Foto do livro de Ana Medina.
Publicado originalmente no blog Academia Literária de Vida,
em 26/03/2014.
Mário Cabral - o Missivista
Centenário de um Homem Intelectual e Cavalheiro
Por Maria Lígia Madureira Pina.
Mário Araujo Cabral nasceu em 26 de março de 1914. Era
advogado, professor, poeta de rica lavra, romancista, cronista, jornalista,
político, diretor do teatro Castro Alves em Salvador (BA) e muito mais. Quem
quiser conhecer sua vida é só ler o livro da acadêmica Ana Maria Fonseca Medina,
“Mário Cabral, Vida e Obra”*. Quanto a mim neste momento em que se comemora o
seu centenário de nascimento quero lembrar Mário, o Missivista. Ele tinha
prazer em corresponder-se com parentes, amigos e desconhecidos que lhe
ofereciam livros e pediam opinião sobre a obra. E Mário Cabral não deixava sem
resposta nenhuma carta. Outra característica sua era a concisão. Ele dizia
tudo, em poucas palavras. No mais a leveza, a sutileza do estilo, a ternura e o
incentivo aos novos escritores são marcas da sua personalidade. Mário buscava
em cada texto, em cada poema que recebia - a essência - o que dava realce para
comentar e estimular o autor. E a caligrafia... linda, inconfundível.
A amizade epistolográfica entre Mário e eu.
Tudo começou em 1997, quando ele enviou aos acadêmicos e
membros do MAC (Movimento de Apoio a Academia Sergipana de Letras), o seu
livro, intitulado Jornal da Noite, obra belíssima de crônicas, abordando os
mais diversos temas. Escrevi-lhe agradecendo e comentando o presente. Em
retribuição ofereci-lhe o meu livro A Mulher na História. Resultado: três
cartas analisando, comentando sobre a importância de mostrar o quanto estas
mulheres foram úteis à sociedade. E num rasgo de generosidade disse-me que “o
livro merece uma medalha. De ouro!”. Daí começou uma troca de correspondência
que perdurou de 1997 a 2008, entre duas pessoas que nunca se conheceram
pessoalmente. Onze anos... Lançamentos de livros, Natal, São João, datas
natalícias, lançamento da primeira revista da Academia Literária de Vida, poesia
em livros ou avulsas, de lado a lado eram motivos para carteamento.
Em um dos seus últimos aniversários escrevi um acróstico
diferente, inventado para homenageá-lo. E ele agradeceu-me em bela e
incentivadora carta: “Tenho sempre em mão aquele diploma que você redigiu e
assinou em minha homenagem, a começar com o acróstico do meu nome. Nos elogios
e encômios foi você muito generosa. Não sei se mereço tanto. Suas palavras –
que as guardo – ficaram no meu coração”.
Aos 93 anos de idade, a visão comprometida e abalada a alma
pelo falecimento da esposa, Sylla (seu único amor) resolveu deixar de escrever.
Enviou, então, a todos os seus correspondentes uma carta circular, anunciando a
sua decisão. Mesmo assim, quando lhe mandei a comunicação sobre o Natal que proferi
na Academia Sergipana de Letras, ele me escreveu agradecendo e comentando:
“Estou doente e parei de escrever. Mas quebro a decisão em face do seu trabalho
sobre o Natal. O nosso Natal é um trecho comovente. Os velhos, olhos cheios de
névoa, relembram a festa da Praça Pinheiro Machado... Seu texto, claro, lúcido,
independente de loas, vencendo por si só em brilho e festa”...
A última carta: Quando do falecimento da esposa eu lhe
escrevi uma longa carta. Na tentativa de levar-lhe um pouco de conforto
historiei a minha experiência com a morte: a perda da minha mãe, o último bem
que me restava. E Mário, do mais profundo da sua dor me escreveu: “Cara Lígia
Pina. Recebi a sua carta. De todas as mensagens, a mais linda, a mais longa e a
mais emotiva sobre a morte de Sylla. Estou só, sem rumo, sem objetivo. Mas a
casa está cheia da presença dela, cada livro, cada tela, cada objeto, o plano
vazio do nosso leito. E o silêncio dia e noite a tomar conta de tudo. Não tenho
tino, agora, para escrever como você o fez em missiva e verso de alto lavor,
emoção e saudade. Perdoe dizer pouco para quem disse tanto e tanto mais sugeriu
em beleza tanta.
Obrigada amiga pelo presente – carta e poesia – que marca
uma fase da sua existência, comum a todos nós, pobres mortais. Querer bem é
sofrer muito em advindo a morte da pessoa amada. Ceia Amarga e Só a Saudade
ficou valendo como um instante mágico de pureza e arte. Ademais a fé, em fio de
luz divina. Deus a guarde e guie. Amigo e admirador. Mário Cabral”.
A busca de Deus. Mário dizia não crer em Deus. Mas a sua
busca por Ele era contínua. É o que vemos e sentimos no soneto Descrença.
Transcrevo o último terceto:
Sinto-me só! Perdido. Ilha na solidão...
De súbito me veio o anseio de uma prece!
- Ah, se eu pudesse crer! Ah, se eu tivesse
O conforto de um Deus no coração.
Pelo fecho das últimas cartas eu sinto que Mário encontrou
Deus, dentro de si mesmo e no dia 02 de abril de 2009 fechou os olhos neste
mundo e os abriu para a Eternidade, abraçado pela luz de Deus.
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*Mário Cabral, Vida e Obra - Biografia escrita por Ana Maria
Fonseca Medina, Aracaju.Gráfica Editora J. Andrade, 2010.508 p. Ana Maria é
membro da Academia Sergipana de Letras. Escreveu os seguintes livros: Ponte do
Imperador (1 e 2 edições), Memória da Ordem do Mérito Serigy, Cartas de Hermes
Fontes, angústia e ternura, organizou Efemérides Sergipanas de Epifânio Dória.
Foto e texto reproduzidos do blog:
academialiterariadevida.blogspot.com.br
Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 2 de maio de 2014.
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