Site: Serigy, a História de um Povo.
Portal de Cultura de Luiz Antônio Barreto.
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Ismar Barreto I - Cantor e Compositor - 18/07/2006.
Por Luiz Antônio Barreto
Sergipe perdeu, no dia 2 de junho, um dos seus mais
completos artistas: o poeta, compositor, instrumentista (violão) e cantor Ismar
Barreto, símbolo de uma geração que teve de aliar a criação artística com a
sobrevivência, sem prejuízo da qualidade dos seus trabalhos. No caso de Ismar
Barreto a publicidade foi a saída para o ganha pão da sobrevivência e seus
jingles, que foram veiculados aqui, entre nós, e levados para outras partes do
país, atestam a consciência do autor. Doente, enfrentando uma moléstia que não
deu trégua, Ismar Barreto resistiu o quanto pôde e deu uma lição de vida, sem
medo algum das circunstâncias que interromperam a sua biografia.
Ismar Barreto Dória, filho de Isidório Dória e de Maria
Barreto Dória, nasceu em Aracaju, em 1º de outubro de 1953. Estudou até
completar o antigo 2º Grau (atual ensino médio), o que foi suficiente
aperfeiçoar-se em cursos, visando as atividades profissionais. Fez curso de
Técnico em montagem de plataforma de perfuração e produção de petróleo, e
cursou Inglês no CCAA, em Brasília – DF. Com esta formação saiu de Sergipe e
trabalhou como Técnico e como Intérprete encarregado de plataforma de petróleo
e como Intérprete em diversas companhias nacionais e estrangeiras, tanto no
Brasil, quanto no exterior, entre 1973 e 1985.
Ismar Barreto trabalhou para as seguintes empresas: Marine
Inc., Diammond M. Perfurações Ltda; Mcdermott Inc.; Marlin Perfurações;
Superpesa Transportes Marítimos Ltda; e Schahin Cury Eng. Ltda. Em Brasília,
onde residiu por alguns anos, Ismar Barreto foi Intérprete de eventos, como o
Congresso Internacional de Doenças no Campo da Metalurgia e no Lançamento
Mundial de Pneus Goodyear. Foi, também, auxiliar técnico do IBGE, chefe do
gabinete da presidência do IBGE, assessor do gabinete do Ministro do
Planejamento e assessor do gabinete do Presidente da República (Governo João
Figueiredo).
Voltando a Aracaju exerceu atividades de Intérprete,
destacando-se os trabalhos do Congresso Internacional de Medicina e com o
Ballet Real da Dinamarca, dedicando-se, enfim, a publicidade, criando e
produzindo jingles comerciais, institucionais e políticos.
Com Egle Rebello Moreira Dória teve três filhos: Manoel dos
Santos Silva Neto, nascido em 1978, em Brasília; Yana Rebello Moreira Dória,
nascida em Aracaju, em 1984; e Yasmin Rabello Moreira Dória, nascida no Rio de
Janeiro, em 1988. Sua família tem outros artistas, como o bonequeiro e
dançarino Augusto Barreto, do Mamulengo do Cheiroso, a atriz Marlene e a
instrumentista e bonequeira Maire Barreto.
Falecido em 2 de junho de 2006, aos 52 anos, Ismar Barreto
enlutou toda uma geração de artistas e uma legião de amigos e admiradores,
solidários durante os meses da doença e que acompanharam, com pesar, seu
sofrimento e morte, velório e sepultamento.
Alegre, sempre disposto a brincadeiras, Ismar Barreto deixou
uma espécie de recomendação (como aquela de Noel Rosa: ‘Quando eu morrer/ não
quero choro nem vela’) que os amigos, como lembrou Cleomar Brandi, levaram à
risca. Pascoal Maynard, João Alberto, que mais que médico era parceiro, Neu
Fontes, Pantera, dentre outros guardam, como curadores, os bens intangíveis do
artista morto.
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Ismar Barreto II – A Música - 19/07/2006
Por Luiz Antônio Barreto
Antes de Luiz Gonzaga a música de sotaque nordestino
significava pouco no contexto nacional e valia menos ainda na economia
discográfica. Alguns autores, cantores, como o comediante e violonista
Jararaca, que fazia dupla com o saxofonista Ratinho, como Zé do Norte,
Manezinho Araújo, Augusto Calheiros apresentavam as emboladas alagoanas, e
ritmos comuns das festas populares do nordeste. Luiz Gonzaga criou um
verdadeiro sistema musical, renovando a poética, o compasso melódico, criando
ritmos, e uma expressão sonora inigualável, que apresentou a todo o Brasil o
sotaque regional nordestino.
