Infonet - Blog Lúcio Prado - 05/01/2007.
A Morte de Dr. Sobral.
Por Lúcio Antônio Prado Dias.
Não foi um bom início de ano. Perdemos logo no dia 3 de
janeiro o médico José Sobral. Ele foi um dos mais representativos nomes da
medicina de Sergipe nas últimas décadas, na especialidade que escolheu: a
ortopedia e traumatologia.
De temperamento afirmativo, não deixava para depois o que
incomodava o seu coração. De uma bondade profunda, não era de guardar mágoas e
ressentimentos. De espírito bonachão e risada marcante, bem de acordo com o seu
biotipo, era também de uma seriedade exemplar quando o momento assim o exigia.
Certa feita, na função de superintendente do antigo INAMPS,
na década de 70, enfrentou alguns colegas no que costumava chamar de “furor
cirúrgico”, corrigindo distorções na autorização de guias para tratamento
operatório. Um colega seu foi então reclamar dos cortes que estavam sendo
processados em suas guias, que isso era um absurdo, um excesso de rigor na
análise por parte da perícia. Ele de pronto rebateu: “você esqueceu que eu sou
o seu auxiliar nesses procedimentos?” O colega retirou-se sem ter o que
contra-argumentar. Era assim José Sobral, austero e correto nas suas ações e
atos administrativos.
Nascido em Frei Paulo em 20 de junho de 1930, filho de
Manuel Sobral e Maria Ramos Sobral, fez sua formação educacional básica no
Colégio Tobias Barreto e o secundário no Atheneu Sergipense. À noite, cursava
ainda a Escola de Comércio. Optou por fazer medicina e em 1950 seguiu para
Salvador onde se graduou em 1955 pela vetusta Faculdade de Medicina da Bahia,
no Terreiro de Jesus. Já no segundo ano da faculdade, passando férias em
Aracaju, comparecia ao ambulatório do Pronto Socorro do Hospital de Cirurgia
como observador. Conheceu então Osvaldo de Souza e Francisco Bragança, que
atuavam na área de ortopedia e que o estimularam a trilhar o caminho da
especialidade. Em Salvador, ainda por interferência deles, estagiou no melhor
serviço de ortopedia da Bahia, chefiado pelo saudoso professor Benjamim da
Rocha Sales e seus digníssimos auxiliares, dos quais se destacava a figura de
Fernando Filgueiras, tido na época como o melhor cirurgião da “Boa Terra”.
Logo após a formatura, regressou a Aracaju, antes porém
atuando por breve período em Itabaiana. Ingressou no corpo clínico do Hospital
de Cirurgia ao lado de Bragança e O.Souza, compondo a primeira equipe realmente
especializada em ortopedia e traumatologia do Estado. Depois se transferiu para
o Hospital Santa Isabel, onde permaneceu até encerrar suas atividades
profissionais. No Santa Isabel, Dr.Sobral montou seu consultório na área do
pequeno ambulatório que funcionava no anexo do laboratório, que possuía três
salas. A maior, logo na entrada, foi toda montada por ele. Foi o seu único e
definitivo recinto, o consultório ortopédico onde atendia aos seus inúmeros
clientes. Ao lado, havia o consultório da oftalmologia, ocupado por Álvaro
Santana e Antonio Carlos, e no menor, funcionava o serviço de
gastroenterologia, inicialmente ocupado por Wellington Ribeiro e depois por mim
e Marcos Prado, onde fazíamos os exames proctológicos. Durante vários anos, tivemos
uma convivência diuturna e fraterna nesse pequeno espaço da vida. Foi ali que
aprendi a admirá-lo, ao ouvir suas histórias e aconselhamentos. Durante mais de
20 anos, a ortopedia de Sergipe esteve nas mãos dos três esculápios, somente
mais tarde foram chegando os novos como Marcelo Villasboas e outros. Então
falar de ortopedia em Sergipe nessas décadas era falar de Bragança, Osvaldo e
Sobral, sendo que os dois últimos foram os primeiros professores da disciplina
na nossa Faculdade de Medicina fundada em 1961, Sobral auxiliando O.Souza.
Bragança comandou a disciplina de cirurgia. Idealistas e humanitários,
ensinaram de graça, sem nada receber, por dois anos. Por suas mãos e
ensinamentos, formou-se toda uma geração de ortopedistas. Ingressou nos quadros
do antigo IAPI no setor de perícias e prosseguiu assumindo diversas funções no
órgão e acompanhando suas diversas transformações ao longo do tempo, até se
aposentar.
Comentava-se muito à época que existia uma rivalidade entre
ele e Osvaldo, uma rixa antiga, ressentimentos e mágoas. Pura conversa. Eram
dois profissionais que tinham seus estilos próprios mas ambos com a mesma e
sólida formação moral. Quando o Departamento de Medicina da nossa Universidade,
sob o comando de Fernandinho Maynard, promoveu uma série de homenagens aos seus
professores pioneiros na ortopedia e cirurgia, coube a Sobral fazer a saudação
a Osvaldo, numa bela peça de oratória que revelou o seu lado humano e grande
preparo cultural e científico.
Em 1958 José Sobral casou-se com Dona Maria Quitéria Fontes
Sobral e teve 2 filhos, Sérgio José Fontes Sobral, nascido em 1962, analista de
sistemas e Mércia Maria Fontes Sobral de Oliveira, em 1965.
Nas horas de lazer, preenchia o seu tempo com a música e o
cinema, de preferência no recesso de seu lar ao lado da sua querida esposa.
Quando instalamos o Cineclube da Sociedade Médica, em 1995, 1996, não sei bem,
ele foi um dos seus mais assíduos freqüentadores e sempre me indicava títulos
para serem exibidos.
O que guardo na memória de Sobral é a sua simplicidade e
generosidade, de um ente despojado de vaidade e inveja, estando presente para
ajudar ou colaborar com todos, um amigo dos amigos, valorizando quem devia ser
valorizado e criticando que deveria ser criticado, participando enfim da boa luta.
Confidenciou-me a sua querida e única irmã, a Sra.Josefa
Sobral que, quando do correr da aposentadoria, em função do afastamento de suas
atividades e do convívio com os colegas, ele comentava abatido que não tinha
mais amigos, que não teria sido um vencedor por não ter acumulado riquezas.
Ledo engano. Não só tinha amigos, possuía admiradores. Não acumulou fortuna
financeira, mas sim um patrimônio moral intangível. Milhares de pessoas
encontraram em suas mãos a cura de suas doenças e o lenitivo para os seus
males. Nós que convivemos mais de perto e principalmente essas pessoas, que se
beneficiaram com sua conduta, sempre guardarão na memória o seu exemplo de
vida. Sobral se foi, mas deixa um legado de realizações em prol da medicina de
Sergipe.
Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br/lucioprado
Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 24 de março de 2015.
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