Foto: Márcio Garcez. Reproduzida do site aracaju.se.gov.br
O Bar do Pinto
Ficava na Rua da Frente ancorado no rio Sergipe a cem metros
da Ponte do Imperador, de testa com a Gazeta de Sergipe. Funcionava desde o
meio-dia servindo almoço barato a balconistas apressados, comensais de meia
tigela e mequetrefes em geral. Mas era no Pinto, no turno da noite, onde se
encontravam as putas festejadas, os boêmios afim de uma geladinha para engatar
conversa e nós, os poetas da província, doidos por ouvidos bêbados que dessem
guarida a nossa última obra–prima.
Senhores graves com seus ternos bem talhados, madames de
longo e gargantilhas apareciam por lá, vindos das elegâncias do Iate Club para
esticar no Pinto um frango à passarinha ou outras permissividades plebéias.
Foi lá que me expus, maravilhado, à inteligência de Ezequiel
Monteiro, à sapiência de Ivan Valença, às doutrinações de Luiz Antonio Barreto.
Também foi lá onde me enterneceu o desamparo de bons artistas locais agonizando
desamparados, como o pequenino Antonio Argollo, pintor de alguma arte e gigante
boemia.
No Pinto conheci Candelária, a meretriz dos sonhos,
inatingível para um qualquer. Ouvia-se de longe o arrastar de cadeiras, a
elegância dela ajeitando o sutiã enquanto homens de charuto e grossos anéis,
inusitadamente corteses, encomendavam ao garçom uma moqueca caprichada - o
bastante para agradá-la.
No Pinto se comia, principalmente, moqueca de Arraia. Mijada
sempre. Ocorre que Pinto não dispunha de grandes frízeres e o seu estoque de
Arraias ficava amarrado no parapeito, num bequinho depois da cozinha, lá em
baixo, conservadas pela salmoura do próprio rio. E era ali onde todo mundo
mijava. No sanitário, não dava: além dos engradados de cerveja, os baldes, as
piaçavas mal arrumadas, não dava! E fedia pra peste! Mas eram um de-comer
gostoso, as arraias mijadas. Um prato farto para dois, com muito caldo e
generosa farinha.
O Pinto entrou por uma perna de pato quando a municipalidade
o demoliu para aprimoramento estético da Rua da Frente e salvação moral do
logradouro. Decadente, estabeleceu-se em casa vizinha à Gazeta de Sergipe,
sendo depois incorporado ao valoroso jornal através de um buraco na parede,
providenciado pelos intelectuais da redação “por questões humanitárias e
sociais”, juravam.
Dormiam nas pilhas quentinhas de papel jornal, os moleques
da distribuição e uma ou outra nêga privilegiada pelo pessoal da oficina...
se não me me falha a memória
Amaral Cavalcante
Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 13 de Dezembro/2012.
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