Publicado originalmente no Facebook/Lilian Rocha, em
15/01/2014.
Decididamente, eles (meus pais) são meus ídolos: ele é o
estudo, a inteligência, a cultura, o romantismo; ela, a ação, a praticidade, a
sabedoria, o pé no chão. Um completando o outro, há 63 anos e os dois me
completando, há 55...
Aos 85 anos, ele nos brinda com essa bela crônica, fazendo
um balanço de sua própria vida e chega à conclusão de que só tem mesmo a
agradecer...
FOLHAS MORTAS?
(por Petrônio Gomes, meu pai)
Rebusco papéis sepultados, vestígios de primaveras idas,
solfejando estrofes de canções que se já foram. Ainda repontam pedaços de
versos que eu julgava esquecidos, estribilhos de felicidade que teimam em
continuar no meu pensamento. Como pétalas colhidas do chão, de namorados que
sofrem, procurei também juntá-los, esses estilhaços de pérolas que acompanham
meus risos de outrora, lembranças de manhãs coloridas. E, temeroso de olhares
profanos, olhei, assustado, em volta. A saudade é mendiga orgulhosa, vestida de
trapos em forma de manto...
Disse, portanto, adeus a mim mesmo, ao eu de agora,
acolhendo os retratos que ainda desejavam viver. Que voltassem, surgidos das
cinzas, em tropel de culpas e de acasos! Passaram novamente por minhas mãos
espalmadas, esses restos de flores, cujo perfume longínquo surgiu como um
suspiro, um sopro de brisa, um compasso de valsa.
Fui o réu de mim mesmo, o caçador grisalho de bem-me-queres,
o sonhador às avessas; depois de despetalar muitos lírios, fiz um tapete de
sonhos e adormeci. Dormi de olhos abertos, sob o afago das inúmeras benesses.
E brotaram-me dos olhos as palavras que os meus lábios
cerrados não conseguiram proferir. Caíram sobre o tapete das pétalas, em forma
de lágrimas incontidas, os meus "obrigados".
Pois que, em nenhuma das flores encontrei espinhos.
Comparei, sim, os imaginários espinhos com aqueles verdadeiros, por outros
recebidos com abraços, sem queixumes.
Nesse balanço misterioso, embalado apenas pelo silêncio de
um coração encolhido, emergi, sobraçando os velhos postais, decidido a conservá-los
em lugar de honra, para que depois deles me sirva em inventários futuros.
Não são folhas mortas as páginas de nossa vida, não podemos
arquivar retratos de nossos intuitos. Devemos, sim, guardá-los em vasos
cristalinos de nossa consciência, ainda que regados pelas lágrimas de nosso
arrependimento.
(Petrônio Gomes - 15.01.14, aos 85 anos).
Foto e texto reproduzidos do Facebook/Fan Page/Lilian Rocha.
Postagem aqui reproduzida da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 18 de maio de 2014.
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