sábado, 21 de setembro de 2013

Paulo Lima Entrevista - Siomara Tauster


"Logo após o 11 de setembro em Nova York, fiz uma entrevista com Siomara Tauster para a revista eletrônica Balaio de Notícias, da qual sou editor. A entrevista não está mais online. Por isso, gostaria de reproduzi-la aqui, como uma homenagem". (Paulo Lima).

Entrevista - Siomara Tauster 
Revista Eletrônica Balaio de Notícias.
Edição 21, março de 2003. 

Se o jornalismo é a arte de estabelecer nexos, como diz um conhecido enunciado, então a jornalista Siomara Tauster, 41, sergipana de Aracaju, parece encarnar essa regra à perfeição. Interlocutora loquaz e entusiasmada, ela mergulha numa torrente vertiginosa de assuntos que, no final, se coadunam e encantam quem a ouve. Vivendo em Nova Iorque há quase duas décadas, casada com um norte-americano, Siomara trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo brasileiro, como Paulo Francis e Lucas Mendes. Produziu alguns dos grandes momentos do jornalismo internacional da Globo, como, por exemplo, a entrevista que Pete Hammil (uma das grandes vozes dissonantes do jornalismo americano) concedeu ao Milênio, programa incluído no serviço a cabo daquela rede de televisão. Nesta entrevista, ela falou sobre os caminhos que percorreu, sobre jornalismo e a América pós-11 de setembro.

Por Paulo Lima

BN - Você percorreu um longo caminho desde a sua saída de Aracaju, há muitos anos, até fixar-se em Nova Iorque. Conte-nos um pouco dessa trajetória.

Siomara Tauster - Eu saí de Aracaju no final dos anos 80. Já trabalhava na TV Sergipe como repórter antes de ingressar no recém-inaugurado curso de jornalismo da Faculdade Tiradentes. Este foi o primeiro curso universitário para jornalistas em Aracaju. Depois continuei o curso na Faculdade Helio Alonso, no Rio de Janeiro. No entanto, pouco trabalhei com jornalismo no Rio. Escrevi por um tempo para a revista da CNI, mas logo depois passei a trabalhar com produção de música. Fiz vários projetos interessantes. Além de trabalhar com vários artistas como Paulo Moura, Clementina de Jesus, Trio Eletrico Dodo e Osmar, João Gilberto entre outros. Também criei uma série no Circo Voador chamada Cabaret Brasil, com o objetivo de resgatar as "antigas"estrelas do rádio. Foi nessa série, por exemplo, que lançamos o primeiro show de Cauby Peixoto e Angela Maria, que depois viajou o Brasil inteiro. Acho que esta foi a fase mais criativa da minha vida.

BN - Como foi o início em Nova Iorque? Que tipo de jornalismo você fazia
nessa época?

Siomara Tauster - Cheguei em Nova York em maio de 1986. Passei o primeiro ano estudando inglês no Hunter College e fiz um curso de cinema na New York University. Só depois, em 1987, fui trabalhar para o escritório da TV Globo em Nova Iorque. Produzi para todos os programas da emissora, mas acabei virando a produtora internacional do Fantástico. Fiz coberturas maravilhosas aqui. Cobri a primeira eleição do Presidente Clinton, fiz uma série de matérias no Alaska, entrevistei o sub-comandante Marcos, líder dos Zapatistas no México, e vários outros eventos na América do Norte e América central.

BN - Como foi a sua convivência, no escritório da Globo em Nova York, com jornalistas como Paulo Francis e Lucas Mendes?

Siomara Tauster - Paulo Francis era uma delícia de pessoa. Um dos últimos eruditos do jornalismo brasileiro. Por trás daquela atitude crítica e às vezes dura que ele apresentava na televisão, era uma pessoa muito doce e um grande amigo. Sempre pronto a brigar pelos colegas quando necessário. Lucas Mendes é um grande jornalista. Somos amigos até hoje. Aprendi muito com o Lucas. Tive muita sorte de ter trabalhado com profissionais desse quilate. Aliás, acho que aquela foi a época mais rica do jornalismo internacional da TV Globo.

BN - Em sua opinião, o que mudou no jornalismo americano depois do 11 de setembro?

Siomara Tauster - Ele ficou mais parcial. Os ataques terroristas em solo americano deixaram uma sensação de vulnerabilidade muito grande e despertou o ódio entre os diferentes grupos étnicos e religiosos que, até então, conviviam de uma forma muito civilizada no país. A imprensa está refletindo este momento e jogando na defesa, isto é, na defesa do Presidente Bush. A guerra contra o terrorismo dividiu o mundo entre os que estão com os americanos e os que estão contra eles. E acho que isso está cada vez mais evidente na cobertura da imprensa norte-americana.

BN - Essas mudanças são visíveis para o grande público?

Siomara Tauster - Eu não sei até que ponto eles entendem ou tiveram tempo para processar, mas eles estão vivendo essas mudanças na própria pele. Aquela sensação de segurança que você tinha quando chegava numa cidade como Nova Iorque, por exemplo, já não existe mais. Lugares e transportes públicos são uma fonte constante de preocupação. Você já não viaja mais tranquilamente. Há sempre a ameaça de um ataque terrorista. A família do meu marido, por exemplo, quando viaja em grupo se divide. Um filho vai num avião, outro filho em outro avião, porque no caso de um avião explodir vai sobrar o outro filho para continuar o nome da família.

