Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes.
Barretão.
Por Petrônio Gomes.
Uma vez, quando lecionava em um curso noturno, ele ouviu uma
resposta malcriada de um aluno, palavras cheias de deboche, e a classe caiu na
gargalhada. Esses alunos ruins procuram sempre as carteiras no fundo do salão,
em todos os tempos. Mas Barretão não teve dúvidas: abandonou a cátedra e partiu
para o ofensor, caminhando sobre os encostos das cadeiras vazias.
O efeito foi instantâneo. A classe engoliu em seco, enquanto
o professor, de dedo em riste sobre o nariz do aluno, bradou: “Me respeite, seu
moleque!”
Tudo ficou mais dramático, porque o professor José Barreto
Fontes tinha quase um metro e noventa de estatura. E era magro, uma
particularidade que torna os homens altos mais altos ainda. Daí sua alcunha de
“Barretão”.
Ninguém ousou rir depois disto. Um silêncio pesado tomou
conta da classe e os alunos começaram a virar as páginas dos cadernos, um
procedimento normal quando a tensão aumenta.
Sem condições para continuar a aula, emocionalmente
alterado, o Professor Barreto voltou para a cátedra, arrumou os livros e
despediu os alunos.
No dia seguinte, o infrator compareceu ao colégio querendo
falar particularmente com Barretão. Pediu-lhe desculpas e recebeu,
imediatamente, um abraço de pai que jamais esqueceu. Ficaram amigos, até de
brincadeiras e de irreverências.
Eu tinha apenas onze anos quando fui seu aluno pela primeira
vez. Barretão, com seus vinte e quatro anos, era um velho aos meus olhos, com
seu paletó de linho amassado, sua gravata amarrada à toa, seus cabelos revoltos
de maestro. Naqueles doces anos da província, Barreto era o encarregado do
“Curso Médio”, isto é, a ponte de ligação entre o Curso Primário e a admissão
ao Ginásio, verdadeiro terror da estudantada. Funcionava como esses
pré-vestibulares de agora, como um filtro no currículo escolar.
A classe ficava no nosso “Tobias Barreto”, bem próxima ao
muro da casa vizinha, na rua de Pacatuba. Tinha horários diferentes, recreio
fora do tempo destinado às outras classes e ouviam-se os gritos mais rigorosos
dos professores.
Barretão era auxiliado por dona Briolanja, a professora que
o substituía também em qualquer eventualidade. Ambos formavam uma dupla que
ficou em nosso espírito de estudantes para sempre. Dona Briolanja, sendo
mulher, era naturalmente mais branda, o que não significa que não fosse severa.
Pois bem. Consegui vencer o Curso de Admissão e lá mesmo
galguei os degraus do Ginásio, a primeira vitória dos estudantes de então.
Havia festança naquele tempo, com fotografias em que os “formandos” apareciam
vestidos a rigor, todos exibindo a mesma roupa emprestada pela “Casa Amador”
...
Houve uma longa pausa até nosso reencontro. Barreto Fontes
era agora proprietário de um laboratório de análises clínicas, depois de um
curso feito em outro Estado. Ingressara também como docente na Universidade
Federal, além de contribuir com seus estudos para o mundo científico de sua
terra...
Não dá para contar aqui nem a metade do que se poderia falar
de Barreto Fontes, do seu senso inigualável de humor. Foi um filósofo além de
professor, mas, sobretudo, um homem exótico, franco e cativador, que sabia
dominar uma roda de conversa do começo ao fim. Tinha um modo de ser orgulhoso,
mas que não nos dava a impressão de soberba, de antipatia. Dizia coisas que bem
podem retratá-lo, como por exemplo:
“Sou de Laranjeiras, a Atenas sergipana. Lá nasceram João
Ribeiro, eu e os outros.”
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 28 de julho de 2015.
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