Publicação de 6 de novembro de 2009.
O jornalista e contista Célio Nunes
Por GILFRANCISCO*
Foi durante a realização do V Fórum de Poesia, em outubro de
1993, onde apresentei uma comunicação sobre Vladimir Maiakóvski (1893-1930),
que conheci pessoalmente Célio Nunes, apresentado pelo jornalista Paulo Afonso
Cardoso da Silva, época em que era diretor de redação do extinto Jornal da
Manhã (hoje Correio de Sergipe), cujas páginas abrigou o suplemento cultural
Arte & Palavra (1990-1993), por ele idealizado.
Célio Nunes da Silva nasceu a 11 de outubro de 1938 em
Aracaju, filho de José Nunes da Silva e Júlia Canna Brasil e Silva, fez seus
estudos nesta capital, primeiramente no grupo General Valadão e depois no
colégio Atheneu Sergipense. Seu pai, operário gráfico, de jornais e da Escola Industrial
(antiga Escola Técnica), foi lider classista, desde á década de 20, ligado ao
movimento comunista e ao Centro Operário Sergipano, onde fervia todo o
movimento operário sindical, inclusive com passeatas, greves e edições de
jornais. Por isso foi preso em 1935, pelo Interventor Eronides de Carvalho,
voltando a ser processado pelo golpe militar de 1964.
Aos 22 anos de idade foi residir na Bahia, em Salvador e em
Itabuna, região Sul, onde morou por mais de uma década, exercendo o jornalismo
profissional - foi repórter, redator e correspondente no Sul da Bahia dos
jornais: Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia e A Tarde;- trabalhou em jornais de
Itabuna e Ilhéus - e exerceu funções públicas no Estado da Bahia, entre as
quais Diretor da Divisão de Cultura da Prefeitura de Itabuna e Diretor da
Câmara Municipal de Itabuna. Célio Nunes participou ativamente do movimento
cultural do Sul da Bahia, inclusive do movimento de Teatro Amador. Teve
publicados trabalhos literários, principalmente, contos, em jornais, revistas e
coletâneas na Bahia: Conto 2, Itabuna, 1967 e Moderno Conto da Região Cacaueira
(org.) Telmo Padilha (1930-1997), 1978.
Em 1972 retornou a Sergipe, trabalhando na impressa e no
serviço público. Foi incluído nas antologias, Contos e Contistas Sergipanos
(org.) Núbia Marques (1929-1999 ), 1972; e Prosa Sergipana (org.) José Olyntho
e Márcia Maria, 1992. Em 1980, publica Trajetória para a Ilha dos Encantados,
Aracaju, Edições Desencanto, 94 pp., em que reúne contos produzidos entre 1965
e fim dos anos setenta, segundo ele, “ Elaborados em várias épocas, não sei se
apresentam algo característico/individual que permaneça implícito na minha saga
no mundo da ficção. Desde cedo que escrevo, coloco na gaveta, retomo idéias,
grande parte de trabalhos abandono, renego, rasgo, perco, outra parte guardo
como significação apenas de um momento, lado afetivo/sentimental; a angústia
existencial, os caminhos e descaminhos, o pré-auto-jugamento, são obstáculos na
decisão de divulgar o que às vezes considero sem significação”.
Naquele tempo de dispersão e oportunismo, o contista Célio
Nunes é um dos que reagiram e optaram pela transgressão da linguagem, com um
espírito requintado, carregado pelo fetiche da arte de narrar. Com a publicação
de Réquiem para José Eleutério (abas de Léo A. Mittaraquis), Aracaju, Funcaju,
224 pp, 2000, Célio Nunes parece assumir, de uma vez por todas, a magia de
transformar palavras em imagens, imagens em vivências capazes de impressionar
profundamente o leitor. Não é preciso avançar muito em sua leitura para que a
essência da obra se revele. Os contos de Réquiem para José Eleutério (quinze
contos e uma novela), possuem uma homogeneidade de concepção que os situa numa
mesma pauta e num mesmo ritmo de realização formal.
