(Relato interessante enviado ao governador Marcelo Déda
sobre a posse de Carlos Cauê na Secom/Gov, em 2009).
Cauê sofre, mas goza!
Metido numa gravata cor-de-rosa (o terno cinza em riscos de
giz complementava o traje) o poeta Cauê resistia aos tapinhas nas costas. De
longe se ouvia o ronronar do gozo, afinal, estava-se a demonstrar ao vencedor
da justa o privilégio de surrar-lhe as costas, o rito que lhe confirmava a
condição de herói daquela solenidade. Ele gosta.
A turba aos brados gritava agora, sim, ao repasto! E
empunhava as armas – microfones, gravadores, canetas bic em azáfama criativa,
exclamações de júbilo e grandes fachos de luz televisiva, como se fora o céu
que se abrira em pautas.
Você dirá: e era tanto? Era! Era um Discovery armado na
savana do poder de lente atenta às feras despertas, pronta a flagrar do mais
fero felino ao diáfano ruflar de um beija-flor. Lá esteve a nossa fauna e a
nossa flora também se abriu em ohs! Você precisava ver.
Vi depois, cá do fundo e através de cangotes barbeados, o nosso
amigo emocionar-se em discurso escorreito, cumprindo o bom-tom conveniente, mas
mensageiro: abrir-se, transparecer, retomar com elegância e respeito o trato do
governo com a imprensa, com os jornalistas, com os veículos, e aproveitar o
mérito do excelente trabalho da antecessora para iniciar “um novo ciclo no
governo Deda”. Foi o que eu entendi e digo mais: era o que queríamos ouvir.
Lá dentro nas terceiras filas daquele auditório diminuto,
Rosalvo Alexandre instalou o seu potente diafragma - um serviço de som
considerável. Palmas em grandes decibéis, assentimentos de cabeça, quase
júbilo. Ele foi o que eu queria ser naquela ocasião, um propagandista das
nossas gerações, desde os incontidos gestos ufanistas à confiança nos acertos
do seu governo, tão importantes para a transformação deste sergipinho num
estado capaz de honrar sua descendência.
Mas saí antes do beija-mão. Minha velhice já não suporta
filas heterogenias de conversas pueris, tão rituais. Vai que eu ficasse entre
um vendedor de rodapés e o tio de uma chefe de gabinete pretendente á nomeação,
prócer político importante, mas ridículo, com o seu mau hálito velhusco de boca
acostumada a engolir benesses oficiais. Ou de alguém que me chame de
Amaralzinho, depois de tanta gordura social que acumulei na cintura e das
brigas cruéis que ganhei, modéstia a parte, para ser um cidadão respeitável.
São-me difíceis estas coisas mais ou menos comuns aos nossos tempos, sei não,
isto é lá jeito de envelhecer, estes incômodos morais que eu relevo, esta
dificuldades burocráticas funcionais em que eu ainda ando metido...
Quanto à Galdino que também emocionou a plateia com o seu
discurso, devo confessar: não gostava dela, mas hoje já gosto. Foi um traço de
modernidade a gestão dela na Secom e dela se precisa muito mais. Se na Cultura
ela for tão saneadora quanto foi na Secom, seja a mudança bem vinda. A
administração cultural precisa decolar e isto ela sabe fazer. Só temo que ela
desconheça os nós da cultura e queira começar agora, de novo, o que já se está
cansado de fazer. Acho que Gilberto Gil é um bom caminho. Coloco-me, por seu
intermédio, à disposição dela. Sem cargo, sinto-me à vontade para contribuir.
Mas foi. A posse de Cauê foi massa. Reclamei a falta do seu
discurso, reclamei sim, discurso certamente tão amoroso e lúcido, tão capaz de
poesia e convencimento que nos faria um bem bem maior explicando-nos porque
Cauê e o quanto você, governador Marcelo Déda, está comprometido com essa
opção.
É este o relato, amigo governador.
20/ maio/2009
Amaral Cavalcante.
Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 26 de maio de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário