O Barbudo cismou
- Agora, só vou andar de bata!
Hippie da costela oca, deslumbrado com as ondas do mar e com
os peixinhos do céu, Henrique Barbudo, divinal proprietário do Bar Barbudo’s,
no calçadão da Atalaia, era o guru do pedaço. O seu bar, na década de setenta,
era uma espécie de repositório da inteligência contracultural, local de
benfazejas incursões ao psicodelismo em voga, portal de liberdades essenciais à
plena formação intelectual de todos nós. O Bar Barbudo’s nos agregava, amorosos
e revolucionários.
Até porque ostentava um grande cabedal de cheques sem fundos
espetados num inconveniente quadro de avisos, onde se divulgava a velhaquice
reinante. No Bar Barbudo’s era comum beber-se sem um puto no bolso e sair-se
bem, como afirmação de invejável bandidagem. Também, com o dono do
estabelecimento cheio de maconha até a tampa, o que nos restava fazer? Tome-lhe
devo, que amigo é pra essas coisas.
Henrique, no Barbudo’s, era o grão mestre de certa geração
80, zuadenta e amorosa, que fazia do seu bar a trincheira da liberdade
lisérgica onde se misturavam a cidade careta e os malucos de então, numa zoada
infernal, num embate sacro, ritual, de inteligência e caretice. Afinal, era no
Barbudo’s onde neguinho podia cheirar o sobaco capiloso da paquera para depois
(quem sabe?), levá-la a catar conchinhas na praia. Dai pra zodiacais trepadas
por traz das dunas, era três nuvens só.
O amor livre era o nosso Ato Institucional.
No Barbudo’s imperava a nossa peculiar revolução de costumes
gradual, bonitinha, mas debaixo de sete capas.
Henrique casou com uma morena de olhos lindos, em cerimônia
hippie na beira da praia, coroado com trançadas margaridas e bata rebordada,
com uma mulher linda de grandes olhos claros, siderais, depois de nos fazer
acreditar que a achara boiando na espuma do mar da Atalaia, numa plena maré
lunar. Era o mais feliz de todos nós.
- Agora, só vou andar de bata, e das grandes, que é pra
esculhambar, anunciou Henrique e nós, os seus incautos amigos, achamos linda a
viagem do maluco.
Deu para só andar de bata sobre sunga mínima, cada uma mais
bonita, e jurou que jamais usaria outra veste, enquanto vida tivesse.
Pois bem. Um dia foi Henrique de kafta longo e florido
tratar, no Banco do Estado, de visitar suas parcas economias. Não deu certo:
barrado por um segurança pela inconveniência das vestes, armou o maior barraco.
Que a sociedade capitalista era uma bosta, que Che Guevara
não morreu, que a revolução socialista já vinha dobrando os contrafortes do
Iate Club e (sabe do que mais?) que ele portava um cheque devolvido, assinado
pelo bam-ban-bam do Banco e que diante disso ele passava a ser, naquele
momento, não um Hippie de Kafta, mas o próprio armagedom da história, um homem
bomba capaz de explodir a honra daquela instituição bancária.
Juntou gente, a notícia se espalhou pelo calçadão e coube a
nós - a mim e a Fernando Sávio - depois de um esbaforido “Vamos lá, meu irmão,
que o maluco endoidou de vez”, a tarefa de explicar aos guardas que aquilo era
moda, que em Woodstock todo mundo se vestia assim... mas não adiantou.
O que valeu mesmo foi a o velho chavão:-“Deixa pra lá meu
irmão, o homem é conhecido do governador!”
Foi imediatamente liberado.
Amaral Cavalcante
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 6 de julho de 2013.
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