quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Poeta do Amor Beduíno


O poeta João Freire Ribeiro era um senhor de rosto bonito e pele amorenada, andando
pelas ruas de Aracaju com seu invariável terno branco e suas botas lustrosas, a replicar
nas calçadas o peso daquele homenzarrão carregado de poesia. Como um anúncio
radiante de sol, sua presença nos iluminava e a voz, modulada nos traquejos da declamação, reverberava a qualquer “bom dia” que o poeta concedesse. Era um homem de bem com a vida e cativante no amor:

“Vens a mim, vou a ti, nos abraçamos
Num supremo silêncio indefinido!...
Com o corpo meu ao corpo teu unido,
Fauno e ninfa do amor no amor gozamos.

Além da terra, além de nós pairamos
Depois do holocausto consumido!...
Teu lindo olhar no meu olhar perdido,
Nossos dois corpos que num só juntamos!...

Num sonho excelso tens carinho e anseios...
Beijo teus lábios, teus divinos seios
No desejo pagão que nos renova

Empalideces no gozar supremo,
Tendo na face no deliro extremo,
A palidez astral da lua nova!...”

Sua casa, na Rua Santa Luzia, era abarrotada de objetos orientais, uma miscelânea de Nefertitis e Cleópatras, negras bailarinas africanas, papiros com bilhetes de Ramsés, éditos de Napoleão e fotografias esmaecidas de algum poderoso sultão que lhe concedera, por uma noite, gozar das delícias do seu harém. Era um homem com o sonho de ter vivido outras vidas em terras distantes, senhor de desertos e mistérios, apaixonado pelas ciganas de rosto velado que jurava ter amado nas suas caravanas beduínas:

“Visões de meu viver nessas minhas passadas
No Saara sem fim!... Em linhas soberanas
Teu místico perfil, lírio das caravanas
De Tunis e de Fez, nas longas caminhadas!...

Doces recordações de mil coisas amadas:
Fumos de narguilés, nostalgias ciganas!...
Canções de sonho e dor só para mim cantadas
Nos mistérios sem par das noites muçulmanas!...

O gritar para o céu do muezim em prece...
Rosa rubra a sangrar, teu coração padece,
Recordado o amor que o mundo vil desfez!

Velam o sol a morrer nuvens de áureos flocos:
Com saudade de ti, langue flor de Marrocos,
Minh’alma vai chorar na paz de Mequinez”

Sua esposa, D. Inah, simãodiense como eu, era uma bela senhora de negros cabelos cacheados, traços orientais, uma finura de gente a ministrar-lhe complacentes cuidados e certa cumplicidade. Eu costumava visitá-lo para submeter ao seu entusiasmo os meus incipientes versos juvenis. Certo dia, ao receber a visita do seu grande amigo Clodoaldo Alencar, virando-se para Inah que lhes servia um cafezinho, disse: “essa bela mulher, eu a encontrei guiando camelos no Saara e o som dos guizos que lhe ornavam a fronte me conduziu pelo resto da vida”. o que mereceu uma reprimenda de Clodoaldo, que não admitia esse desrespeito à amiga.
Era um poeta reinventando o passado para falar de amor à sua amada:

“A BEDUINA I

Estes versos são teus! ... Doces cantares
Em que te vejo como a lua cheia
Sobre a minh’alma, - solitária ameia
Na paisagem de céus crepusculares!...

Estes versos são teus! ... Neles ondeia
A volúpia que trazes nos olhares,
E nesse corpo, vibrações dos mares,
Tão movediço como a própria areia! ...

Estes versos são teus ... Pobre oferenda
Em teu louvor na palpitante lenda
Dos dias teus sobre o deserto! ...Enfim.

Farrapos d’alma, muçulmana lírio,
Quando, na noite, escuto em meu martírio,
Teu pandeiro a tocar dentro de mim!...”

Amaral Cavalcante

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 10 de Dezembro/2012.

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