Célio Nunes, finalmente, retoma a sua trilha, na
perplexidade da sua caminhada entre desencontros, mistérios e indagações, com a
determinação única de contar histórias e com a convicção de que não está
sozinho, pois necessita dividir suas angústias, desilusões e ilusões. Tendo como
matéria-prima, o dia-a-dia, Célio Nunes o transforma em seus contos de maneira
magistral, extraindo do cotidiano o humor, o drama, a ironia, o lirismo, a
luta, o sonho humano, o brilho das ilusões, o agudo, mistério dos encontros e
os caminhos que se cruzam e entrecruzam.
O contista Célio Nunes, como uma energia da natureza, cuja
voz é a própria matéria germinal do universo, consegue em seus contos ilustrar
com clareza seu pensamento, procedendo por um preciso esquema de montagem, para
chegar à demonstração do que é ser um bom contista, entregando ao leitor uma
valiosa contribuição na leitura daquilo que acontece. Como ficcionista, Célio
Nunes nos dá mostras de profundo conhecimento da matéria e de incomum e lúcida
capacidade de penetração, quanto a forma, ao processo da narrativa e à
construção de idéias.
Escritor singular tanto na inventividade quanto na armação
plástica de cada conto, Célio Nunes utiliza-se de uma linguagem enxuta,
estilizada, incensurável que sobrevem como uma resultante desse fluxo poético
que valoriza definitivamente sua narrativa. Apesar de todos seus vaivéns, e
ainda com todas suas contradições, é um dos poucos nomes mais significativos,
tanto por sua qualidade própria, como por sua influência, no conto das últimas
décadas nas letras sergipanas, embora mantendo-se relativamente à margem desse
processo. Por isso sua contribuição é mais difícil de reconhecer, o que não
implica seja menos poderosa e atuante ao longo dos anos.
Outro aspecto que destaca o contista Célio Nunes é que está
sempre de olhos bem abertos, fala dos intricados caminhos das relações humanas;
as palavras têm a generosidade e o desespero de se darem a ver, a sentir, tudo
aqui e agora, em perfeita sintonia com a visualidade do nosso tempo.
É preciso remarcar ainda a presença de uma linguagem
amadurecida e forte, a boa capacidade de fabulação, que dão a esperança de que
Célio Nunes tenha mais coisas para nos oferecer. Em 2005, publicou mais outro
de contos; O Diário de W. J. e outras histórias. O conjunto de sua obra foi
saudado pela crítica especializada, comprovando o talento deste que é hoje um
dos mais importantes autores sergipanos. Como cronista literário, através da
coluna "De 7 Em 7", atuou no jornal semanário, Cinform, entre os anos
de 2005 e 2006.
Microcontos
Levado pelos amigos Paulo Afonso Cardoso e Wagner Ribeiro
que insistiam na publicação do livro Microcontos, Célio Nunes, juntamente com o
filho e também jornalista Claudio Nunes, procurou o diretor-presidente da
Segrase - Serviços Gráficos de Sergipe, Luiz Eduardo Oliva, para viabilizar a
edição através da Editora do Diário Oficial. Acertada a parceria e iniciada a
editoração, fomos surpreendidos com a morte súbita do autor.
Experimentalista de grande humor e criatividade literária,
Célio Nunes é o autor de reconhecida literariedade. Em Microcontos, demonstra
mais uma vez seu talento de contista, exibindo uma técnica narrativa muito
moderna, numa ficção altamente criativa, para atingir a técnica mais apurada do
contador de casos, escrevendo em estilo desenvolto e preciso. Cada conto de
Célio Nunes é uma metáfora do real, parte sempre da realidade concreta e a
transfigura: partindo de um simples episódio, constrói o seu micromundo
ficcional, captando pedaços de vida, aspectos escondidos da realidade, um olhar
quase oculto, um rosto, um segredo, um silêncio.
