguiu, junto ao governador Arnaldo Garcez, o cargo de promotor público substituto da Comarca de Japaratuba. Continuou os estudos em Salvador, pois já estava no final do curso e trabalhava em Japaratuba, já usando o trem para o ping-pong das constantes viagens. Passava mais tempo aqui do que em Salvador e, nisso, contou com a ajuda da colega Maria de Lourdes Santos, que lhe mandava notícias e dizia os dias das provas. Em 09 de dezembro de 1954, recebeu o diploma e veio, definitivamente, para Sergipe. Havendo um concurso para o Ministério Público disponibilizando quatro vagas para quatro cidades, inclusive Japaratuba, se inscreveu e passou em primeiro lugar. Pelas suas ligações com o Partido Republicano do seu amigo Armando Rollemberg, sofreu perseguição política com anulação do concurso. Era o primeiro concurso do Ministério Público, e Luís ganhou, mas não levou, sendo forçado a recorrer, ganhando causa, retornando a Japaratuba por força judiciária.

No período em que ficou afastado do Ministério Público, conseguiu, através do Arcebispo Dom José Vicente Távora, o cargo de diretor do Posto de Migração e Colonização do INIC (hoje, o INCRA).
O trabalho era de cunho social e muito fantástico. O posto era na estrada de ferro. O trem vinha com os imigrantes desde o Ceará para irem ao Sul. A gente conseguia um café, uma dormida e, no dia seguinte, eles iam embora. Aprendi a ver o problema do social.

No Partido Republicano, foi eleito secretário do Diretório Regional. Candidatou-se a deputado estadual, mas não foi bom de urna. No tempo em que aguardava julgamento do recurso ao Supremo da Promotoria de Japaratuba, período de quatro anos, exerceu as funções de diretor de Educação e Cultura do Município de Aracaju, secretário particular do prefeito Roosewelt e professor da Faculdade de Serviço Social. Passou seis meses sem receber dinheiro, mas, ensinava por realização profissional.
No governo Seixas Dórea, recebeu o convite para assumir a Secretaria de Educação e Cultura do Estado. Esta indicação não foi por indicação do Partido Republicano. “Primeiro, Seixas Dórea era de Propriá. Segundo, o candidato do PR era José Carlos de Souza, e Seixas me chamou e disse: ‘Eu quero é você’. Depois o PR disse que foi ele, mas..”.

Na Secretaria, diz que fez duas coisas fantásticas. A primeira dividiu o Atheneu.

O Atheneu era só ali. Eu fiz um núcleo do Atheneu no Bairro Siqueira Campos, e o outro, no Bairro Industrial. Outra idéia também fantástica, no meu entender, foi dividir o curso na área urbana e na área rural, porque, na área rural o problema se concentrava no período do inverno, das chuvas. As férias passaram para o período das chuvas, e isso não houve em lugar nenhum do mundo. Fui elogiado até na ONU como o primeiro caso do mundo em que houve essa divisão. No ano seguinte, veio a revolução. Fui preso, tendo passado somente um ano na Educação. Há uma entrevista de José Rosa, já falecido, dizendo que a Educação em Sergipe foi antes de Luís Rabelo e depois de Luís Rabelo. Porque eu fiz, em um ano, o que os outros não fizeram em 200, segundo Francisco. Constituí e ampliei escolas em todo o Estado, uma série de outras coisas e trouxe Paulo Freire, quando instalamos o Movimento de Educação de Base, que levava a educação para a pessoa dentro de sua realidade.

Rabelo foi preso em 1964, em plena rua João Pessoa, passando no 28º BC 11 dias.

Passei São João e São Pedro e fui solto no dia 11 de julho. Na prisão, escrevi para os meus filhos uma carta-protesto, contra o modo como fui preso. Eis alguns trechos: ‘Sou católico, apostólico, romano por convicção e me honra sê-lo. Nunca preguei o ódio ou a luta de classes. Sempre preguei a doutrina social da igreja. Lutei pela Justiça, pela verdade e pela dignidade humana. Lutei pelas reformas estruturais cristãs’. Concluí: ‘Não basta reconhecer tudo o que está atrasado na comunidade, é urgente fazer alguma coisa; não basta medir espaço da opressão, da mentira da iniquidade, da injustiça, é preciso agir para que seja dado aos oprimidos injustiçados a verdade, a liberdade, a justiça’. Terminei com o salmista: ‘Amei a Justiça, odiei a Iniquidade’.

Conta o que aprendeu na prisão. “O convívio humano. A gente vê as pessoas, o que elas são de verdade. Lá, pessoas que se diziam amigas da gente, deduravam-nos, dizendo que fez isso e aquilo. Aprendi que valeu a pena”.

Saindo da prisão, voltou para a vida de promotor em Japaratuba. Na oportunidade em que surgiu a vaga constitucionalmente destinada ao Ministério Público, seu nome foi incluído numa lista de três pelo Tribunal de Justiça para nomeação pelo governo do Estado. Perseguição de todos os lados, pelo fato de ter sido preso pelo Golpe de 64.

Lourival teve papel saliente junto com Figueiredo a meu favor. Havia um abaixo-assinado. Coube ao governador José Rollemberg Leite a responsabilidade da minha nomeação para ser desembargador do Tribunal de Justiça. Depois da nomeação, o governador passou a receber pressão para voltar atrás. ‘Está nomeado, está nomeado’.

Presidente do Tribunal de Justiça em 1983/1984, foi responsável pela introdução da informática no Tribunal. “Trouxe para aqui a primeira ligação do terminal do Senado”.

Nas festinhas de Natal de Aracaju do passado, conheceu sua esposa, Teresa Maria Sobral Leite. “Nós conversamos e saiu o casamento”. Foi celebrado por Dom Fernando Gomes em 2 de julho de 1956. Do casamento, quatro filhos e nenhum neto. “Graças a Deus, porque não quero dormir com a avó”.

Texto reproduzido do site: osmario.com.br
Foto reproduzida do site: tjse.jus.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 8 de setembro de 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário