quinta-feira, 13 de março de 2014

Vida social na década de 60

Foto reproduzida do Blog Antiguidade Coleções e Artes de Waldemar Neto.

Vida social na década de 60

Quando eu era adolescente existiam costumes bem diferentes na minha cidade.

A primeira sessão do Cinema Palace as 14 h do domingo era o máximo entre os jovens. Ali as paqueras aconteciam e os namoros também. Faltar a uma sessão do cinema Palace era um sacrilégio.

Quando eu aprontava alguma durante a semana e o castigo era não ir à primeira sessão do Palace, era o mesmo que dizer que o mundo ia se acabar. Como todo adolescente, eu dramatizava e ficava para morrer...

As moças passavam a semana esperando a chegada do domingo para poder ver os rapazes que ficavam no saguão esperando a chegada delas. Tínhamos que entrar no cinema através desse saguão e fatalmente acontecia um desfile, embora que involuntário, de todas as moças que iam ao cinema naquele dia.

Após a sessão do cinema, acontecia a matinê dançante da Associação Atlética de Sergipe, onde rapazes e moças se reuniam para dançar até as 18 h. Ali também, aconteciam as paqueras e os namoros.

O salão era bem iluminado, as moças ficavam sentadas às mesas e os rapazes, em blocos, ficavam em pé na borda do salão. Reconheço que era preciso coragem para um rapaz atravessar o salão e tirar uma moça para dançar. Na minha família era proibido, a qualquer uma de nós, recusarmos uma dança a um rapaz. Querendo ou não, tínhamos que levantar e dar, pelo menos, uma volta no salão com o rapaz que por acaso se aventurasse a nos tirar para dançar.

Ah! E para encerrar o domingo com chave de ouro, à noite tinha a retreta da Praça Fausto Cardoso. Era um desfilar sem fim de moças para lá e para cá. Saíamos andando da Praça Fausto Cardoso e íamos pela Rua João Pessoa, até a esquina da Rua São Cristóvão, olhando as vitrines das lojas, que os comerciantes as arrumavam especialmente com esse fim. Eu, particularmente, estava mais interessada em olhar os rapazes do que ver vitrines. Se me perguntassem o que vi de bonito nas vitrines pouco saberia dizer. Mas, cumpria aquele ritual todos os domingos. Fico pensando, se todo mundo sentia o mesmo que eu... Porque se sentiam, coitados dos comerciantes!

Tudo, em Aracaju, tinha hora para começar e para terminar. Às 21h acabava a retreta e todos iam para casa para ficar a espera de mais um domingo para começar tudo de novo.

Olhando para trás, vejo que eram programas bobos, mas que faziam a nossa alegria.

Sei de namoros que começaram aí nesses lugares, transformando-se em noivados e depois em casamentos que perduram até os dias de hoje. Como, por exemplo, posso citar o de meu irmão Guerrinha com Tetê. Foi numa retreta da Praça Fausto Cardoso que ele me mostrou Tetê e me disse que ia namorá-la. Ela era uma das moças mais bonitas de Aracaju. E eu, romântica toda, dei a maior força e fiquei torcendo por eles.

Nesses lugares também foram iniciadas pequenas amizades, que com o passar do tempo, transformaram-se em grandes amizades. Amizades essas que foram capazes de atravessar anos a fio sem sofrer um arranhão sequer na confiança conquistada.

Nessa época aconteciam festas tradicionais que eram realizadas todos os anos: o baile das News Faces e o baile das Debutantes. Bailes de gala que aconteciam nos salões de festa do Iate Clube de Aracaju ou da Associação Atlética de Sergipe.

O baile das News Faces era uma pré-apresentação das moças que iam adentrar na sociedade aracajuana. Eu participei de um desses bailes... Fui uma New Face... Interessante esse costume... Naquela época todo mundo conhecia todo mundo, mas as moças tinham que ser formalmente apresentadas à sociedade. Pensando bem, era muito estranho esse costume.

O baile que participei foi na Associação Atlética de Sergipe. Tivemos que cumprir um ritual de ensaios chatos e cansativos. Ainda lembro-me do meu vestido: era de organdi cor de rosa (a cor que as News Faces podiam vestir) todo bordado em caminho sem fim com fitas e com pérolas. Um luxo! Mas que vestidinho incômodo... O organdi me espetou a noite toda e as pérolas na hora que sentava... Um suplício que tive de suportar a noite toda. Também foi a única vez que vesti aquele vestido.

