Foto: reproduzida do site: educar-se.com
Publicado no Blog Primeira Mão, em 24/04/2011.
Lú Spinelli e a Dança Cênica em Sergipe.
Quarenta Anos de Movimento e Poesia.
Prof. MSc. Mário Resende.
Professor do Núcleo de Dança/UFS.
A prática de homenagear é tão antiga quanto à existência da
cultura humana. Ela pressupõe o reconhecer no outro a construção pioneira, a
abertura de caminhos, a facilitação de constituição de estradas e pontes sem as
quais estaríamos caminhando com mais vagar. Reconhecer no outro a construção de
algo digno é ato de grandeza cultural que humaniza o homem.
Ao tratarmos de reconhecimento é que relembramos que há
quatro décadas, tivemos em Aracaju o I Festival de Dança Moderna, Contemporânea
e Afro. Os tempos eram difíceis, a cidade pequena e conservadora. Estávamos no
auge do regime militar e a dança acadêmica não tinha espaço, nem patrocínio,
tampouco público. Nessa época, a SCAS – Sociedade de Cultura Artística de
Sergipe – entidade cultural que atuava em Aracaju já tinha entrado em retração.
A SCAS em anos anteriores tinha sido patronesse de espetáculos de música e de
teatro. No tocante aos grandes espetáculos de Dança que trouxe para a cidade,
na maioria das vezes, estes se restringiram à linguagem do balé clássico. Nesse
deserto de movimento, Lúcia Spinelli percebeu uma lacuna a ser preenchida e por
aqui fincou suas raízes, através do Studium Danças.
Somente a partir do trabalho da professora Lúcia Spinelli é
que as sementes das Danças Moderna e Contemporânea aportaram na capital
sergipana. Sem essas sementes muito provavelmente estaríamos contando outras
histórias no que se refere à Dança acadêmica em Sergipe. A criação do Studium
Danças e a realização dos Festivais Anuais são marco na história cultural de
Aracaju. Sua criadora, Lú Spinelli, vivenciou e foi testemunha de importantes
modificações nessa capital no campo dos costumes, dos mitos e dos preconceitos.
Na década de 70, ao se estabelecer em Aracaju, enfrentou resistências típicas
de toda ação pioneira, mas também recebeu os apoios das jovens mentes e
intelectuais iluminados da cidade, a exemplo de João de Barros, Joubert Morais,
Jorge Lins, Irineu Fontes, o então poeta Carlos Ayres de Brito, Ilma Fontes, o
musicista Antonio Alvino Argolo, Lânia Duarte, Aglaé Fontes, Madre Albertina
Brasil, Amaral Cavalcanti, Professor Alencarzinho, Professor João Costa, Luís
Eduardo Costa, Luís Eduardo Oliva, Ivan Valença, Professor Antônio Garcia e Dr.
João Cardoso Nascimento Junior, ex-reitores da Universidade Federal de Sergipe,
entre outras pessoas de real importância.
De fora de Sergipe, Lú conta que sempre teve o apóio e o
incentivo de Eduardo Cabús, dono do Teatro Gamboa e atual proprietário do
Teatro Bibi Ferreira, no Rio de Janeiro, do professor Clyde Morgan, convidado
da UFBA para atuar no curso de Dança, e atualmente docente da Universidade de
Backport, New York e Julio Vilan, assistente de Klauss Vianna e Angel Vianna,
do prof. Rolf Gelewsky de Reneè Gumiel, pioneiros da dança moderna e
contemporânea no Brasil. Dulce Aquino, Pró-Reitora de Extensão da UFBA, Lia
Robato, Diretora do Projeto Axé/Salvador, Laís Gois, ex-diretora da Escola de
Dança da UFBA e Jurema Penna, autora e atriz baiana, expoente do Cinema Novo na
Bahia, grupo que atuou o grande Glauber Rocha, também fizeram parte de rol de
apoiadores.
Em muitos aspectos do que avançamos, somos devedores a essa
mestra da Dança. No campo dos costumes e da dança Lú foi revolucionária, sendo
uma das responsáveis pela quebra de preconceitos e tabus arraigados na
sociedade aracajuana. Atuou como uma das responsáveis técnicas pelo Festival de
Arte de São Cristóvão durante 18 anos. Foi também produtora de grandes
espetáculos que se fizeram presentes nos palcos sergipanos. Com Lú Spinelli
tivemos pela primeira vez em Sergipe, a possibilidade de artistas homens e
negros freqüentarem aulas e serem reconhecidos na cena da dança no estado de
Sergipe e fora dele. Lú fundou o Studium Danças em 1971, tendo como primeiro
professor convidado o bailarino pernambucano Alcides Muniz, recém chegado da
Europa. Muniz havia dançado em diversas companhias como o Gulbenkian em
Portugal, o Balé de Nice, na França, entre outros. Antes de ir para a Europa,
Muniz tinha atuado no Brasil, em particular, trabalhou com Dalal Aschar, no Rio
de Janeiro e com Flávia Barros, em Pernambuco.
