Amaral Cavalcante.
A caminho da praia.
Nos idos sessenta a praia de Atalaia era um lugar distante,
nos cafundós de Aracaju. Alguns ricos mantinham lá suas casas de veraneio, mas
o povão tinha de enfrentar a marinete aos domingos, um frege alucinante de
quebra-coco e suores para alcançar as delícias da praia. “Banhistas” era
chamada assim a patuléia! O ponto de embarque ficava no oitão da Alfândega, na
pracinha General Valadão. Filas e filas em qualquer domingo ensolarado, uma
alegre profusão de gente humilde com seus teréns malajambrados, no
empurra-empurra que nóis gosta!
E a quem se aboletava lá dentro na escassa marinete da
Bonfim, o purgatório: como arrumar o cesto de camarão, a prancha de pegar
jacaré, as câmaras de ar para boiar em pneumáticas performances? As comidinhas
nos bocapius, o rádio portátil, a esteira de junco pra não melar o fundilho na
areia e os frascos de azeite de dendê com essência de maçã para se bronzear,
tudo havia de caber.
Tirando essa aglomeração que se passava unicamente aos
domingos, a Atalaia restava na semana como o grande mocó dos amantes, onde
levar a paquera às novidades do mar e suas possibilidades eróticas. Muito
cabaço se foi e muita história ficou pra contar.
Foi aqui na Atalaia que um grande estelionatário armou -
para desgosto das autoridades provincianas - o golpe da “Ova de Camarão” e com
ele ridicularizou os nossos brios de cidade moderna, no afã do desenvolvimento
industrial. Nesses idos, quem cuidava disso por aqui era o CONDESE, criado pelo
Dr. Aloísio de Campos, economista, planejador emérito e grande figura! O galego
de fala enrolada convenceu os técnicos de que se desperdiçava em nossas praias
a riqueza industrializável da ova de camarão e, para melhor convencimento,
levou-os a mastigar a areia da Atalaia: - “Isto é ouro puro, sinta o gosto!
Vamos exportar para o mundo!”. Foi-se para as Bahamas com um saco de dinheiro
emprestado pelo Banese e babau.
Acontece que a Atalaia era, então, muito estreita para o meu
desbunde: ia do Vaqueiro ao Salva Vidas, a cem metros de onde desaguava a
marinete. Lá estava no final de tudo o velho Salva Vidas, uma torre circular
que abrigava aos domingos, debaixo de si, a família aracajuana e suas impolutas
virgens. Local resguardado, onde se esvaíam as possibilidades de interação
entre os veranistas e a patuléia. Lá exibia a última moda em maiôs e costumes a
moçada inexpugnável da sociedade: coxas carnudas, bundas de quilo e meio,
peitinhos juvenis apontando o céu. Credo em cruz se um de nós, egresso das
marinetes da Bomfim, ousasse se chegar ali com qualquer chamego.
Em chegando à Atalaia, era mister a qualquer um se dividir:
quem com putas ia pro lado de lá do Mirachula – um cabaré que ficava onde hoje
é o Hotel Beira Mar – já os “de família” se espremiam entre o “Vaqueiro” e o
exíguo Salva Vidas. Assim era o permitido.
Hoje, vivo bem aqui em casa e o mar é meu moleque de
recados: “Vai ali à áfrica levar noticias de mim”. Ele vai. “Corre, vai pegar
um caramujo de sol que eu quero assoprar” Ele vai, e volta estrondando mundo
aos meus pés - meu cão de espumas.
O bar do Caboclinho, bem pertinho, ainda é prestigiado por
barrigudos do futebol dominical e pescadores antigos na banca ao lado, onde se
vende peixe fresco toda quinta-feira. E Caboclinho ainda pesca uma cerveja
estupidamente gelada quando eu chego lá, com meus mistérios antigos e minha
velhice recém conquistada.
Eu vivo muito bem aqui, na Atalaia.
Amaral Cavalcante.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 12 de novembro de 2011.
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