Horácio Hora **
Fonte: GOIS, Baltazar. Biographia de Horacio Hora (1901)
Thiago Fragata*
Nos idos de 1959, ao conceber o projeto expográfico do Museu
Histórico de Sergipe, Jenner Augusto idealizou sala dedicada a obra de Horácio
Hora. Com o apoio do irmão, Junot Silveira, e do próprio Governador, Luis
Garcia, assim fez.[1]Em abril de 2007 a instituição cerrou as portas para uma
restauração e desde sua reabertura em novembro do ano passado que o público
ansiava pela reativação da Sala Horácio Hora, visto que a instituição detém
maior acervo do artista romântico.
Nascido na cidade de Laranjeiras, no dia 17 de setembro de
1853, filho de Maria Augusta Hora e Antônio Esteves de Souza, cedo Horacio Hora
revelou inclinação para o desenho e artes plásticas. Fez os primeiros estudos
na terra natal. Seu talento sensibilizou a Assembléia Legislativa da então
Província de Sergipe que concedeu subvenção para estudar e aperfeiçoar seu
trabalho na Escola de Belas Artes de Paris, França. Falecido no dia 28 de
fevereiro de 1890, em Paris foi enterrado, longe dos familiares, da sua pátria.
Na imprensa baiana, a notícia foi publicada somente em 1 de abril.[2]
O principal estudo biográfico sobre o artista foi publicado
por Baltazar Góis, onze anos depois de sua morte. Na “Biographia de Horácio
Hora: pintor sergipano”, de 1901, o autor discorre sobre a vida e a obra do
artista, com adendos de João Ribeiro, Gumercindo Bessa e Manuel dos Passos.[3]
Recentemente, chegou ao nosso conhecimento um artigo de Manuel Curvelo de
Mendonça (1870-1914) não-citado na referida biografia. Independente de qualquer
justificativa evocada para o esquecimento de Góis, reproduzimos o achado a fim
de endossar futuras pesquisas:
“Não posso resistir ao impulso de trazer para aqui, posto
que confusamente, as impressões amargas que me tocam o espírito, ao ter a
notícia da morte de Horácio Hora, o saudoso artista sergipano.
Não sei mesmo o que contribui mais para avivar este desejo:
se a simpatia que desde criança tenho pelo ilustre pintor, ou se a consternação
que nos deixa sempre no espírito o desaparecimento de uma dessas raras
personalidades, que vivendo obscuramente, entregue ao serviço de uma causa, de
uma ciência, ou de uma arte, deixam, morrendo, um vazio tanto maior, quanto
mais difícil é de ser preenchido, o que não acontece, ao menos entre nós, com
esses grandes da política, aos quais aliás rendem-se, em momentos idênticos,
suntuosas homenagens.
É provável que essas duas circunstâncias hajam pesado do
mesmo modo neste meu empreendimento, nelas, pois, encontra ele sua explicação e
justificativa.
De todas as manifestações intelectuais de um povo qualquer,
a arte é, fora de toda dúvida, uma das que mais próprias são para significar o
grau de adiantamento em que ele permanece. Dar à matéria a forma de suas idéias
e de suas crenças, traduzir do modo que lhes é permitido, o estado do seu
espírito, tal é, conforme o que me parece de mais verossímil, uma das primeiras
preocupações das sociedades, ao se constituírem.
Afora o pendor natural pelo belo, tanto mais palpável quanto
mais civilizado é o povo onde ele se faz sentir, tal é a causa imediata do
apreço em que são tidas as artes nas grandes nações e do acoroçoamento que lhes
deve um governo bem intencionado. Entre nós, todavia, a política nos tem
assoberbado. Eis porque “a nossa instrução artística”, na frase caustica de
José Veríssimo, o novel, mas já tão autorizado crítico paraense, “envolve-se
ainda nas sombras do mito”.
Ma não é isto o que me importa neste momento. Penso
firmemente que Horácio Hora merece um completo estudo crítico, que nos venha
revelar todas as variações e irradiações de que era capaz e seu belo talento
artístico. Não serei eu quem leve, quem pretenda levar avante semelhante
cometimento, para um tal estudo a falta dos documentos indispensáveis seria um
enorme obstáculo, se maior e em primeira linha uma outra não viesse se antolhar
– a minha incompetência.
O Brasil, ou pelo menos, Sergipe precisa saber quem foi seu
filho que a morte acaba de surpreender em Paris, quero dizer, no único lugar
onde ele pode dos recursos de sua arte, honradamente viver. Nesse estudo deve
ser salientado o “nacionalismo” de seus quadros e... não hesito em dizer, de
todos os seus quadros, visto como penso que esse notável caráter há
transparecido em seus trabalhos, com a dupla vantagem de torná-lo um artista
verdadeiramente brasileiro, digno de nós, e de conservá-lo em sua originalidade,
isto é, deixando entrever neles um “quê” indefinível, que é o reflexo do
supremo encontro de nossa natureza inesgotável, que não se afastou do artista
em sua peregrinação pelo velho mundo e que tão claramente se manifestou nos
últimos momentos de sua vida, nestas palavras de amor: “longe da pátria”.
