Amaral Cavalcante.
O Rango no Mercado Thales Ferraz.
-Vamos pro Mercado comer sarapatel com inhame!
-Sem dinheiro, fazer o que?
- Eu tenhouma nega no Cabaré Shangay, ela me adianta
trezentas pilas. Era Harolno, o bem dotado, mais uma vez resolvendo a parada.
O cabaré Sangay ficava no Beco dos Cocos - caminho do
Mercado Thales Ferraz - no andar superior de um casarão mal cuidado. Para
alcançá-lo, o cidadão tinha que vencer uma escadaria íngreme, depois de
enfrentar o julgamento de Seu Tenório, o leão de chácara menos convincente que
eu já vi. O maior impedimento que ele oferecia ao acesso da meninada era o
obstáculo da sua imensurável barriga. Bastava um jeito de corpo e... adeus
Tenório!
O cabaré, decorado com motivos orientais, leques mexicanos e
luzinhas de natal piscando pelos cantos, tinha um bar num canto e o palco ao
fundo, em vermelho abrasador. Faróis iluminavam a flacidez das rumbeiras, os
engolidores de fogo, o palhaço de smoker e bengala destilando sacanagens. Na
segunda parte do “Goldem Show”, criado e apresentado por Mãezinha, uma gorda
sorumbática cantava Maisa em falsos prantos. É que a “fossa” dava sede, vendia
bem. Depois, para não encabular a platéia, um engraçado atacava de Miltinho:
calça tergal, mangas compridas e sapato Fox - a cornice em pessoa - mas o bigodinho
safado e a gravata borboleta de bolinhas azuis revelavam o malandro. Era assim
no Shangay.
Harolno subiu e voltou arregado, meia hora depois:
- Vamos pro Mercado!
A primeira coisa que me ocorre é o brilho dos alumínios.
Panelas coruscantes, areadas ao ponto da magnitude, cozinhando inhames, carne
frita, sarapatel, cabidela, sem falar no mingau de puba regenerador. O cheiro
do café embevecia longe. Duvido que alguém bote, hoje, um inhame mais macio no
meu prato, ou, senão, que parta uma talhada de cuscuz com ovos estrelados na
manteiga como no boteco de Mariinha Caolha, o melhor de todos.
As mulheres que pintavam lá, vindas da batalha, cada uma com
a sua história mais chorosa, eram amigáveis, maternais até, desde que algum de
nós lhes apresentasse possibilidades de uma esticada ao cafofo para um pinço
madrugal. Comer um toodynho cheiroso seria um bom fim de noitada para qualquer
delas! E porque não?
De incômodo ali, eram as perebas expostas. Nós vínhamos do
ócio, da farra farta, gente metida a rica cheirando a Patchouli e o Mercado era
o portal da nossa realidade provincial, um caldeirão cozinhado o limbo social
da cidade. Que diabos fazíamos lá com nossas pantalonas barreadas da lama,
nossas colares espalhafatosos, nossas fivelas de meio palmo? Na madrugada,
suando sovaqueiras infernais, figuras boshianas ameaçavam enfiar muletas no cu
dos bem servidos.
O Mercado nos recebia com um pé lá e outro cá, prestes à
justiça de um pontapé. Ai de quem negasse um dedinho de cachaça a um tenebroso
qualquer, ou se impacientasse com a conversa comprida do marchante que se
abancara na mesa sem convite. Ai de quem.
Mas já que eu estou aqui vivo e saudoso, contando lera, sou
a prova de que o Mercado era manso e o rango divinal! Juro por Deus.
Amaral Cavalcante.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 5 de dezembro de 2011.
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