Também trabalharam no Studium o, hoje, professor Doutor
Eusébio Lobo, da UNICAMP (ministrou aulas no Studium nos anos 70); Marcelo
Moacyr, dançarino que atuou em diversas companhias internacionais, formado pelo
Laban Center Londres, Antonio Alcântara/UFBA que trabalha com Danças no Canadá e
Firmino Pitanga, com formação na UFBA, coreógrafo, dançarino, pesquisador de
danças africanas em diversos países da África e fundador do balé da UMES, na
USP.
Por sua vez, em Sergipe surgiram do Studium Danças o saudoso
Francisco Santos, popular Chiquinho, por muitos anos professor de Dança na
escola Municipal de Artes de Aracaju, os dançarinos Marcos Braz-Erê, Rita
Trindade, Gladston Santos, Rinaldo Machado, Jayme Guedes, Hamilton Marques,
Julieta Menezes, Sandra Freire, Clara Alice Oliveira, Ivani Andrade, dentre
outros.
A partir das ações de Lú que tivemos a primeira companhia de
dança cênica sergipana, o “Grupo Studium Danças”. Criado em 1973, era um grupo
amador formado por uma série de jovens aracajuanos que posteriormente
procuraram outros meios, todos alunos da escola, a saber: Silvana Flores
Cardoso, Beatriz Braz, Cristina Garcia, Clara Alice e Acácia Oliveira, Martinha
Bragança, Dayse Monte, Ana e Cibele Ramalho entre outras alunas. O grupo viajou
para diversos eventos no Brasil, participando de circuitos e de festivais
universitários. Em Sergipe, por diversas vezes, abriu os espetáculos que
aconteciam no Festival de Artes de São Cristovão.
O primeiro espetáculo do grupo amador chamou-se Afro Sacro e
foi apresentado pelo grupo Studium Danças na Igreja do Rosário, em São
Cristovão. Posteriormente, no primeiro Festival de Artes e Cultura de
Laranjeiras, o espetáculo foi reapresentado na integra, e lá novamente dançaram
sob o som da Missa Luba, cantado por “os trovadores do Rei Balduim” um coral
católico do Congo Belga. Lú montou diversos outros espetáculos, a exemplo da
“Feira dos Aracajus”, “Glória, Glória, Glorioso”, “Vivência”, “Xocós”, todos
pautados na cultura sergipana, dentro de uma visão contemporânea de dança.
Nos anos 80, o Grupo Studium Danças transformou-se em
Sociedade Produtora de Dança, em caráter profissional. Nessa época, o grupo se
fez presente pelo país no Festival Internacional das Mulheres Ruth Escobar, em
São Paulo, no Ciclo de Dança do Recife e na Oficina Nacional de Dança da UFBA,
entre outros grandes e importantes de eventos brasileiros. Fez diversas turnês
em diversos estados do Nordeste. O grupo profissional teve sempre a direção de
Lú, mas atuou em parceria com importantes coreógrafos brasileiros e
estrangeiros, a exemplo de Marcelo Moacyr, Denilto Gomes, Airto Tenório, Clady
Morgan, Valério Césio, Rosito de Carmine, entre outros.
Em quarenta anos de atuação em Sergipe, Lú Spinelli plantou
e colheu muitos frutos na arte da Dança e fez desta, nos seus espetáculos, a
palavra que não podia falar, o espaço para a crítica e para o riso, a luz para
produzir beleza e poesia, o movimento para celebrar a vida e dialogar com a
dor, a arte que somente o corpo é capaz de transmitir nesse campo do saber
humano que deve ser o mais democrático de todas as artes. A existência e a
continuidade da escola de dança Studium Danças, em quase meio século, chancelam
o compromisso, a lealdade e competência dessa profissional em manter acesa a
chama da arte do movimento no estado de Sergipe. No mínimo, esse fato nos
delega o papel de reconhecer e homenagear Lú Spinelli, artista que através da
dança, soube tão bem interpretar e expor aqui e no Brasil, a grandeza e a
beleza da cores e sabores da cultura sergipana.
Texto reproduzido do blog: primeiramao.blog.br
De: Eugênio Nascimento e Kleber Santos.
Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 19 de Dezembro/2012.
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