A pedagogia do baião atravessou décadas de sucesso,
seduzindo as platéias das demais regiões brasileiras, inspirando uma certa
universalização dos ritmos regionais, na convivência harmoniosa, que foi capaz
de atrair artistas consagrados para que também cantassem o baião. Nos anos de
1950 o baião urbanizou-se em vozes conhecidas, que freqüentavam as emissoras de
rádio e se apresentavam em festas por todo o país. Luiz Gonzaga envelheceu
autêntico, consciente de que deu ao povo uma coroa de rei, honrando com sua
sanfona e sua simpatia o reinado do baião, a tal ponto que o Brasil não viu que
ele era um negro e que em muitas ocasiões cantou as suas origens étnicas, e
sempre cantou as origens sertanejas.
Em vários Estados surgiram artistas e grupos que elevaram e
sofisticaram a contribuição nordestina à música brasileira, a começar por
Jackson do Pandeiro, da Paraíba. Estão por aí, correndo o Brasil, artistas como
Alceu Valença, de Pernambuco, Gilberto Gil, da Bahia, Elba Ramalho e Zé
Ramalho, da Paraíba, Geraldo Azevedo, Nando Cordel, de Pernambuco, Belchior e
Fagner, do Ceará, Xangai, da Bahia, Vital Farias, da Paraíba, como Chico César,
e muitos outros identificados com a forma especial de expressão regional
nordestina.
As ondas da discoteca, da chamada música sertaneja, sem
sertão, o axé, o pagode, nada impediu que Dominguinhos e tantos outros
sanfoneiros, herdeiros da tradição sanfônica do nordeste, regessem um
cancioneiro novo, elaborado com todo o sentimento diante da realidade de uma
natureza madrasta, que impõe o rigor das estiagens, gerando fome e incerteza,
aviltando a vida e tornando mais distante o sonho justo de bem viver.
Mesmo contando com Josa, o Vaqueiro do Sertão, com Luiz
Paulo, Erivaldo de Carira, Passarada do Ritmo, Trio Pé de Serra, e o reforço de
Gerson Filho e principalmente de Clemilda, que aqui vive há muitos anos,
Sergipe não acompanhou o movimento musical nordestino e seus artistas, pela
maioria deles, preferiram assimilar linguagens dominantes, predominantemente
urbanas, efetivamente de boa qualidade. Alguns, no entanto, engajaram suas
artes na corrente de sons nordestinos, como são exemplos Amorosa e Antônio
Carlos do Aracaju, como intérpretes, Ismar Barreto, como compositor,
seguindo-se outros, como Nino Carva, Neu Fontes, Rubens Lisboa, sempre ligados
às raízes culturais da terra, embora tenham desenvoltura em outros ritmos e
temas.
A morte, prematura, de Ismar Barreto desfalca a seleção dos
abaionados (apaixonados pelo baião), que seguiram as trilhas abertas pelo Bolo
de Feira e pelo Grupo Repente, dois conjuntos de harmonia belíssima, dando
vozes aos cantos regionalizados pelos arranjos do Quinteto Violado, de
Pernambuco, que continua na estrada, acreditando no que faz.
Ismar Barreto pertence, de todo direito, a uma geração de
criadores que ousaram além dos três minutos de uma composição poética e
musical. O jingle, expressão rápida de arte a serviço da propaganda comercial,
síntese desafiante, contou com o talento de Paulo Lobo, o exímio cantor de
Aracaju, e de Ismar Barreto, com sua verve, sua esperteza verbal, sua voz
inconfundível, produzindo peças que ficarão lembradas. Não apenas as do
comércio propriamente dito, mas também as composições de natureza política,
feitas para candidatos, e que galgaram o êxtase da boca do povo, a melhor das
consagrações.
O médico Luiz Mitidieri, deputado estadual, foi candidato a
prefeito da capital, em 1992 e ganhou de Ismar Barreto uma bela página de
campanha, que foi gravada por Amorosa e que pode, sem dúvida, figurar em
qualquer antologia do jingle político. Mitidieri perdeu a eleição, mas ganhou
uma obra de arte, como poucas já criadas em Sergipe, com aquilo que pode ser
denominado de espírito local.
