Exposição resgata o papel de Aracaju na II Guerra Mundial
Quem costuma frequentar as praias da Atalaia e do Mosqueiro,
em Aracaju, e a Caueira, no município de Estância, dificilmente imagina que
esses locais já serviram de velatório, durante a II Guerra Mundial. No final da
década de 1930, a capital sergipana foi duramente castigada pelos ataques dos
submarinos alemães. De acordo com a imprensa aracajuana da época, os
torpedeamentos ocorreram em frente às praias sergipanas. Gritos e pedidos de
socorro no meio do mar eram logo silenciados, dando lugar a dezenas de corpos
perdidos.
Esses e outros relatos incríveis sobre os ataques sofridos
pelas embarcações aracajuanas durante a II Grande Guerra são o foco da
exposição ‘Aracaju, uma cidade sitiada', no Museu do Homem Sergipano, que teve
início no último dia 12 de março e segue até o dia 11 de abril. Os diversos
materiais exibidos na sede do museu são o resultado de uma pesquisa realizada
pelo professor Antônio Pinto Cruz, iniciada quando era ainda estudante do curso
de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Nela, o professor
demonstra a participação da população aracajuana nos sofrimentos de uma guerra
que se tornou muito próxima, marcando diretamente a vida de pessoas acostumadas
a um cotidiano pacato e até melancólico.
Com textos e documentos da época, a pesquisa mostra que,
embora náufragos e destroços dos torpedeamentos tivessem atingido outros locais
do litoral sergipano, a cidade de Aracaju terminou sendo o lugar das
manifestações e o ponto de chegada dos sobreviventes, com suas dores e
histórias assustadoras. As mudanças que atingiram a capital sergipana e seus
habitantes naquele período ficaram na memória e na história da cidade. A antiga
Rua da Frente - atuais avenidas Rio Branco e Ivo do Prado -, concentravam todo
o movimento das canoas, navios e até mesmo hidroaviões, que atraíam
comerciantes, pescadores e a própria população que ia passear e esperar a
chegada dos viajantes. Mas, em agosto daqueles anos de 1942 e 1943, as
embarcações tão esperadas não chegavam na hora prevista, com os parentes e
amigos tão aguardados. Tudo era substituído por cadáveres mutilados, objetos
que vinham boiando dos oceanos - chamados pela população de ‘malafogados' ou de
‘salvados' - e náufragos que chegavam debilitados e seminus.
Cidade sitiada
A pesquisa exposta pelo professor Antônio mostra que Aracaju
foi duramente castigada pela guerra submarina. Além das novas e chocantes cenas
de horror, a população aracajuana passou a sofrer a privação de várias
mercadorias, provocada pela suspensão da navegação a vapor. Para quem se
acostumou com os tempos áureos da navegação a vapor na Rua da Frente, era muito
estranha a sensação de ver o rio Sergipe sem os navios. Boatos e notícias
inquietantes sobre naufrágios espalhavam-se rapidamente. Familiares chegavam de
trem ou de avião e esperavam nas praias encontrar algum desaparecido, enquanto
os corpos que o mar trazia transformavam a capital num grande velatório. Sem
tempo para sepultar tantos mortos, os corpos eram enterrados em valetas abertas
e, às vezes, em cemitérios improvisados. Cerimônias fúnebres se realizavam nas
igrejas.
As regras do convívio social mudaram. A população
familiarizou-se com a ameaça submarina: acampamentos militares, guaritas
improvisadas, soldados por toda a parte integravam a paisagem urbana. A pedido
do capitão dos Portos, Gentil Homem de Menezes, o Aero Clube de Sergipe prestou
serviços na busca e localização de sobreviventes, através de pilotos como
Walter Baptista e o médico Lourival Bonfim. O interventor da capital na época,
Augusto Maynard Gomes, comandou pessoalmente algumas operações de segurança. Os
torpedeamentos criaram um clima geral de desconfiança no seio da população.
Acreditava-se que, além do inimigo externo, era necessário combater o inimigo
interno - os integralistas, os comunistas, todos os simpatizantes da causa
alemã, tidos como ‘quinta-colunas', que colaboravam com interesses
anti-patrióticos. O Governo Federal estimulava a vigilância mútua, a denúncia,
a perseguição aos "inimigos da pátria", e favorecia a espionagem e a
censura implantada pelo Estado Novo.
Brasileiros e estrangeiros foram alvos da fúria e do ardor
de estudantes que depredavam residências, invadiam estabelecimentos comerciais,
acusavam suspeitos de espionagem e pichavam com um ‘V', voluntários a serviço
do regime nazista. Esses jovens mobilizavam a população pela entrada do Brasil
na guerra contra os países do Eixo. Foi aberto um inquérito policial para
apurar a possível colaboração daqueles cidadãos com os submarinos alemães e
muitas pessoas foram presas, antes que fossem declaradas inocentes por falta de
provas. O comerciante italiano Nicola Mandarino foi a principal vítima do ódio
popular. Acusado de praticar espionagem e de ter facilitado os torpedeamentos
com informações, ele teve a residência e as suas lojas invadidas e depredadas
pela fúria da multidão sem controle. As autoridades tiveram dificuldade em
manter a ordem e coibir os excessos.
‘Malafogados'
‘Malafogado' era tudo aquilo que não tinha afogado
completamente, que voltava à tona. Assim a população chamava aqueles objetos
que resistiam, mas traziam a marca do mal, da grande tragédia. Depois dos
torpedeamentos, o mar devolveu à terra corpos e pertences dos náufragos,
destroços e parte da carga dos navios: tecidos, calçados, perfumes, papéis para
diversas aplicações, louças, velas, charque, bebidas, chocolates, cigarros, uma
infinidade de objetos. Embora a Capitania dos Portos proibisse que alguém se
apoderasse desse material, muitos foram os sergipanos que conseguiram burlar a
vigilância. Alguns produtos chegaram a ser comercializados no Mercado de
Aracaju e eram reconhecidos com ironia. Quem usava um ‘malafogado' arriscava-se
a ouvir o bordão: "Uré-uréu-uréu! Tchibum, tchibum, tchibum!" Ou
então, o grito: "Só-assim-tu-tinha!", que fazia piada dos pobres
usando tecidos caros, adquiridos no comércio clandestino ou simplesmente
apanhados na praia.
Pertences dos náufragos também circulavam entre a população.
Há notícias de corpos que tiveram os dedos mutilados por quem quis retirar
deles os anéis e de pessoas que teriam conseguido ganhar algum patrimônio
depois dos torpedeamentos. A Capitania dos Portos proibia a apropriação de
qualquer objeto vindo das embarcações, assumia o controle de todo o movimento
dos portos e vetava terminantemente o corte de lenha nos mangues, a queima de
roças no litoral, a instalação de sinais luminosos e até o acendimento de luzes
sem o seu consentimento. Entre os materiais expostos no Museu do Homem
Sergipano, é possível identificar documentos de processos da época com pessoas
que chegaram a ser presas pela apropriação dos ‘malafogados'.
*NAS FOTOS:
*Malafogados' eram alvo de disputa nos mercados.
*Insignias dos combatentes
*Postais de ex-combatentes enviados a amigos e familiares.
- Fotos: Pedro Leite.
- Texto e fotos reproduzidos do site: aracaju.se.gov.br
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 19 de março de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário