segunda-feira, 7 de julho de 2014

O Barraco de Boa-Morte

Foto:Agapito na capa do Baggios.

De Bar em Bar:

O Barraco de Boa-Morte. 
Por Amaral Cavalcante.

O petroleiro Boa Morte era um sujeito bem de vida. Qualquer empregado na Petrobrás na remota década de setenta, em Aracaju, era um cidadão com a vida arrumada e grande importância social. Afinal, eles amealhavam no final do mês um invejável salário, namoravam as coroas mais enxutas, tinham crédito ilimitado no Gavetão, assento cativo no Mira Mar e mesa especial no restaurante do Hotel Pálace com direito a um cálice de licor por conta da casa.

Boa Morte foi mais além: era o rei da noite com o seu Barraco instalado na esquina do Hotel Beira Mar, lugar das maiores doidices nos primórdios da Atalaia. O que teria levado Boa Morte a se envolver em negócio de bar? Pela renda não seria que no Barraco dele o “devo” era federal. Seria então para dispor, garanhão que acreditava ser, da recém descoberta liberalidade de costumes e do amor livre, tão em voga nos idos setenta?

Sabe-se lá! O certo é que o Barraco era um respiradouro de modernas emoções, o barulhento templo da moçada liberal, único no gênero e memorável sempre.

O melhor de lá era a intimidade dos garçons, comparsas da patuléia que se misturava à doidice geral. Dois deles merecem memória: Agapito e Bigode.

Bigode era enferruscado, dério senhor de cinturão atochado no limite da virilha para conter o inconveniente barrigão. Baixinho de cara fechada e coração brincalhão, estava ali, mas não estava, que a dele já se sabia: do Barraco voltava à família, onde por certo arrepiava contando os escândalos que presenciara no bar. Mas acontece que o devo era mais fácil com ele. Rara condição em coração de garçom essa cumplicidade de pai: - “Seguro até amanhã, Boa Morte nem vai saber!”

Bigode era o pai do penduro.

Já Agapito tinha muita história. Fora garçom do Vaqueiro onde começara a endoidar pelo cinema, ajudado por uma geração de cineastas Super-8 em proliferação na década de 70 que fazia cinema de tudo o e se divertia com isso. Convenceram-no de que ele era um Caubói desaproveitado capaz de glórias hollyoodianas! Agapito se acreditou o Rock Lane do Aracaju, mas como apanhava o nosso herói!

Num faroeste sergipano dirigido por Wagner Ribeiro ele apanhou tanto do mocinho que baixou hospital.Não somenter qapamhou como foi traido na cena onde ele encarnando o vilão seria enforcado. A produção mão amarrou direito a corda na cintura que o manteria em segurança para que o corrediço nó no pescoço lhe garantisse uma convincente performance de enforcado. Aprontaram com ele! Enquanto Agapito já sem fôlego esperneava socorro, -os pés querendo chão e a butuca do olho saltando em polvorosa, a trupe inteira morria de rir. Deu-se então que, finalmente, Agapito Cawboy encheu de murros o cinegrafista, deu um tapa na continuista, um safanão o maquidor e investiu aloprado: filhos da puta, vocês querem me matar?

Vai ver que por causa dessa precoce insubordinação o nosso ator nunca chegou às telas de Luiz Severiano.

Agapito concedia ao público do Barraco algumas performances como a do duelo no corredor de mesas, onde sacava com rara velocidade o abridor de garrafas em performance ameaçadora e, pernas arqueadas, olhar feroz, beiço ocupado em transversais palitos e peito aberto a qualquer zum que viesse, ploc, ´ploc... com um saque certeiros nos gargalos ele sempre nos vencia em duelo!

Agapito está vivo, mas já não conta muito de si, largado que está em nosso esquecimento. Vive no Mercado Central onde instalou o seu mais inusitado set e virou compositor de uma street music merecidamente valorizada por bandas sergipanas como a festejada The Baggios que o colocou de mala e cuia na capa do seu último disco, “Sina”.

A sina de Agapito é a de imortalizar o melhor do nosso underground.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 5 de julho de 2014.

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