Seja permitido aqui fazer uma pequena digressão. Com ternas
reminiscências da infância, ainda tenho bem vivas na memória as impressões de
uma tarde em que estive com o ilustre pintor em Laranjeiras, nas encostas de um
dos morros dessa cidade, quando ele se entregava aos seus trabalhos de arte.
Eu passava pela estrada que vai ter a Igreja do Bomfim, sita
no cume do outeiro do mesmo nome, quando avistei-o embebido no seu mister.
Semelhante descoberta era de natureza a atrair-me a curiosidade, tão acesa
quanto era natural na idade em que eu estava. Lá chegando, só por instinto,
reprimir a ansiedade de fazer-lhe mil perguntas, no que fui sempre muito
pródigo a ponto de tão poucas vezes tornar-me imprudente.
Naquele instante, porém, fui de uma extraordinária
paciência, que não passou despercebida ao nosso artista. Num intervalo em que
parecia descansar como quem termina a elaboração de uma estrofe, virou-se para
mim, que sentado numa anfractuosidade da encosta, entretinha-me quedo na
contemplação do que não compreendia, e perguntou-me o que achava no que via,
isto é, nos traços que esboçavam a tela.
- “Não sei como dessas linhas possa sair a cópia fiel desse
belo quadro que ali vemos, mas gosto de ver como se faz aquelas bonitas
pinturas que tem no seu gabinete”, disse-lhe eu com a intimidade e afoiteza das
crianças. Não tenho fiel recordação do mais, porém sei que fiquei muito
satisfeito com a palestra e votando-lhe já uma embrionária admiração, porque
via nele um homem diferente dos outros, visto fazer coisas que os outros não
faziam. Hoje, traduzindo esse “ser diferente dos outros” por – gênio – folgo ao
considerar que naquele tempo eu já o tinha como tal.
Peza-me bastante estar na impossibilidade de acrescentar
aqui uma resenha mais ou menos perfeita de seus trabalhos. Alguma coisa que
sobre mérito afirmei, quer me parecer seja de fácil verificação. O
“nacionalismo” tem no quadro “Pery e Cecy” atualmente na Bahia, a mais
eloqüente confirmação do que eu disse a esse respeito. Creio que a
representação da deliciosa passagem do Paquequer em nada desmerece da bela
criação de José de Alencar.
Pela natureza dessas linhas, cujo alvo não ultrapassa o mero
desejo de associar minhas mágoas as de meus conterrâneos pelo triste fim de
nosso ilustre irmão, por sua natureza, digo eu, tendo-se ela em vista, se me
desculpará que eu só tenha tido para ele elogios. Defeitos, se os tem, e
censuras, se as merece, só a crítica compete apontá-lo e fazê-las, mas... com
sobriedade e cordura para não afugentar os poucos talentos que em tal arte
ousam se desenvolver entre nós, a ponto de se tornarem “avis rara”.
Uma homenagem ao honrado artista sergipano, cujo laureado
pincel a morte acaba de paralisar tão atrozmente, - eis o destino destas
despretensiosas palavras. E... Como precedi-as de um belo pensamento de
Bernardin de Saint Pierre [um túmulo é um monumento colocado no limite de dois
mundos], fecho-as com uma não menos expressiva sentença de Álvares de Azevedo,
um dos maiores escritores brasileiros antigos e modernos: “é ainda uma aurora
sem dia que perdeu-se numa tempestade de inverno”.[4]
Eis o artigo redigido por Manuel Curvelo de Mendonça, em
Recife, em abril de 1890, e publicado em Sergipe, em junho daquele ano. Sincero
e emocionado com a morte do artista a quem admirava. Para não esquecer Horácio
Hora, ainda que a vida tenha sido breve, sua arte, aliás, o artista vive em
suas obras. Convido o leitor, apreciá-las. O Museu Histórico de Sergipe
funciona de terça a domingo, das 10 às 16 horas.
* Thiago Fragata é historiador e poeta, especialista em
História Cultural (UFS), sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe (IHGSE) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail:
thiagofragata@gmail.com Artigo publicado no Jornal da Cidade. Aracaju, ano
XXXIX, n. 22/6/2010, p. B6
NOTAS DE PESQUISA
[1] FRAGATA, Thiago. Cinqüentenário do Museu Histórico de
Sergipe: Jenner Augusto (III).Jornal da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, n. 11322,
14/04/2010, p. B-6.
[2] GOIS, Baltazar. Biographia de Horacio Hora: um pintor
sergipano. Aracaju: Impr. Estado de Sergipe, 1901.
[3]NUNES, Verônica; CARVALHO, Ana Conceição Sobral. Horácio
Hora. Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1982, p. 25.
[4] MENDONÇA, Manuel Curvelo de. Horácio Hora. O
Republicano. Aracaju, ano II, n. 151, 1/6/1890, p. 3.
**Foto e texto reproduzidos do blog museuhsergipe.blogspot
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de outubro de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário