Lucilo da Costa Pinto
Por Osmário Santos
Lucilo da Costa Pinto nasceu a 23 de setembro de 1913, em
Olinda, Pernambuco. É filho de Ricardo José da Costa Pinto e Alice Barreto da
Costa Pinto.
Estudou Medicina em Recife e casou já doutorando com Célia
Albuquerque. Por problemas políticos, vivendo a época da ditadura de Vargas, já
formado, sentia a constante presença da polícia na sua vida. Meu pai tinha
consultório na rua da Aurora. Fui para lá, eu recém-formado e a polícia estava
na porta me vigiando. Ia para casa e a polícia na esquina.
Não foi possível sua presença na formatura junto ao grupo de
colegas de turma, nem pôde fazer parte do quadro. Recebeu o diploma na
secretaria da faculdade, tempos depois, pois estava preso na época. Abandonou
sua terra, fugindo das perseguições do Interventor Federal em Pernambuco,
Agamenon Magalhães. Percebendo que ia levar uma vida insustentável, sem poder
fazer nada, aceitou o convite do professor Joaquim Sobral, que mandou a Recife
um emissário para procurar um professor de Química. Chegou em Aracaju em 1939.
Tendo oito filhos do seu casamento com Célia Albuquerque da
Costa Pinto, já falecida, trouxe na época, além da bagagem, a mulher e três
filhos: Rosa, Carlos e Marcos Túlio, recém-nascido. Como precisava sair
urgentemente de Pernambuco, ficou muito satisfeito com o emprego de professor
do Atheneu, recebendo 165.000 réis. Depois passaram para 300.000 réis,
melhoraram. Foi nomeado professor de Química e ensinava pré-Engenharia e
pré-Medicina Química. Era a presença no Atheneu de um professor do mais alto gabarito.
Chegou a ensinar diversas matérias. Ensinei Química no Colégio Tobias Barreto e
no antigo Colégio das Freiras. Como professor do segundo grau, Costa Pinto
lembra fatos importantes da sua vida.
Meu concurso em 1945 foi uma coisa que me marcou profundamente.
Fui enfrentar a banca examinadora para catedrático do Atheneu. Como estávamos
na época da guerra, a luz era cortada. Eu escrevi minha tese com dois
candeeiros de querosene. Não tive dinheiro para imprimir e mimeografei. Tinha
que dar dez volumes ao Atheneu e dinheiro que é bom nada... Então, o professor
Acrísio Cruz me disse: ‘Olha! Eu trabalho numa secretaria que tem um
mimeógrafo. Você que mimeografar?’ Fiz 50 exemplares do meu trabalho intitulado
‘Contribuição ao Estudo da Fisiologia do Timo’ (uma glândula de secreção
interna). Foram oito meses de pesquisa para garantir meu ingresso no concurso e
enfrentar a temida banca julgadora.
Costa Pinto lembra dos professores que enfrentou na banca:
Oscar Nascimento, que foi um dos maiores didatas de Sergipe; professor Alfredo
Montes, Dr. Clóvis Conceição e Dr. Garcia Moreno.
Da época do seu contato com os alunos do Atheneu, lembra um
episódio que envolveu a polícia e os estudantes. Houve uma das greves feitas
pelos alunos e eu, com o meu espírito de político, fiquei do lado dos meninos.
Era Interventor Federal o general Maynard Gomes, que mandou cercar o Atheneu
pela cavalaria da polícia. Eu achei uma afronta fazer isso com os estudantes
secundaristas que estavam liderados pelo Tertuliano Azevedo, hoje figura
política de atuação em Sergipe.
O Tertuliano estava à frente da estudantada, quando percebi
que os investigadores já estavam pulando o muro do Atheneu de revólver na mão.
Eu, então, saí com o professor Abdias e fomos ao palácio fazer o nosso protesto
ao Interventor. Ele nos atendeu e nos disse que não tinha autorizado. Mandou
chamar o chefe da polícia e ordenou a retirada da cavalaria imediatamente.
Voltei com o professor Abdias e prometemos que iríamos trabalhar para acabar a
manifestação. No Atheneu, o professor Abdias fez uma preleção e tudo foi
resolvido a contento. Isso foi para mim um fato histórico e marcante na minha
vida.
