quarta-feira, 20 de março de 2013

Exposição Resgata o Papel de Aracaju na II Guerra Mundial





Exposição resgata o papel de Aracaju na II Guerra Mundial

Quem costuma frequentar as praias da Atalaia e do Mosqueiro, em Aracaju, e a Caueira, no município de Estância, dificilmente imagina que esses locais já serviram de velatório, durante a II Guerra Mundial. No final da década de 1930, a capital sergipana foi duramente castigada pelos ataques dos submarinos alemães. De acordo com a imprensa aracajuana da época, os torpedeamentos ocorreram em frente às praias sergipanas. Gritos e pedidos de socorro no meio do mar eram logo silenciados, dando lugar a dezenas de corpos perdidos.

Esses e outros relatos incríveis sobre os ataques sofridos pelas embarcações aracajuanas durante a II Grande Guerra são o foco da exposição ‘Aracaju, uma cidade sitiada', no Museu do Homem Sergipano, que teve início no último dia 12 de março e segue até o dia 11 de abril. Os diversos materiais exibidos na sede do museu são o resultado de uma pesquisa realizada pelo professor Antônio Pinto Cruz, iniciada quando era ainda estudante do curso de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Nela, o professor demonstra a participação da população aracajuana nos sofrimentos de uma guerra que se tornou muito próxima, marcando diretamente a vida de pessoas acostumadas a um cotidiano pacato e até melancólico.

Com textos e documentos da época, a pesquisa mostra que, embora náufragos e destroços dos torpedeamentos tivessem atingido outros locais do litoral sergipano, a cidade de Aracaju terminou sendo o lugar das manifestações e o ponto de chegada dos sobreviventes, com suas dores e histórias assustadoras. As mudanças que atingiram a capital sergipana e seus habitantes naquele período ficaram na memória e na história da cidade. A antiga Rua da Frente - atuais avenidas Rio Branco e Ivo do Prado -, concentravam todo o movimento das canoas, navios e até mesmo hidroaviões, que atraíam comerciantes, pescadores e a própria população que ia passear e esperar a chegada dos viajantes. Mas, em agosto daqueles anos de 1942 e 1943, as embarcações tão esperadas não chegavam na hora prevista, com os parentes e amigos tão aguardados. Tudo era substituído por cadáveres mutilados, objetos que vinham boiando dos oceanos - chamados pela população de ‘malafogados' ou de ‘salvados' - e náufragos que chegavam debilitados e seminus.

Cidade sitiada

A pesquisa exposta pelo professor Antônio mostra que Aracaju foi duramente castigada pela guerra submarina. Além das novas e chocantes cenas de horror, a população aracajuana passou a sofrer a privação de várias mercadorias, provocada pela suspensão da navegação a vapor. Para quem se acostumou com os tempos áureos da navegação a vapor na Rua da Frente, era muito estranha a sensação de ver o rio Sergipe sem os navios. Boatos e notícias inquietantes sobre naufrágios espalhavam-se rapidamente. Familiares chegavam de trem ou de avião e esperavam nas praias encontrar algum desaparecido, enquanto os corpos que o mar trazia transformavam a capital num grande velatório. Sem tempo para sepultar tantos mortos, os corpos eram enterrados em valetas abertas e, às vezes, em cemitérios improvisados. Cerimônias fúnebres se realizavam nas igrejas.

As regras do convívio social mudaram. A população familiarizou-se com a ameaça submarina: acampamentos militares, guaritas improvisadas, soldados por toda a parte integravam a paisagem urbana. A pedido do capitão dos Portos, Gentil Homem de Menezes, o Aero Clube de Sergipe prestou serviços na busca e localização de sobreviventes, através de pilotos como Walter Baptista e o médico Lourival Bonfim. O interventor da capital na época, Augusto Maynard Gomes, comandou pessoalmente algumas operações de segurança. Os torpedeamentos criaram um clima geral de desconfiança no seio da população. Acreditava-se que, além do inimigo externo, era necessário combater o inimigo interno - os integralistas, os comunistas, todos os simpatizantes da causa alemã, tidos como ‘quinta-colunas', que colaboravam com interesses anti-patrióticos. O Governo Federal estimulava a vigilância mútua, a denúncia, a perseguição aos "inimigos da pátria", e favorecia a espionagem e a censura implantada pelo Estado Novo.

Brasileiros e estrangeiros foram alvos da fúria e do ardor de estudantes que depredavam residências, invadiam estabelecimentos comerciais, acusavam suspeitos de espionagem e pichavam com um ‘V', voluntários a serviço do regime nazista. Esses jovens mobilizavam a população pela entrada do Brasil na guerra contra os países do Eixo. Foi aberto um inquérito policial para apurar a possível colaboração daqueles cidadãos com os submarinos alemães e muitas pessoas foram presas, antes que fossem declaradas inocentes por falta de provas. O comerciante italiano Nicola Mandarino foi a principal vítima do ódio popular. Acusado de praticar espionagem e de ter facilitado os torpedeamentos com informações, ele teve a residência e as suas lojas invadidas e depredadas pela fúria da multidão sem controle. As autoridades tiveram dificuldade em manter a ordem e coibir os excessos.

‘Malafogados'

‘Malafogado' era tudo aquilo que não tinha afogado completamente, que voltava à tona. Assim a população chamava aqueles objetos que resistiam, mas traziam a marca do mal, da grande tragédia. Depois dos torpedeamentos, o mar devolveu à terra corpos e pertences dos náufragos, destroços e parte da carga dos navios: tecidos, calçados, perfumes, papéis para diversas aplicações, louças, velas, charque, bebidas, chocolates, cigarros, uma infinidade de objetos. Embora a Capitania dos Portos proibisse que alguém se apoderasse desse material, muitos foram os sergipanos que conseguiram burlar a vigilância. Alguns produtos chegaram a ser comercializados no Mercado de Aracaju e eram reconhecidos com ironia. Quem usava um ‘malafogado' arriscava-se a ouvir o bordão: "Uré-uréu-uréu! Tchibum, tchibum, tchibum!" Ou então, o grito: "Só-assim-tu-tinha!", que fazia piada dos pobres usando tecidos caros, adquiridos no comércio clandestino ou simplesmente apanhados na praia.

Pertences dos náufragos também circulavam entre a população. Há notícias de corpos que tiveram os dedos mutilados por quem quis retirar deles os anéis e de pessoas que teriam conseguido ganhar algum patrimônio depois dos torpedeamentos. A Capitania dos Portos proibia a apropriação de qualquer objeto vindo das embarcações, assumia o controle de todo o movimento dos portos e vetava terminantemente o corte de lenha nos mangues, a queima de roças no litoral, a instalação de sinais luminosos e até o acendimento de luzes sem o seu consentimento. Entre os materiais expostos no Museu do Homem Sergipano, é possível identificar documentos de processos da época com pessoas que chegaram a ser presas pela apropriação dos ‘malafogados'.

*NAS FOTOS:
*Malafogados' eram alvo de disputa nos mercados.
*Insignias dos combatentes
*Postais de ex-combatentes enviados a amigos e familiares.

- Fotos: Pedro Leite.

- Texto e fotos reproduzidos do site: aracaju.se.gov.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 19 de março de 2013.

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