As moças abriam o baile dançando a primeira valsa com os pais. Ah! Foi o momento que mais gostei... Papai era um pé de valsa maravilhoso e eu adorava dançar com ele. Éramos um par perfeito de dançarinos, saímos deslizando pelo salão como se tivéssemos asas nos pés e eu me sentia nas nuvens toda vez que dançávamos. Também, ele foi meu professor de dança e tínhamos um ritmo igual. E sei que papai também se sentia assim, pois certa feita, anos mais tarde, ele me disse que eu era leve como uma pluma e que gostava de dançar comigo. Oh! Papai... Que saudade!
Dancei a segunda valsa com meu herói... Meu irmão Guerrinha que é um excelente dançarino também. E a partir daí, as News Faces podiam dançar com todos os que as tirassem para dançar.

Já o baile das Debutantes, não quis mais participar... Para mim bastou o suplicio do baile das News Faces, era um baile mais pomposo, mais luxuoso e mais cheio de frescuras. Até catalogo com fotos das moças que participavam era confeccionado e distribuído na hora do baile. Agradeço a Deus o fato de meus pais terem aceitado a minha decisão de não querer participar.

Tinham também as festas de quinze anos nas casas das famílias. As moças que não participavam dos bailes de apresentação, geralmente, realizavam essas festas particulares. Duas me marcaram e lembro muito bem delas... A de Gilza Calumbi, pois fui uma das quatorze moças que dançaram a valsa com ela. Engraçado... Não consigo lembrar quem foi meu par. Todas estavam de vestidos cor de rosa... De novo! Eita corzinha mais sem expressão. Não sei quem inventou que a cor de rosa era a cor oficial das moças de Aracaju.

Mas, a que mais me marcou foi a festa de quinze anos de Leda Ramalho, no dia 04 de dezembro de 1965. Foi lá que meu namoro com Tadeu começou... Namoro esse que se transformou em noivado e depois em casamento e que me rendeu dois grandes tesouros, meus filhos Vinicius e Breno.

E os desfiles de modas? Participei de um desfile da Fabrica de Tecidos Confiança que foi realizado no salão de festas do Iate Clube de Aracaju. Desfilei com dois modelos: um era branco com listas fininhas azuis e com um peitilho bordado em vermelho e o outro era de alças, a parte de cima branca e a saia de babados coloridos em cores bem fortes. Foi uma experiência e como tal valeu, mas não gostei de enfrentar a passarela com todo mundo me olhando e se encerrou aí a minha vida de manequim.

Uma coisa que não posso deixar de falar: nas festas do Iate era terminantemente proibido a uma moça chegar à balaustrada do clube que dá para o rio Sergipe. O nosso limite eram as portas envidraçadas que davam para as varandas. Mesmo que estivéssemos morrendo de calor, tínhamos de ficar no salão, pois moça de família não podia ir à balaustrada. É... Tempos estranhos aqueles... Fico me perguntando que mal haveria em uma moça chegar à balaustrada para sentir a brisa do vento no rosto? Mas, naquela época era um costume e os costumes eram feitos para serem respeitados.

Quero abrir aqui um parêntesis para falar de um costume da época. O laquê. Meu Deus, que coisa mais horrorosa. Quando participávamos de qualquer evento de gala e íamos aos salões de beleza para arrumar os cabelos, os profissionais faziam uns penteados rebuscados e enchiam a nossa cabeça de laquê. Parecia uma cola líquida com um cheiro forte e que dava um trabalho enorme para tirar no outro dia. Coitados dos rapazes que dançavam conosco, tinham que sentir aquele cheiro forte. Não sei como não ficavam embriagados. E nós ficávamos com os cabelos parecidos com os cabelos dos manequins de vitrine, duros... Que costume mais besta aquele... Ficávamos parecendo que estávamos com umas couraças nas cabeças. Eu, particularmente, detestava, mas não podia fazer nada, pois naquela época essas coisas eram decididas por minha mãe e eu tinha de aceitar, achar bom e ainda colocar um sorriso no rosto. Legal, isso não? Mesmo que estivesse me sentindo um astronauta em pleno baile. Mas, justiça seja feita, das mães da época, minha mãe era a mais compreensiva e mais amiga das filhas do que muitas que conheci e conheço.

Confesso que para mim, uma aquariana legítima, amante da liberdade e da independência, foi bem difícil viver naquela época. Mas, ao fazer o balanço de perdas e ganhos, vi que meu saldo de ganhos foi positivo e o das perdas negativo.

O legal disso tudo, é que, hoje, ao escrever essa crônica dei muita risada sozinha, lembrando desse tempo que vivi e que adorei tê-lo vivido.

Tudo isso aconteceu na década de 60... Os nossos anos dourados!

Ah! Que saudade daquele tempo. Um tempo de grandes transformações e fomos co-participantes dessas transformações. Cobaias de um novo tempo.

Algum dia, ainda, escreverei sobre essas transformações.

Aracaju, 09 de novembro de 2008.

Fernanda.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGPE, de 28 de dezembro de 2011.

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