BN - Nova Iorque tem a fama de ser uma cidade agressiva, competitiva e fria. Antes da administração Rudolf Giuliani, também era considerada uma das cidades mais violentas dos Estados Unidos. O 11 de setembro mudou o jeito de ser do nova-iorquino?

Siomara Tauster - O nova-iorquino é um povo extraordinário. É uma cidade agressiva porque estão todos correndo atrás da sobrevivência e custa caro viver aqui. Competitiva também, isso vem com o alto nível de profissionais que convergem para esta área. Mas não concordo que Nova York seja uma cidade fria. As pessoas não têm aquele calor humano do latino, mas depois dos atentados de 11 de setembro, por exemplo, as pessoas falavam com estranhos nas ruas para saber se estavam bem. Milhares trabalharam como voluntários para ajudar as famílias das vítimas e remover os destroços do World Trade Center. Outro dia, durante uma tempestade de neve aqui, eu vi pela minha janela, que dá para a terceira avenida em Manhattan, três carros atolando na neve e vários pedestres parando para ajudar. Esse é o novaiorquino. Ele não é de muita festa, mas quando você precisa, sempre aparece um para te dar a mão.

BN - Nesse cenário que antecede a guerra do Iraque, o espírito belicoso que alimenta grande parte da opinião pública americana pode ser também percebido numa cidade cosmopolita como Nova Iorque?

Siomara Tauster - Eu participei da passeata pela paz no dia 15 de fevereiro na Primeira Avenida, em Manhattan. Foi um dos dias mais frios deste inverno, e mesmo assim mais de 300 mil pessoas participaram do evento. Obviamente todos que participaram eram contra a guerra. Acho que o povo norte-americano está com medo das armas de destruição maciça do Saddam Hussein, mas não apoiam uma invasão unilateral dos Estados Unidos. O custo em vidas e financeiro vai ser muito grande para a população. Estão falando em torno de 80 bilhões de dólares, mas esses números são meio fictícios. Pode ser muito mais. Além do custo em vidas, o americano vai ter que pagar pelo custo de reconstrução do Iraque, anos depois de Bush ter deixado o poder.

BN - Como anda a vida em Nova Iorque de algumas etnias consideradas
"suspeitas", como árabes, palestinos, iranianos? Há algum clima de "pogrom" no ar?

Siomara Tauster - Eles estão assustados e alguns reclamam de abusos por parte da população e da própria polícia. Segundo eles, depois dos atentados, os árabes passaram a ser considerados culpados até que se prove o contrário. Os imigrantes coreanos também estão preocupados com o desenrolar da crise na Coréia.

BN - O governo americano está desenvolvendo um vasto programa estratégico intitulado de Conhecimento Total de Informações, ou TIA (Total Control of Awareness). Esse programa faz lembrar aquele cenário totalitário de "1984", de George Orwell. Em sua opinião, esse controle já estaria em curso? Poderá haver reação organizada da sociedade americana contra ele?

Siomara Tauster - Está tudo acontecendo muito rápido. Esta semana eles divulgaram um programa que já está funcionando e que entra em ação quando você compra uma passagem de avião por exemplo. Assim que você dá os seus dados, eles checam sua conta bancária, seus e-mails e o que mais eles tiverem acesso e, mediante as informações, eles te colocam numa das três categorias: verde, você não representa perigo, amarelo, você deve ser questionado mais cuidadosamente no aeroporto e vermelho, você é considerado terrorista ou com conexões terroristas e é preso no ato. Já existem algumas organizações trabalhando contra esse esquema "big brother". A Susan Sarandon, por exemplo, tem contestado sempre que tem oportunidade. Mas a imprensa não está dando muito espaço no momento para este tipo de questionamento.

BN - Nesse tempo morando nos Estados Unidos, o que mudou na sua maneira de ver o Brasil? Você já pensou alguma vez em retornar?

Siomara Tauster - Estou pensando em voltar para o Brasil este ano. Estou muito impressionada com a lição de democracia e civilidade que o povo brasileiro deu ao eleger Lula para presidente. Acho que o Brasil é o país que eu gostaria de viver nos próximos anos. A violência, no entanto, me preocupa muito. Não sei como deixaram o Rio de Janeiro chegar à situação que chegou, com bandidos tipo o Beira Mar cometendo, impunemente, as atrocidades que tem cometido na cidade. Isso ameaça as instituições democráticas do país. Sou a favor da interferência do governo federal neste processo e acho inclusive que eles deveriam mandar o exército para combater o crime na cidade. O Rio é o cartão postal do Brasil e a primeira entrada para o turista internacional. Com a economia mundial em baixa e os investimentos diretos cada vez mais reduzidos, o turismo é uma fonte de renda que o governo não pode deixar de considerar.

Texto e foto reproduzidos do Facebook/Linha do Tempo/Siomara Tauster.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 20 de setembro de 2013.

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