Ismar Barreto não fugiu ao cotidiano urbano de Aracaju e
compôs algumas das músicas antológicas do seu repertório de autor, uma delas,
fazendo uma viagem pela cidade, sem pressa, parando até para tomar um chope com
Pascoal Maynard, no saudoso bar Fans, da avenida Rio Branco, no térreo do
edifício Oviêdo Teixeira, que mereceu gravação irrepreensível de Amorosa,
espécie de interprete preferencial do compositor.
Neste particular da música urbana, “universal”, Sergipe tem
sido bem servido de autores e intérpretes cujos nomes circulam debaixo dos
aplausos públicos: Kleber Melo, Antônio Rogério e Chico Queiroga, Mingo
Santana, Irmão e Tonho Baixinho, Joésia Ramos, Patrícia Polayne, o extinto
Bando de Mulheres e muitos e muitos outros, concorrendo, desigualmente, nesses
tempos de Calcinhas Pretas.
Os Festivais
Os Festivais renovaram a música popular brasileira e
lançaram nomes de poetas, compositores, músicos e arranjadores, e intérpretes
que deram ao Brasil uma nova música, alastrando um sentimento nacional de
renovação, como nunca o País havia experimentado. Para dizer o mínimo, nomes
como o de Milton Nascimento, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Geraldo
Vandré, Edu Lobo, Ivan Lins, Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, que dominaram
a cena musical das décadas seguintes a dos Festivais, tornaram-se referências,
seguidos de muitos outros nomes que fizeram essa história recente da MPB,
difundindo um modo brasileiro de expressão musical.
Antes dos Festivais dos anos de 1960 e 1970, apenas a Bossa
Nova havia criado motivação para renovar a música popular brasileira, então
estrangeirada pelos ritmos que eram gravados e tocados, por toda a parte. Era o
Brasil do tango, na voz de Albertinho Fortuna, Nelson Gonçalves, Anísio Silva,
Orlando Dias e outros que também se tornaram defensores do bolero, do
samba-canção, ao lado do fox, e de outros ritmos trazidos pelo cinema e pela
indústria fonográfica. Era ainda o tempo de Alcides Gerardi, Carlos Galhardo, e
já o tempo de Cauby Peixoto, Ângela Maria, Agnaldo Timóteo e outros cantores,
que fizeram a trilha sonora da vida brasileira. A Bossa Nova deu João Gilberto,
que vale por muitos, Antonio Carlos Jobim, renovou a poesia de Vinícius de
Morais, e lançou vários autores, cantores e grupos vocais e instrumentais de
jovens, cujos nomes figuram na agenda da história do movimento musical.
Os Festivais tinham proposta cultural própria, e abriram
espaço para manifestações políticas, simbolizadas no antológico “Pra não dizer
que não falei de flores”, ou simplesmente “Caminhando”, de Geraldo Vandré,
compositor e cantor paraibano, que passou pela Bossa Nova e redescobriu a musicalidade
do povo nordestino, condimentando-a com o gesto audaz do engajamento político.
Mais do que cantar, Geraldo Vandré soltou um grito, que pareceu um canto geral,
de um povo inteiro que permanecia em silêncio, tolhido em sua liberdade. Os
Festivais, então, tinham duas características essenciais: renovava a linguagem
poética e musical, e tomava matiz de resistência e de politização, provocando
uma reação forte, através da censura.
Em Sergipe, como em outros Estados, o efeito dos Festivais
repercutiu e na esteira dos eventos do Rio de Janeiro e de São Paulo jovens
estudantes, aliados aos militantes da música local, organizaram Festivais que
serviram, também, para a explosão e exposição de talentos, pela primeira vez
reconhecidos das platéias reunidas nos espaços públicos. Cada autor,
compositor, cada intérprete, tinha pequena multidão de torcedores, com camisas,
faixas, cartazes, e aos gritos acompanhando as apresentações.
Dentre muitos nomes – Hunald Alencar, Marcos Melo, Roberto
Melo, Valdifrei, Luiz Augusto Barreto, Teotônio Neto – um surgiu como grande
promessa: Alcides Melo, que produziu o surpreendente canto do Mercado Thales
Ferraz. Ismar Barreto vem dessa nova geração nascida nos Festivais estudantis e
outros Festivais e tem ligação íntima como Alcides Melo, sendo, em certa
medida, seu continuador, desde que aquele artista mudou de Sergipe para o
interior de Minas Gerais.
Muitos anos depois, os Festivais foram recriados, como o
Canta Nordeste, no Recife, que deu a Ismar Barreto a chance de ser duas vezes
vencedor, com duas composições que caíram no gosto popular: "Coco da
Capsulana", vencedora de 1993 e "Salada Tupiniquim", ganhadora
do ano seguinte, 1994. Mais do que vencer, Ismar Barreto conquistou um espaço
na história da música sergipana e regional.
