quarta-feira, 27 de março de 2013

Memórias Reveladas em Sergipe


Publicação do Jornal Informação, em 04 de Dezembro de 2012.

Memórias Reveladas em Sergipe

“Quando eu digo que não tive como escapar não é uma reclamação e até uma gratidão pelo fato de ter tido acesso de modo direto a documentação sobre o regime militar em Sergipe.”
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Essa entrevista foi um trabalho de conclusão da matéria Técnicas de Reportagem II pela autora na Universidade Federal de Sergipe.

Luciana Mans do "jornalinformação.com" entrevista o historiador Milton Barbosa:
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O historiador e cientista social Milton Barbosa tinha um desejo quando jovem: poder ajudar a sociedade a ver a Ditadura Militar da forma como ela era sem agredir nada, nem ninguém. Em 1996 recebeu a notícia de que havia muitos documentos provenientes do Regime Militar no estado e que eles estavam disponíveis para pesquisa e passou a estudar arduamente a respeito disso. A partir de 1997 o projeto se efetivou no estado. Nomeado como Memórias Reveladas, o projeto após quatorze anos de pesquisa, em 2011, Sergipe se tornou o primeiro estado no território nacional a finalizar uma das etapas do mesmo.

O projeto entrou em vigor a partir de 2009, quando a presidenta Dilma Rousseff ainda era Ministra da Casa Civil. Esse é um dos projetos que fazem partes de um programa muito maior: As comissões da verdade no Brasil, que objetiva mostrar a sociedade brasileira o que há por dentro de sua identidade não só nos momentos de alegria, como também nas partes mais obscuras da história nacional.

J. I. O senhor vem pesquisado a respeito dos documentos do Regime Militar desde 1997. De onde surgiu essa ideia? Vontade? Houve motivação? Era um objetivo passado?
M.B. Desejo do ofício. Sou historiador de formação e como a ditadura militar tendo de certa forma marcando minha geração, uma geração que se constituiu dentro das consequências da ditadura, então eu não tive como escapar de estudar a documentação. Quando eu digo que não tive como escapar não é uma reclamação e até uma gratidão pelo fato de ter tido acesso de modo direto a documentação sobre o regime militar em Sergipe. Quando em 96 nós tomamos conhecimentos da documentação em Sergipe, logo iniciamos todos os procedimentos para o recolhimento dela. Isso vai se efetivar a partir de 97. Desde então, nós temos recolhido essa documentação, estudado, tratado e dado à importância da documentação. Terminamos por inserira documentação no cenário nacional. Temos o apoio da Secretária do Estado da Cultura e do Governo federal, principalmente.

J.I O projeto Memórias Reveladas veio a público em 2009, porém mesmo em 2012, muitos brasileiros desconhecem a abertura dos documentos provenientes do Regime Militar. O senhor percebe interesse dos sergipanos?
M.B. Então, como nacional, sim. Quando a presidente Dilma Rousseff era somente ministra da casa civil. Em seu ministério, ela enquanto ministra, e enquanto uma das vítimas da ditadura militar, em 2007 ela dá início a uma comissão para dar início a reconstituição de toda documentação. Ele não é totalmente conhecido. Apesar da mídia já ter dado muita menção ao projeto. Não tenho do que me queixar. Nosso trabalho sempre tem tido espaço. Talvez pudesse ser mostrado um pouquinho mais, porém entre a morte e o assassinato, o maior apelo é esse e não dá para medir.

J.I. Existem etapas? Quais são?
M.B. O projeto memórias reveladas têm várias etapas e a primeira dela é o colhimento das informações e de todos os dados. A segunda seria a criação de um templo de estudos e isso já está sendo fomentado e a terceira etapa seria publicar, divulgar, fazer seminários, congressos, entre outros. E também a permanência desses arquivos entre diversos meios como web, arquivos, etc. Sergipe é um estado pequeno, porém cheio de vontade. Por isso Sergipe foi o primeiro estado a finalizar a primeira etapa.

