terça-feira, 27 de maio de 2014

Cauê sofre, mas goza!


(Relato interessante enviado ao governador Marcelo Déda sobre a posse de Carlos Cauê na Secom/Gov, em 2009).

Cauê sofre, mas goza!

Metido numa gravata cor-de-rosa (o terno cinza em riscos de giz complementava o traje) o poeta Cauê resistia aos tapinhas nas costas. De longe se ouvia o ronronar do gozo, afinal, estava-se a demonstrar ao vencedor da justa o privilégio de surrar-lhe as costas, o rito que lhe confirmava a condição de herói daquela solenidade. Ele gosta.

A turba aos brados gritava agora, sim, ao repasto! E empunhava as armas – microfones, gravadores, canetas bic em azáfama criativa, exclamações de júbilo e grandes fachos de luz televisiva, como se fora o céu que se abrira em pautas.

Você dirá: e era tanto? Era! Era um Discovery armado na savana do poder de lente atenta às feras despertas, pronta a flagrar do mais fero felino ao diáfano ruflar de um beija-flor. Lá esteve a nossa fauna e a nossa flora também se abriu em ohs! Você precisava ver.

Vi depois, cá do fundo e através de cangotes barbeados, o nosso amigo emocionar-se em discurso escorreito, cumprindo o bom-tom conveniente, mas mensageiro: abrir-se, transparecer, retomar com elegância e respeito o trato do governo com a imprensa, com os jornalistas, com os veículos, e aproveitar o mérito do excelente trabalho da antecessora para iniciar “um novo ciclo no governo Deda”. Foi o que eu entendi e digo mais: era o que queríamos ouvir.

Lá dentro nas terceiras filas daquele auditório diminuto, Rosalvo Alexandre instalou o seu potente diafragma - um serviço de som considerável. Palmas em grandes decibéis, assentimentos de cabeça, quase júbilo. Ele foi o que eu queria ser naquela ocasião, um propagandista das nossas gerações, desde os incontidos gestos ufanistas à confiança nos acertos do seu governo, tão importantes para a transformação deste sergipinho num estado capaz de honrar sua descendência.

Mas saí antes do beija-mão. Minha velhice já não suporta filas heterogenias de conversas pueris, tão rituais. Vai que eu ficasse entre um vendedor de rodapés e o tio de uma chefe de gabinete pretendente á nomeação, prócer político importante, mas ridículo, com o seu mau hálito velhusco de boca acostumada a engolir benesses oficiais. Ou de alguém que me chame de Amaralzinho, depois de tanta gordura social que acumulei na cintura e das brigas cruéis que ganhei, modéstia a parte, para ser um cidadão respeitável. São-me difíceis estas coisas mais ou menos comuns aos nossos tempos, sei não, isto é lá jeito de envelhecer, estes incômodos morais que eu relevo, esta dificuldades burocráticas funcionais em que eu ainda ando metido...

Quanto à Galdino que também emocionou a plateia com o seu discurso, devo confessar: não gostava dela, mas hoje já gosto. Foi um traço de modernidade a gestão dela na Secom e dela se precisa muito mais. Se na Cultura ela for tão saneadora quanto foi na Secom, seja a mudança bem vinda. A administração cultural precisa decolar e isto ela sabe fazer. Só temo que ela desconheça os nós da cultura e queira começar agora, de novo, o que já se está cansado de fazer. Acho que Gilberto Gil é um bom caminho. Coloco-me, por seu intermédio, à disposição dela. Sem cargo, sinto-me à vontade para contribuir.

Mas foi. A posse de Cauê foi massa. Reclamei a falta do seu discurso, reclamei sim, discurso certamente tão amoroso e lúcido, tão capaz de poesia e convencimento que nos faria um bem bem maior explicando-nos porque Cauê e o quanto você, governador Marcelo Déda, está comprometido com essa opção.

É este o relato, amigo governador.

20/ maio/2009
Amaral Cavalcante.

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 26 de maio de 2014.

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