Em Microcontos, o contista megulha em si mesma, numa
sondagem da próprio intimidade, uma literatura composta numa linguagem
abrandada e doce, como se desejasse penetrar no interior das coisas. Nesse mais
recente trabalho procurou a transcedência - o lugar de todos os tempos, fora do
tempo, o único espaço que escapa à morte. Nestes anos de atividade intelectual
Célio Nunes publicou. além dos quatro livros de contos, centenas de artigos
literários, cuja a diversidade e engajamento formam as duas características que
mais ressaltam em sua obra. Como poucos deu a sua obra um caráter empenhador
procurando sempre atribuir-lhe uma função, seja do ponto de vista político,
seja do ponto de vista estético cultural. Assim, Célio Nunes firmou sua fama de
excelente contista. Sobre o livro, diz Plinio Aguiar "o que o escritor
sergipano Célio Nunes chama de mocrocontos configura-se como um texto com
poucas linhas, dosado com alta densidade ficcional e, como característica
peculiar de sua prosa, enveredando pelo insólito, buscando surpreender sempre o
leitor".
Falecimento
O jornalista e contista Célio Nunes morreu no final da manhã
de 13 de agosto de 2009 em sua residência, à rua Carlos Burlamarqui, vítima de
infarto agudo do miocárdio, aos 72 anos. Seu corpo foi velado na Osaf e o
sepultamento realizado às 10 horas do dia seguinte no cemitério Santa Isabel.
Simples, amigo de todos e amante da cultura sergipana, Célio Nunes iniciou-se
no jornalismo nos fins dos anos 50, no seminário Folha Popular, órgão do
Partido Comunista. Integrante da União da Juventude Comunista e do PCB, em 1959
vai para Salvador para concretizar o sonho de ser jornalista. Trabalha no
Jornal da Bahia, depois na Tribuna da Bahia,mas fixa residência durante 13 anos
em Itabuna, onde residia seu irmão, o poeta e também jornalista, Hélio Nunes,
proprietário de uma pequena gráfica, onde editava o Jornal de Notícias. Além de
desempenhar suas funções de jornalista no Diário de Itabuna e nos tablóides
Desfile, Flâmula e SB Informações & Negócios. Em Ilhéus, teve passagem pelo
Diário da Tarde e Correio de Ilhéus, dedicou-se a atividades culturais na
região: diretor da Secretaria da Câmara de Itabuna e diretor do Departamento de
Cultural da Prefeitura. Em 1964 durante o regime militar, ainda residindo em
Itabuna foi preso pelo Exército por apoiar as Ligas Camponesas na invasão à
cidade de Belmonte.
Retornando a Salvador em 1972, cursa os primeiros semestres
do curso de jornalismo da Universidade Federal da Bahia – UFBA, registrado como
jornalista profissional conforme lei de regulamentação de 1971, abandona o
curso. Retornando a Aracaju, foi assessor de imprensa do antigo Condese e
depois da Secretaria de Planejamento onde se aposentou. Trabalhou ainda na
Gazeta de Sergipe (redator), Jornal da Cidade (redator e editor); e no Jornal
da Manhã (redator, editor e diretor geral), onde criou o suplemento cultural
Arte & Palavras que marcou sua passagem no cenário literário, divulgando
poetas e escritores sergipanos, que não dispunham de maiores espaços nos
jornais diários.
Fundador do Sindicato dos Jornalistas de Sergipe, do qual
foi presidente por suas vezes; membro da direção da Federação Nacional dos
Jornalistas; Presidente da ASI – Associação Sergipana de Imprensa; chefe da
Assessoria de Comunicação da UFS; Membro do Conselho Estadual de Cultura;
Diretor-Presidente da Segrase – Serviços Gráficos de Sergipe. Publicou quatro
livros de contos: Contos (1963); Trajetória para a Ilha dos Encantados (1980);
Réquiem para José Eleutério (2000); O Diário de J.W. E outras Histórias (2005).
*GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luiz
de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Foto e texto reproduzidos do blog:
sergipeeducacaoecultura.blogspot
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 26 de setembro de 2013.
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