Bacamarteiros do povoado Aguada - Carmópolis.
Samba de roda de Laranjeiras.
São Gonçalo do povoado Mussuca - Laranjeiras.
Infonet - Blog Luíz A. Barreto - 21/08/2004.
Arte de Ricos, Folclore de Pobres.
Por Luíz Antônio Barreto.
A sobrevivência de fatos folclóricos comprova o encanto que
as coisas do povo causam nas pessoas. Sílvio Romero, por exemplo, passou os
primeiros anos de vida com os avós, numa fazenda em Lagarto, fugindo dos surtos
de impaludismo, varíola e cólera que grassaram na vila. Foi no contato com os
escravos da fazenda Cachoeira, onde havia um engenho, que o menino Sílvio ouviu
as primeiras estórias, contadas pela negra Totonha, escrava comprada em Simão
Dias. Não foram apenas estórias, mas todo o repertório infantil, que causou
profunda impressão no futuro escritor, crítico e intérprete da vida social
brasileira. Além de Totonha, Zefa Nó, filha da também escrava Joana Nó, foi
outra portadora de saberes populares, formando Sílvio Romero nas coisas lúdicas
do mundo.
Adulto, Sílvio voltou-se para a coleta dos fatos
folclóricos, buscando reuni-los pela importância, esclarecê-los pela visão
crítica, contextualizando-os como parte da história literária do Brasil. Desde
que saiu de Sergipe, para estudar no Rio de Janeiro, e depois no Recife, que
Silvio Romero levou consigo um pedaço da alma sergipana, não apenas da sua
Lagarto, mas de Estância e de outros municípios, graças à pesquisa direta e a
contribuições de parentes e amigos, num hábito pessoal que jamais foi modificado.
Quando esteve em Parati, como juiz de Direito, ou em Juiz de Fora, procurando
lenitivo para a saúde afetada, ou Niterói, onde viveu durante muitos anos ou em
Campanha, em Minas Gerais e em outros lugares mineiros, no Recife e por onde
passou, Sílvio Romero manteve um caderninho de notas, fazendo um registro que
serviu de base aos seus livros.
A obra folclórica de Silvio Romero é grande e importante.
Não apenas os estudos críticos, de etnologia e etnografia, mas os Cantos
Populares, os Contos Populares e os estudos sobre a poesia popular do Brasil,
que são obras de referência, acolhidas no Brasil pelo pioneirismo da recolha e
dos enfoques valorados, e bem aceitas fora do País, como um retrato da gente
brasileira. Parte da obra folclórica de Sílvio Romero foi editada em Portugal,
antes mesmo de sair no Brasil, o que demonstra um interesse, conciliado, no
tempo, com a pesquisa e a sistematização naquela parte da Europa, que também
avantajou o zelo pelas sabedorias populares.
O folclore, como parte tanto visível quanto sensível da
cultura, exteriorizado pela sua própria natureza, vicejou em torno dos engenhos
de açúcar e das fazendas de gado, que eram expressões de riqueza. O folclore
era a dança, o folguedo, a representação teatral, as rezas, magias, girando em
torno de festas e de ciclos de festas, mais do lado de fora, do que de dentro
da casa, e quando no interior da casa, mais na cozinha, do que na sala. Na sala
estavam os exemplares artísticos: os quadros, com retratos a óleo, pendurados
nas paredes, as imagens, em consoles ou ninchos, também citados como oratórios,
ou nas pequenas capelas contíguas, o mobiliário de estilo, as alfaias, as
porcelanas monogramadas, toda uma atmosfera, enfim, de contraste com as
manifestações populares, de negros e de mestiços.
O declínio econômico apagou o fogo dos engenhos, as usinas
não resistiram, as casas grandes foram praticamente abandonadas e com elas os
exemplares de arte foram, aos poucos, desaparecendo nos testamentos das
heranças, nas vendas, nos penhores, no empobrecimento da oligarquia rural. O
folclore, mesmo não tendo mais em torno do que orbitar, como cultura de
dependência, como alegoria de festa, como entretenimento, permaneceu vivo, na
sucessão da oralidade, como um bem sem disputa, sem valor econômico, sem
herdeiros legítimos, além dos que aprendiam com os outros as mesmas folias.
Ainda hoje, em áreas que já foram ricas, como Laranjeiras,
Japaratuba, o folclore que resistiu e vive, parece estar associado aos pobres.
Por causa da roupa, que é de pobre, dos enfeites, instrumentos, calçados, que
apenas disfarçam a situação própria dos figurais, que desfilam as suas
antiguidades pelas ruas, nas festas cíclicas, notadamente religiosas. Ainda que
apresente, aos olhos de turistas, visitantes, pesquisadores, esse parentesco
com a pobreza, o folclore vive, sobrevive, permanece guardando tesouros
incalculáveis, nos quais residem os valores mais antigos e recorrentes da
história humana e da cultura da humanidade.
Naqueles homens simples, naquelas mulheres tímidas, como que
entranhadas sobrevivem as variantes de saberes dos quatro cantos do mundo,
repetidos nos gestos, nas palavras, nos ritmos e nos movimentos, como um
caleidoscópio de arquétipos. Quando uma criança, homem ou mulher, faz sua
iniciação no ambiente da cultura popular, garante a continuidade dos
repertórios, aos quais, com certeza, um dia se precisará recorrer, para buscar
a identidade. Pode até ser uma ironia, mas no Brasil a fonte identificadora do
brasileiro está entre os pobres, nas múltiplas manifestações da arte popular,
de cultura intuitiva, espontânea, lúdica, que exprime a vida, mas mostra também
a alma.
Fonte "Pesquise - Pesquisa de Sergipe / InfoNet".
institutotobiasbarreto@infonet.com.br.
Fotos e texto reproduzidos do site: infonet.com.br/luisantoniobarreto
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 7 de outubro de 2013.
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