Em 1941, montou o seu consultório. Subloquei um consultório
com o Dr. Garcia Moreno no edifício defronte dos Correios e Telégrafos. No
prédio, havia alguns consultórios, o de Dr. Manoel Cardoso, dentista
recém-formado; Dr. Paulo Faro, também recém-formado, Dr. Garcia Moreno e o meu.
Costa Pinto já tinha dois anos em Aracaju e trabalhava, até
então, somente como professor do Atheneu. Seu ingresso na Medicina em Sergipe
foi de suma importância, pois Aracaju já necessitava de um especialista em
Urologia. Não havia urologista com curso de especialidade em Aracaju. Passei
dezessete anos sem ter concorrente e não tenho um tostão ganho em Medicina.
Costa Pinto diz isso, sem nenhuma queixa.
A Medicina, naquela época, era, na verdade, uma supremacia
de sacerdócio. Um ganha pão. O dinheiro era secundário. O exemplo do Dr.
Augusto Leite, o fundador da Medicina em Sergipe. Foi um grande cirurgião e
morreu pobre. Não tinha nada. Tinha uma aposentadoria do Hospital Cirurgia que
dava um conto de réis por mês. Ele tinha bens de família, mas ganho em
Medicina, nada! Tinha uma conta financeira ridícula e quase todos os médicos,
como o D. Juliano Simões, morreram pobre. Fez uma casinha, depois de não sei
quantos anos de especialidade. Em geral, os médicos que tinham posses eram os
que tinham heranças; já eram ricos. Mas os que se formaram pobres, morreram
pobres. Eram um sacerdócio, mesmo!
Uma medicina onde inicialmente o médico atendia ao paciente,
para depois receber o seu honorário e, quando podia receber... Um paciente
chegava e dizia: “Olha, doutor, eu quero saber a sua conta, pois o dinheirinho
que trouxe só deu para pagar o hospital. O seu depois mando”. Quanto pagou de
hospital? “Paguei um conto e quinhentos”. Depois você me manda quinhentos mil
réis... Olha que era um bom dinheiro pois sustentava a família com trezentos
mil réis. E quando recebia? Mas o lado do médico humanista tinha sua
compensação: recebia muitos presentes, principalmente os famosos capões do
interior, bons...
Era uma maneira de o paciente manifestar a sua gratidão
dentro de suas posses. Era muito melhor assim, a gente se sentia muito mais
confortado e realizado, quando tratava um pobre e um mês, dois, um ano depois,
vinha com um capão de presente. A gente não ganhava o dinheiro, mas recebia uma
gratidão eterna. Eu conheço, hoje, gente em Aracaju que operei há quarenta anos
atrás e, quando me encontra na rua, é uma festa.
Não se compara as condições de um centro cirúrgico do
passado com as de hoje. Hoje, a medicina dispõe de aparelhos sofisticados de
anestesia, mas a gente tinha um tal aparelho ombretano, uma máscara pesadíssima
que colocava no rosto do paciente. Não tinha balão de oxigênio, não tinha nada.
Quando o doente ficava um pouco arroxeado com pouco oxigênio, o anestesista
suspendia o aparelho para o doente respirar o ar atmosférico.
O Dr. Costa Pinto conta um dos momentos cruciais em sua
profissão. Eu operei a próstata do pai de um colega meu. Foi a maior próstata
que tirei no Estado de Sergipe, enorme. Aplicamos todos os recursos disponíveis
da Medicina. Então, o doente começou a perder sangue, e tome sangue, tome
sangue e a pressão baixando e a coisa ficou séria. Ao meu lado estava o Dr.
José Augusto Barreto, cardiologista, recém-formado, que atendeu o meu convite
para transfusão, e o cirurgião Fernando Sampaio, já falecido. Uma equipe boa,
que formei para me ajudar nessa operação. Lutamos de nove horas da manhã até às
três horas da madrugada do dia seguinte. Como o doente estava como morto, eu
então cheguei junto da irmã Clara e disse: “Irmã, eu estou cansado e vou deixar
o atestado de óbito assinado”. Ela então disse: “Doutor, o senhor quer se
antecipar a Deus? Se o homem não morrer, doutor?” Para mim, foi uma lição. Fui
para casa. Naquele tempo, morava na rua Siriri. Sete horas da manhã o meu
enfermeiro, o Moreira, bateu à porta. Quando abri, estava o enfermeiro e o
filho mais velho do paciente, que era bancário do Banco do Brasil e os dois
rindo. Eu disse: O que foi que houve? Meu pai mandou chamar. Quer saber se pode
tomar um mingau.