J.I. Qual a relevância desse projeto para os sergipanos?
M.B. Não é para nós sergipanos. A relevância é para nós brasileiros. E vou mais longe. O projeto é importante para a humanidade. A humanidade é vítima do regime. Não só ao regime, mas ao atentado contra democracia. Depois de terminados os regimes em Portugal, Espanha, Iugoslávia, nos restaram o trabalho de limpar o lixo deixado por esses agentes públicos da época que fazia esses regimes possíveis, afinal quem provocou todo esse lixo histórico foram eles.

J.I. Como foi sua trajetória como pesquisador de 1997 a 2012? Houve dificuldades?
M.B Eu acho que por ter sido uma pesquisa histórica, política e social não é algo fácil de analisar e uma parte dessa pesquisa você faz com recursos próprios. Outra parte pode ser a menor parte, você faz com recursos públicos. É explicável se você observar quem provocou todo esse lixo histórico que resulta na documentação do momento da Ditadura foi esses agentes. Em outro momento, nós, agentes públicos, teremos que mostrar isso. Então, em certo momento você vai ter que enfrentar certas dificuldades. Porque a história é recente e uma parte das vítimas está vivas e outras ocupando cargos chefes. Então falar certas coisas incomodam.

J.I. Quais eram suas metas quando decidiu pesquisar a respeito disso? O senhor recebeu incentivo quando começou? Quais seus ideias de início?
M.B Tivemos o apoio do projeto memórias reveladas em âmbito nacional e a partir desse apoio que a gente recebeu equipamentos, recursos humanos, estagiários. Quanto às ideias, queríamos levantar todas as informações possíveis a respeito disso.

J.I. E hoje? Como o senhor vê tudo isso agora em 2012?
M.B. Estamos ainda em pleno trabalho de levantamento de dados.

J.I. Hoje o senhor é visto com um homem sábio a respeito desse assunto de acordo com todas as histórias que pesquisou e ouviu. No início como foi receber tais documentações e saber as histórias que ouviu?
M.B. Uma parte de mim fica orgulhosa. Outra parte fica triste por ter dito contato com tanto sangue, tantas lágrimas, tantos desaparecidos por um motivo tão fútil.

J.I. Existe alguma história que o marcou?
M.B. Todas as histórias contidas nos setecentos e noventa e três dossiês são marcantes. Tem personagens que têm maior apelo. Histórias como a do afastamento do governador Seixas Dória que saiu de seu cargo e se tornou um réu, sendo julgado e condenado por algo que não fez de forma injusta mudando para a Ilha das Cobras Mas é um personagem famoso que sempre será lembrado. Mas o ferroviário, um homem que com certeza nunca será lembrado como Seixas Dória. Um homem que foi também preso injustamente foi arrancado de sua família de madrugada. E seu trabalho, família, esposa, O filho que se tornou órfão, a casa perdeu sua única fonte de renda, isso por ele ser apenas um dos membros do sindicato dos ferroviários. Isso era motivo suficiente para o Regime. Todo mundo apanhou, uma parte sofreu, teve órgãos mutilados. Logo depois as pessoas são devolvidas ao leito da família completamente desestruturadas psicologicamente. São muitas histórias para narrar.

J.I. O senhor, por ser estudioso no assunto, deve ter dito uma visão a respeito do assunto no começo. Como era o seu olhar antes e como ele é agora?
M.B. Quando comecei esse trabalho, eu achei que a humanidade tinha sérios problemas de ordem moral. E hoje com esse trabalho, eu não desconfio. Eu tenho certeza. Tenho documentos que comprovam isso.

J.I. Mesmo sabendo de tudo isso, com consegue lidar com isso?
M.B. Sou completamente apaixonado pelo homem. Antropologicamente apaixonado pela espécie humana. É por causa disso que ainda acredito, eu ainda trabalho.
Então mesmo sabendo que a humanidade está doente moralmente, pesquiso, estudo, trabalho, para que um dia possa vê-la saudável.

Texto reproduzido do site: jornalinformacao.com
Foto reproduzida do site: palacioolimpiocampos.se.gov.br/

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, 26 de março de 2013.

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