Alternando-se como autor e como intérprete, como
publicitário – campo em que foi um vitorioso, projetado nacionalmente – Ismar
Barreto desenvolveu um lado debochado de ver o mundo, cheio de gracejos,
criando uma linguagem de forte apelo popular, resguardada, no entanto, pelo
envólucro musical de qualidade.
“Tremendamente Sacana”, seu 2º CD, atesta, com todas as
letras, esse lado conotado da criação musical de Ismar Barreto, como a
substituir o meramente político dos Festivais, por um tipo de brega bem
humorado, o que não deixa de ser uma contribuição a mais, do artista para o seu
público.
Será difícil avaliar, fora do contexto de sua criação, os
caminhos percorridos por Ismar Barreto desde que se deu à música, e com ela
estabeleceu uma comunicação múltipla, que vai do regional – “Coco da Capsulana”
-, para o brega – “Porteiro de Cabaré” – passando pelos jingles geniais que formam
um capítulo especial de sua obra de poeta e de compositor.
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Ismar Barreto III - Por ele mesmo - 20/07/2006
O próprio Ismar Barreto deu a receita divina do seu
nascimento, em texto de 1992. Eis o que foi dito:
“Caetano disse um dia que ‘Deus é um cara gozador, adora
brincadeira...’ e ele tava certo. Mas eu queria lhe perguntar por que uma
coisinha tronxa que nem eu merece o carinho e a bondade de algumas pessoas.
É inevitável me perguntar se ele tava meio distraído quando
me concebeu ou pelo menos quando assinou a ordem de serviço para a minha
concepção. Fazer uma criatura assim deve ter sido duro. Porque na minha receita
botaram 3 kg de massa radical, 1 litro de leite azedo, 750 gramas de
intolerância, humildade era pra ser 2 kg e só botaram 1 kg, cerveja era pra ser
2 botaram 12, safadeza era 1 colher das de chá, botaram 4 conchas cheias,
grossura era só uma pitada em água morna descansando por meia hora, mas ai um
anjo safado foi lá, meteu a mão cheia e escondeu durante umas 3 h. Inteligência
era pra ser uma colher das de sopa, botaram uma colher das de sopa mesmo. Nada
anormal. Sorte, eram 3 rodelas grossas, puseram 2 finas.
Mas tudo bem, eu não vim nesse mundo para ser rei. No máximo,
o bobo da corte. Juízo precisava de 3 molhos bem verdes, mas acharam que ficava
parecido com muqueca e não botaram nenhum. Beleza eram duas medidas pequenas.
Veio o anjo traquino de novo e trocou por feiúra e ainda botou mais 3 medidas
das grandes. Ninguém segue uma receita inteiramente ao pé da letra mesmo.
Deixaram em banho-maria (o nome de minha mãe) por 9 meses e aí vieram os
enfeites. A boca era pra ser média e ficou média mesmo. Mas no pulmão meteram
um compressor de 500 libras e aí quando é pra falar... barra da porra! E se for
de música, sai de baixo.
Os olhos eram pra ser bonitos e enxergaram mais beleza nas
pessoas. Às vezes vê, às vezes dá uma cegueira e ele só enxerga o lado ruim.
Mas tem oculista e o tempo... velho professor. O nariz esse velho apêndice
idiota, nem fede nem cheira. As ‘zureias’... essas são de lascar. Escutam 6
conversas ao mesmo tempo, mas também sabem gostar de arte, do canto, da poesia
e também das críticas. Elogio, quem não gosta? Afinal todo artista é narciso
mesmo...! O fígado, esse bravo guerreiro resiste aos ataques de feijoada,
rabada, mocotó, moqueca e aqui ali alguns cálicizinhos de lúpulo e cevada.
Mas eu queria falar mesmo é desse velho coração. Não é
nenhuma obra prima, mas Deus teve pena de mim e aí ele deu uma mãozinha. Embora
numa criatura tronxa como eu já disse, esse meu coração malino faz coisas de
que me orgulho como a dele ter conquistado o carinho de algumas pessoas. Deus
abe o que faz. No meu caso foi só uma brincadeirinha pra relaxar. Deus também precisa
de lazer”.
Texto: reproduzido do site
clientes.infonet.com.br/serigysite
Foto: divulgação.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 15 de outubro de 2013.
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