Interatividade.
Ele é bem mais moço do que eu, muito mais alto e
perigosamente mais forte. Começou por debochar de tudo quando eu dizia, depois
partiu para a agressão verbal irreproduzível. Chegou ao ponto em que eu já não
conseguia fazer de conta que não estava ouvindo, como vovó me ensinou.
Respondi-lhe à altura com o pior adjetivo que me apareceu na cabeça e que
apliquei à sua querida mamãe. Ele ficou vermelho de repente e começou a
embaralhar as palavras. As veias do seu pescoço aumentaram de volume e ele se
levantou, cravando em mim olhos que já saíam das órbitas.
Pensei rápido: "Se eu cravar as unhas no seu pescoço
por mais de um minuto , faltará oxigênio em seu cérebro e ganharei a
partida." Saltei da cadeira e ataquei!
Caí, então da cama. Bati com a última costela esquerda na
ponta da mesinha de cabeceira, derrubei a lâmpada com o cotovelo e amassei a
caixa dos óculos, ao mesmo tempo em que ouvi o grito angustiado de minha mulher
chamando por Nossa Senhora.
Pior do que a briga do sonho foi o trabalho de voltar para a
cama. Depois do primeiro exame que fiz na partes atingidas, descobri que não
havia fraturas, a não ser no amor próprio. Eu ainda segurava a caixa dos óculos
destroçada. No sonho, ela fizera o papel do pescoço do meu contendor.
Com o passar do tempo, fui confessando aos filhos e aos mais
íntimos o motivo da mancha roxa na barriga. Seguiram-se as necessárias
aplicações de respiração profunda. O esforço que fiz para encontrar uma posição
digna ainda no chão foi juntar-se às dores mais antigas, provenientes das
diversas afecções do arcabouço e que constituem o ornamento natural da soma dos
invernos acumulados.
Pois é. De algum tempo para esta data, como se diz nos
ofícios de requerimento, venho tomando parte integrante nos sonhos, notadamente
nos pesadelos em que minha vida costuma ser ameaçada, muitas vezes sem qualquer
motivo. Em outros casos, quebro o silêncio da noite com uma gargalhada sinistra
e acordo molhado de suor. Certa vez, agarrei um travesseiro e quase o esganei,
pois ele era simplesmente o gato que tentava comer o passarinho.
Temo pela segurança da minha querida consorte, naturalmente.
Ela sabe que tudo que faço pelo seu bem, mas existe o perigo de que ela se
encontre no meio do combate. Tive um amigo que também era vítima desses sonhos
interativos. Todas as noites ele e a esposa cumpriam um verdadeiro ritual de
preparativos de auto-defesa antes dos agradáveis votos conjugais de
boas-noites.
Outro modo que dizem surtir efeito favorável é o hábito de
pegar no sono com um bom pensamento, mas o trabalho de se procurar um deles é
extenuante. Os programas de televisão também devem ser evitados sumariamente,
com especialidade aqueles que nos fazem desejar uma troca de nacionalidade.
De qualquer modo, minha mesinha de cabeceira fica desde
então longe da cama, há travesseiros pelo chão e todos os objetos que podem
ferir a integridade física são trancados em outro ambiente. Da mesma maneira
como os remédios são guardados fora do alcance das crianças.
Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 6 de maio de 2013.
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