A política já estava presente em sua vida, pois seu pai era
político. Quando chegou em Aracaju, já trouxe a carta de apresentação de um
amigo de Recife que conhecia Walter Franco, irmão do Dr. Augusto Franco.
Tinha um banco aqui na rua da Frente, o Banco Indústria e
Comércio. O Walter Franco, o Zezé Franco, os três irmãos, se não me engano.
Então, fui ao banco, apresentar a carta. Por coincidência, no momento, estava
no banco o Dr. Leandro Maciel. Quando entreguei a carta ao Walter, depois de
ler, ele disse: ‘Leandro, aqui está um pernambucano, médico, veio para ensinar
no Atheneu’. Pois bem, o Dr. Leandro logo fez o convite para eu ir a sua casa.
Como o homem era o chefe político de oposição do Estado, eu fiquei com ele até
a Revolução de 1964 que acabou com os partidos.
Foram mais de vinte anos com a UDN. Costa Pinto conseguiu
uma suplência na Assembléia Legislativa e, por alguns meses, chegou a ser
deputado estadual. Foi candidato a prefeito da capital pela UDN e perdeu para
Godofredo Diniz.
Sendo contra a ditadura, ingressou no MDB. Foi um dos seus
fundadores em Sergipe com ficha de inscrição de número nove. Foi vereador de
Aracaju pelo partido por nove anos e meio. Participou de memoráveis campanhas e
resolveu deixar a política. Acabou a ditadura e eu, então, não queria mais
saber de política. Afastei-me de tudo, pois sempre fiz política por idealismo e
não com interesse.
Um dos comícios mais interessantes foi o realizado em
Propriá. Certa feita em Propriá, num comício, o povo estava de braços cruzados.
O povo de lá é duro para comício. Falaram onze oradores. Um amigo, que era
contrário, da ARENA, disse-me: “Muitos discursos e o povo sem bater palmas. Eu
não falei ainda. Costa, eu reconheço que você é um bom orador popular, mas vou
apostar uma garrafa de whisky como você não arranca as palmas do povo de
Propriá”. E eu apostei. Saí e fui para casa onde estava hospedado. Lá, tinha na
parede uma espada. Perguntei à filha do dono da casa de quem era a espada. Foi
do meu avô que era Guarda Nacional. Pedi a espada e uma toalha de banho e
prometi trazer logo de volta. Quando subi no caminhão que era o palanque,
Oviêdo me disse: “que armada Costa Pinto está aprontando? O que é esse negócio
enrolado na toalha?” Eu, calado. Quando chegou a minha vez, uma hora da manhã,
para encerrar o comício, o locutor Jaime Araújo passou o microfone. Pedi para
ele segurá-lo, peguei a espada e apontei para o povo e gritei: Eis o símbolo da
revolução que nos tortura. Foi um delírio.
Costa Pinto atuou na Educação, na Medicina e na Política,
além de trabalhar na Igreja Católica. Chegou a ser o orador, em nome do clero
sergipano, para saudar o bispo D. Fernando Gomes na sua chegada, para tomar
posse na Diocese de Aracaju. É um pai de grande dedicação aos filhos, netos e
bisnetos.
Sou um homem realizado. Até com os meus fracassos. Caio,
levanto-me, vou adiante. Não deixo de comprar uma coisa para guardar dinheiro.
Não sou daquele tipo de pessoa que vê um queijo, tem vontade de comer e guarda
o dinheiro. Quem guarda com fome, o rato come, não é?
Lucilo da Costa Pinto faleceu em 01 de fevereiro de 1995.
Texto publicado no Jornal da Cidade em 30/09/2013.
Foto e texto reproduzidos do site: osmario.com.br
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 30 de setembro de 2013.
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