"Escute aqui, Tobias"
Por Petrônio Gomes.
“Você não está percebendo nada? Quando a gente gosta de uma
coisa, Tobias, ela não é guardada hoje aqui e amanhã, em lugar diferente. Tem
lugar certo, destacado, para que as visitas compartilhem de nossa alegria em
possuí-la. Somente quando deixamos de prezar um objeto, é que não encontramos
lugar na casa para ele, largando-o em qualquer canto obscuro, atrás de uma
cama, em cima do guarda-roupa. Você tinha pousada certa, Tobias, lembra-se?”
A Praça Pinheiro Machado (hoje Tobias Barreto) ficava
engalonada e alegre para receber seu carrossel; aquelas árvores recebiam luzes
da noite para o dia. Você ainda era jovem e seu riso mais simpático. Nunca lhe
colocaram onde não houvesse uma Igreja por perto, pois o melhor da festa era
esperar pela Missa do Galo. E a garotada, lá na Igreja, muito contra a vontade,
ficava escutando o seu apito estridente, doida para voltar. Nunca deixou de
haver filas em torno de seus cavalinhos, tão disputados pelos pais cansados e
impacientes. Se para outra parte se levavam os meninos, era por não ter sido
possível encontrar vazio um dos seus pequenos corcéis. Ninguém achava graça na
roda gigante como no seu carrossel, Tobias, mas os tempos foram passando. Você
hoje está encanecido e usa óculos.
Os velhos foram se desgostando dos ruídos de que tanto
gostam as crianças. E resolveram tirar Tobias. Onde colocá-lo? Todos fazem a
mesma pergunta e uma meia dúzia de adultos fornece a resposta, que deveria
pertencer aos meninos. Procura-se uma praça distante, onde a algazarra dos que
estão contentes com esta vida não perturbe a muitos desiludidos. Essa Praça não
existe. Os meninos começam a reclamar, cada vez que avistam os cavalinhos
deitados, as barcas desarmadas e os aviões pelo chão.
Na Praça Pinheiro Machado? Não serve. Existe ali um Colégio
de Freiras e não se sabe se a praça pertence ao colégio ou a cidade. No Parque?
Também não. A festa é dos meninos, mas a gente grande é que estraga tudo o que
está bem cuidado. Na Praça da Bandeira? Existe um Hospital nas vizinhanças.
Terminaram arranjando um lugar que não é praça nem tem
Igreja, mas tem um nome pomposo: Esplanada do Bomfim. Fui vê-lo, Tobias, lá em
cima do guarda-roupa, esquecido e de cabelos brancos. Os velhos já estão
cansados e fartos do burburinho e jogaram Tobias atrás de um circo. Não
deixaram um espaço para a garotada estirar as pernas, pois existe a construção
da Estação Rodoviária.
Mas eu fui. E aqui estou para prestar-lhe minha
solidariedade, velho Tobias. Agradeço-lhe pela expressão de felicidade que vi
no semblante das crianças. Elas são alegres durante todo o ano, mas na época do
Natal é que podemos ouvir em coro toda a pureza dos risos infantis. Percorri
todos os brinquedos, comprei pipocas, carreguei nos braços minha caçula
adormecida.
No próximo ano, Tobias, qual será o lugar da sua cidade de
sonhos? Talvez concordem em deixar mais uma vez seu carrossel na Esplanada.
Ficarei torcendo para não lhe mandarem para a Estrada da Cerâmica, para trás da
Caixa d'água, para o inferno...
(Crônica originalmente publicada na 'Gazeta de Sergipe', em
27 de dezembro de 1959)
Notas do autor:
"Tobias" - nome dado ao boneco principal do
carrossel.
"Praça Pinheiro Machado" - hoje chamada 'Tobias
Barreto'
Colégio de Freiras - Colégio Patrocínio São José
"Esplanada do Bomfim" - como era conhecida a
região onde hoje se localiza a rodoviária velha. No lugar onde hoje fica o
supermercado Bompreço, havia um morro de areia, conhecido como 'Morro do
Bomfim'.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE.
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