Amaral Cavalcante.
(CANTINHO DA FAMÍLIA).
A descendência.
Sou filho de José Cavalcante Lima -chamado Seu Liminha - e
Corina Hora Amaral. Neto dos varões Hermínio e Corcino e de suas senhoras,
Terezinha e Maroca. De vó Maroca lembro o queixo fino, empinado, e do pé de
sapoti no seu quintal, onde a algazarra dos nicos me conduzia às matas de
Tarzã. Já Terezinha, curvada sob o peso de um mau-humor dolorido, era rasquenta
e braba, mas boa de Magazine - que os netos dela tinham que luxar. Corcino,
caboclo do cabelo bom e bem penteado, era um belo homem. Conta-se dele que sua
mãe era índia, pega a dente de cachorro nas matas das Caraíbas. Daí sua
arrogante elegância bigoduda, olhão de corta-mortalha, sempre de terno e
colete, as mãos morenas sobre o castão prateado da bengala. Vovô Hermínio,
capaz de nem caber aqui, imenso, com o seu cajado de jacarandá e suas calças
largas, qual bombachas. Morava com Maroca mais não, “aquela velha feia”! Tinha
era trinta namoradas novas na feira de Simão Dias, o velho fanfarrão!
Bamboleado uma hérnia nos “quiba”, lá vem ele todo manemolente, arrastando um
cacho de pitombas e meia banda de jaca, todo sábado. Era dia de festa no
quintal.
Meus pais namoraram contra todos e vai que se amigaram por
amor ou teimosia. Ele deve ter feito mal à donzela e a família Ponphilo do
Amaral exigiu reparação. Ponphilo era comerciante de secos e molhados e dele,
mãe Corina sempre dizia: meu tio Pnpilho tinha tinas de bacalhau na despensa e
só comia queijo do reino.
Foi se engraçar de Liminha...
Vó Terezinha nunca se conformou, mas abafou o escândalo e
foi deixando para ver como ficava aquela história de casal enamorado. Foram
tendo filhos, primeiro José depois eu. Quando dei por mim já havia mais três:
Tereza, Édila e Jorge.
O que resta hoje dessa prole, é bonito de se ver.
Zé Nery, o primogênito, foi embora pra Bahia e lá virou
senhor de próspera família, avô de amáveis caduquices, um correto cidadão já
com três netos. Tereza envelhece tranqüila, viúva de dois grandes amores, dona
de si e do mundo, avó de muitos quereres. Édila, a mais nova das mulheres, inteligente
e dedicada ao trabalho, casou juntando sonhos com o amado Lisboa e hoje tem
dinheiro e amor, filhos e netos. Jorge, conhecido como Sabiá, viveu cantando de
galho em galho sem se preocupar consigo nem com o quintal do visinho. Vai ver
que veio aqui só para constatar como a vida familiar das pessoas é inadequada
aos pássaros. Eu, arrimo que acabei sendo, estive algum tempo encarregado de
cortar suas asas, único pecado que carrego irresolvido (digamos assim), na
alma. Sabiá morreu morando em minha casa, onde batia do chinelo o pó das ruas
quando bem entendia, traído pela cannabis. E eu, (chamado Tonho), sou o que
vosmecês já sabem: um poeta de província, cronista dessas saudades.
Amaral Cavalcante.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 7 de dezembro de 2011.
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