Os Oitenta anos do Padre Humbert Leeb.
Por Lúcio Prado Dias *
A Sociedade sergipana comemorou nesta quinta-feira, 20 de
março. os 80 anos do padre Humbert Leeb, missionário austríaco que em Sergipe
fundou o Centro Esperança de Deus, na região do Porto do Mato, litoral sul de
Sergipe. Uma obra transformadora que tirou a região da miséria extrema, em obra
social gigantesca. Fui convidado para saudá-lo, em nome da Academia Sergipana
de Medicina. Abaixo transcrevo o meu discurso:
Excelências,
Padre Leeb, excelência maior da noite.
“A verdade está no mundo à nossa volta” ( Aristóteles)
Mais do que mera formalidade, assim considero cada data de
aniversário. Mais ainda quando se comemora 80 anos de vida.
Pelos princípios aristotélicos, dizemos que, se hoje
existimos, é por que existimos em ato. Mas antes disso existem as
potencialidades. Passamos então da potência ao ato. Mas quantas pessoas existem
apenas em potência e nunca chegarão a existir em ato? Dizendo de outra maneira,
quantas pessoas poderiam existir, mas não existem, e nunca existirão!
Assim, todo "feliz aniversário" que se ouve deve
ser, no fundo, um reconhecimento de que a existência do aniversariante neste
mundo é querida e, principalmente, reconhecida. E toda omissão desse tipo de
felicitação é afirmação tácita de que sua existência é indiferente. De que se
ele nunca tivesse passado da potência ao ato, o mundo seria pouco diferente do
que é.
Transpondo para a nossa pequena comunidade do sul de
Sergipe, o que seria dela se a potência não se transformasse em ato, em ação? A
ação transformadora pela ação do missionário austríaco, a quem hoje nos
curvamos em reverência.
A Sociedade Médica de Sergipe e a Academia Sergipana de
Medicina, irmanadas, comparecem a esta solenidade para reverenciar a ação do
grande homem que dedicou a sua vida para a recuperação e valorização social de
outras vidas. Disse-me ele certa vez que, ao olhar para cada ser humano que
ajudava, via nele a imagem do Cristo.
Se comungamos hoje a mesma tristeza de constatar o descaso
com a sua obra, fruto de uma vida inteira, só Deus sabe como, para construir,
rejubilamo-nos por encontrá-lo altivo e destemido, no instante mágico dos seus
80 anos e constatar o fruto do seu grandioso trabalho transformador para aquela
população, sempre esquecida pelo poder público.
Passei a acompanhar a obra do Pe. Leeb a partir de 1988,
onze anos após sua chegada de barco a Porto do Mato, na região denominada Porto
da Nangola, trazido do Rio de Janeiro por uma filha da terra sergipana, Joana
Batista Costa. Quando eles chegaram à região, a miséria era extrema. Não
existia acesso terrestre, os nativos viviam do pescado, as doenças grassavam, a
mortalidade infantil beirava a níveis absurdos: de cada quatro crianças que
nascia três morriam antes de completar um ano de vida.
Com a força inabalável da fé e a vontade de cuidar do
sofrido povo do local, ele edificou uma obra portentosa. Com a “cruz da
reconciliação”, um símbolo esculpido em madeira afirmando a presença do
cristianismo, deu início a uma nova era na raquítica paisagem do sul sergipano.
Fundou o Centro Esperança de Deus, um complexo que passou a acolher o povo da
região, abrigando-o em múltiplas tarefas profissionalizantes, culturais e
cristãs, com respeito absoluto às tradições locais. Oficinas, escolas, posto de
saúde, pousada, foram edificadas e prosperaram ao longo dos anos, transformando
o local numa pequena cidade, com quadra de esportes, restaurante, campo de
futebol, entre outras.
Após 30 anos de dedicação plena e exclusiva à obra que
edificou, mudando radicalmente as condições de vida da população, na semeadura
do bem comum, no resgate da dignidade e da autoestima, Padre Leeb despediu-se
de seu povo para o merecido descanso, feliz pelo cumprimento de sua missão. No
entanto, quem tinha a obrigação de preservar esse patrimônio do povo de
Sergipe, infelizmente não o fez e a comunidade passou a amargar o fel do
abandono, do descaso e do descompromisso. Mas o obra está aí, clamando por
ajuda para a retomada de sua missão.
Dedico-lhe um trecho de “Poema de Aniversário” do poeta e
compositor Vinicius de Moraes.
“Passam-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida”.
A vida segue, Padre Leeb, e nós estaremos sempre a aplaudir
o seu trabalho, lembrando e cobrando das autoridades a responsabilidade pela
preservação do seu legado, que tantos benefícios trouxe para o sofrido povo de
Porto do Mato.
Prost! Que tenha uma vida longa pela frente!
*Texto reproduzido do Facebook/Linha do Tempo/Lucio Prado
Dias.
Foto: Marcelle Cristinne/Secult.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 22 de março de 2014.
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