Amaral Cavalcante.
[Artigo republicado/novos comentários]
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De Bar em Bar.
O Barbudo cismou
- Agora, só vou andar de bata!
Hippie da costela oca, deslumbrado com as ondas do mar e com
os peixinhos do céu, Henrique Barbudo, divinal proprietário do Bar Barbudo’s,
no calçadão da Atalaia, era o guru do pedaço. O seu bar, na década de setenta,
era uma espécie de repositório da inteligência contracultural, local de benfazejas
incursões ao psicodelismo em voga, portal de liberdades essenciais à plena
formação intelectual de todos nós.
O Bar Barbudo’s nos agregava amorosos e revolucionários.
Até porque ostentava um grande cabedal de cheques sem fundos
espetados num inconveniente quadro de avisos onde se divulgava a velhaquice
reinante. No Bar Barbudo’s era comum beber-se sem um puto no bolso e sair-se
bem, como afirmação de invejável bandidagem. Também, com o dono do
estabelecimento cheio de maconha até a tampa, o que nos restava fazer? Tome-lhe
devo, que amigo é pra essas coisas.
Henrique, no Barbudo’s, foi o grão mestre de certa geração
zuadenta e amorosa, que fazia do seu bar a trincheira da liberdade lisérgica.
Lá se misturavam a cidade careta e os malucos de então, numa zoada infernal,
num embate sacro, ritual, de inteligência e caretice. Afinal, era no Barbudo’s
onde neguinho podia cheirar o sobaco capiloso da paquera para depois, quem
sabe, levá-la a catar conchinhas na praia e daí ás zodiacais trepadas por traz
das dunas.
No Barbudo’s os mais ousados empreendimentos da nossa
psicodelia tupiniquim foram urdidos, num ambiente em que ninguém era de ninguém
e cada um cuidava de propagar sua loucura aos quatro cantos. Vivíamos a
ditadura, mas o amor livre era o nosso Ato Institucional.
Um bar em que ninguém se acomoda em sua mesa, as figuras
mais divinais zanzando pelo meio, até que alguém lhes oferecesse uma bitoca na
“biata”, ou lhes dispusesse uma providencial cafungada, discretamente, no
fétido banheiro? Pois assim era o Barbudo’s um templo reservado à inteligência
e à contravenção.
No Barbudo’s imperava a peculiar revolução de costumes que
nos foi possível fazer: gradual, maluquinha, mas debaixo de sete capas que a
repressão se mantinha à espreita, doidinha pra nos pegar.
Henrique casou-se com uma morena de olhos lindos, em
cerimônia hippie na beira da praia, coroado com trançadas margaridas e de bata
rebordada, com uma mulher linda de grandes olhos claros, siderais, depois de
nos fazer acreditar que a achara boiando na espuma do mar da Atalaia, numa
plena maré lunar. Era o mais feliz de todos nós.
- Agora, só vou andar de bata, e das grandes, que é pra
esculhambar, anunciou o guru Henrique e nós, os seus incautos seguidores,
achamos linda a viagem do maluco.
Deu para andar de bata, cada uma mais bonita, e jurou que
jamais usaria outra veste enquanto vida tivesse.
Pois bem. Um dia foi Henrique de kafta longo e florido
tratar, no Banco do Estado, de visitar suas parcas economias. Não deu certo:
barrado por um segurança dada à inconveniência das vestes, armou o maior
barraco. Que a sociedade capitalista era uma bosta, que Che Guevara não morreu,
que a revolução socialista já vinha dobrando os contrafortes do Iate Club e que
ele, se querem saber, portava um cheque devolvido, assinado por um bam-ban-bam
do Banco do Estado e que diante disso ele passava a ser, naquele momento, não
um Hippie de Kafta, mas o próprio armagedom da história, um homem bomba capaz
de explodir a honra daquela instituição bancária.
Juntou gente, a notícia se espalhou pelo calçadão e coube a
nós - a mim e a Fernando Sávio - depois de um esbaforido “Vamos lá, meu irmão,
que o maluco endoidou de vez”, a tarefa de explicar ao guarda que aquilo era
moda, que em Woodstock todo mundo se vestia assim... mas não adiantou.
O que valeu mesmo foi a o velho chavão:”Deixa pra lá meu
irmão, o homem é conhecido do governador”, o que era verdade.
Henrique Barbudo foi imediatamente liberado.
Amaral Cavalcante.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 7 de julho de 2014.
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