Amaral Cavalcante.
(Ê, thi bum, mergulho na memória!)
Do Vaqueiro ao Manequito
Ninguém conseguia arrancar Luiz do Vaqueiro da sua cadeira
de balanço na cozinha, só se fosse para atender a um
desembargador ou algo que o valha, porque Luiz não era mole não. Sorridente e
bonachão, Luiz tinha lá seus princípios. Um deles era o de que ele, filho de
Deus, mesmo sendo dono do mais concorrido bar da Atalaia, merecia descanso
quando bem quisesse e a de abstrair-se folgazão no meio da cozinha mandando às
picas a freguesia do seu negócio, um príncipe: “Tenho empregado é pra isso”
dizia, e deixava rolar no restaurante um verdadeiro inferno sem satânicos
comandos. Era um títere, mas quando Deus dava bom tempo ficava uma moça no
trato com os amigos, mas sempre uma fera com qualquer bagunça.
Lá mesmo, não! Quisesse tocar seu Iê-Iê-Iê que fosse pras
dunas, onde aquela idiotice proliferava. Já as situações de amigação duvidosa e
transgressões matrimoniais eram permitidas, desde que na entoca de uma mesa
discreta e sem nenhuma safadeza visível.
De vaqueiro o bar do Luiz só tinha o nome. Especializado em
moquecas sergipanas com muito coco e um tiquinho de dendê, atendia a um filé
com fritas fazendo munganga, debicando do freguês. Um Parmegianne então, tão em
moda entre os elegantes da época, saia sim, mas debaixo de quatro tuncos.
Esta coisa de som ao vivo ainda não existia, mas lá estavam
em mesa bancada por Hugo Costa, o seresteiro Antonio Teles e o cantor Lourão,
de vez em quando o sopro de Medeiros e o violão de Macêpa. acompanhando a voz
maviosa de Nicinha Santos debulhando boleros e guarânias.
O “Balneário”, primeira construção vetusta na praia de
Atalaia, fora construído no governo Leandro Maciel por volta de 58 e
completava, com a pista asfáltica onde se incluía uma ponte nova e o Aeroporto
Santa Maria, as atenciosas melhorias que o governo apresentava a uma Aracaju
que se descobria capaz de grandes transformações. Assim a praia de Atalaia, por
causa do Aeroporto, começou a se incluir como um bairro possível no traçado
urbanístico de Aracaju.
A iniciativa privada chegou afoita: primeiro Zé, o irmão,
depois Luiz assumiu a empreitada transformando o Balneário público no
restaurante “O Vaqueiro”, de quem trato aqui por conhecê-lo como a palma da
mão. Muitas vezes fui levado à sua cozinha pra acomodar o facho juvenil das
contestações para me acalmar degustando com Luiz um resto de camarão ao alho,
cada um dest’amanho, mastigados o sabor dos seus conselhos, bom Luiz!
O Burguesia
Saindo do Vaqueiro convinha dar uma passadinha no vizinho
“Busrguesia” para tomar um Cleper- bebida inventada pelo dono para substituir o
Cuba Libre - já tão fora de moda - e embebedar-se com a moçada politizada do
recinto, ali urdindo contra golpes intelectuais em ofensiva à ditadura numa
beleza de revolução via comanda onde o comunismo era a doutrina, mas a conta
chegava ao final, certeira no capital da freguesia. . O velho Burgesia, um
comunista de sólidas posições e vida impoluta, reunia em seu bar a fina flor da
contravenção. E o seu bar era um alegre aparelho.
Depois vinha o Barbudo’s onde eu certamente estaria drogado
e nas delícias homéricas das grandes curtições etílicas, tão essenciais na
década de 70.
O Manequito.
A tinta passos do Vaqueiro ficava o templo homérico das
transgressões mais malucas, a bodega do velho pescador Manequito, um gigantesco
preto-retinto de manoplas incomensuráveis e voz suave, uma figura idílica
contando coisas do mar difíceis de acreditar: histórias de arraias que assombravam
o mundo, caranguejos dançando gafieira, camarões de barba branca e tempestades
dignas de qualquer Ulisses.
Só que para tanto poder etílico nós, a maioria da sua
freguesia, carburavamos no seu quintal um providencial baseado, necessário
equalizador de tanta loucura..
No Manequito eu bebi de todas, mas a melhor, meu branco, era
a de Murici, que travava o gogó e batia imediatamente no juízo do freguês.
Nunca se viu igual.
Amaral Cavalcante.
Postagem originária de compartilhamento na página do Facebook/MTéSERGIPE, 03/07/2014.
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