Publicado originalmente no site agencia.se, em 13 de Julho
de 2015.
Renda Irlandesa: tradição e delicadeza fizeram Divina
Pastora conhecida no mundo.
Em 2008, o modo de fazer renda irlandesa, tendo como
referência este ofício em Divina Pastora, foi incluído no Livro de Registro dos
Saberes Nacional e reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Fernanda Carvalho, repórter da ASN
No transpassar da agulha o desenho previamente riscado, aos
poucos, vai ganhando forma. Primeiro, costura-se no papel o lacê (um tipo de
fita), que será o contorno da renda, depois cada espaço vazio do desenho vai
sendo preenchido. Pelas mãos das mulheres de Divina Pastora a renda irlandesa
vai se transformando em produtos que encantam pela delicadeza e perfeccionismo.
Um movimento que se repete no dia a dia das mulheres do município, distante 39
km de Aracaju, há mais de um século, uma técnica única que,em 2008, teve o seu
modo de fazer incluído no Livro de Registro dos Saberes Nacional e reconhecido
como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan).
São blusas, coletes, bolsas, passadeiras, panos de bandeja,
porta copos, sapatinhos para recém-nascidos, colares, golas, vestidos, cintos,
brincos e outras diversidades de peças de acordo com a imaginação da rendeira
ou a solicitação do cliente.
A renda irlandesa é baseada na técnica de renda de agulha e
fitilho. O diferencial da técnica difundida pelas mulheres de Divina Pastora é
justamente a substituição do fitilho por um cordão achatado, o lacê, o que
confere ao produto final características próprias, onde a textura, o brilho, o
relevo e as sinuosidades dos desenhos se combinam de modo especial, resultando
numa renda original e sofisticada.
O trabalho é minucioso, uma única peça, por exemplo, de
aproximadamente 80 cm x 40 cm pode levar de dois a três meses para ser
finalizada.“Vai depender da peça, há algum tempo fizemos um vestido de
casamento que ocupou oito rendeiras e levou seis meses para ficar pronto”,
exemplifica a presidente da Associação para o Desenvolvimento da Renda
Irlandesa de Divina Pastora (Asderen), Adriana Lima.
Atualmente, no município mais de 200 mulheres complementam a
renda familiar com as vendas das peças produzidas com a renda irlandesa. A
média de faturamento mensal individual com a atividade é de R$ 300. “Destas 200
mulheres, 80 são associadas, mas apenas 40 frequentam a sede regularmente”,
explica a presidente.
Colecionadora de títulos e premiações, a renda irlandesa
ganhou, em 2011, o Prêmio Sebrae TOP 100 de Artesanato, configurando entre os
melhores produtos artesanais do país. Já em 2013, as integrantes da Asderen
receberam o Selo de Identificação Geográfica emitido pelo Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI), agregando valora renda irlandesa de Divina
Pastora pela garantia de qualidade e autenticidade do produto.
Arte que passa de mãe para filha
Assim como a maioria das mulheres do município, Adriana
aprendeu a fazer a renda com a mãe, aos 9 anos. “No início não queria aprender,
mas precisava ajudar a minha mãe para completar a renda da família e foi com o
dinheiro da renda irlandesa que consegui comprar meu enxoval quando fiquei
grávida aos 16 anos. Depois comecei a gostar e a fazer por gosto e hoje sou
muito feliz por fazer o que faço. Nove pessoas da minha família fazem a renda.
Minha filha também aprendeu a fazer aos 9 anos, hoje ela tem 19 e mesmo
cursando Direito ainda faz, quando tem tempo, para ganhar o dinheirinho dela”,
diz a presidente da Asderen.
Aos 69 anos, Dona Maria Josefina, mãe de Adriana, ainda faz
a renda irlandesa. Segundo a filha, foi com esse dinheiro que ela pagou, por um
ano, o curso de Letras iniciado por Adriana. “Minha família sempre foi uma das
que mais tirava dinheiro com a venda das peças”.
Maria Marcelino Gomes, também aprendeu a arte com a sua mãe,
Ana Rosa Gomes. “Hoje minha mãe está com 90 anos e não faz mais a renda, porque
perdeu a visão, mas até uns 70 anos ela ainda fazia. Ela aprendeu a fazer a
renda com Dona Sinhá e eu aprendi com ela, aos 10 anos, em uma tira de pano e
com novelo de linha. Minha família plantava cana, e minha mãe quando chegava, à
noite, fazia as peças para completar a renda da casa. Eu comecei a fazer para
me manter, comprar meus cadernos, minhas coisas, e já cheguei a tirar até R$
600 em um mês”, recorda a artesã.
Conhecida na cidade como Cilinha, Adelcília Carvalho, também
aprendeu a técnica com a sua mãe, Maria Alaíde, mais conhecida como Dona Zú, de
quem a filha fala com orgulho. “Minha mãe já representou a renda de Divina
Pastora em vários lugares do Brasil e do mundo. Em 2008 ela foi a Córboba, na
Argentina, e ganhou um prêmio de melhor artesanato ao concorrer com artesãos de
45 países que tinham que produzir uma peça ao vivo em até cinco horas. Hoje
minha mãe está com 62 anos e não borda mais, mas ainda faz os desenhos para a
gente bordar. Minha mãe aprendeu o ofício com minha avó, que hoje tem 93 anos,
e eu aprendi com ela e me aperfeiçoei com Dona Alzira, que foi com quem aprendi
a fazer pontos diferentes”.
História
Estima-se que a história da renda irlandesa teve início por
volta do século XV, na Europa. Quando o bordado estava se tornando repetitivo,
houve inovação por parte das artesãs medievais, que começaram a alterar a forma
de fazê-los, levando à descoberta da renda de agulha. Foi na Itália que surgiu,
além de outras rendas, a irlandesa, que apesar de ser assim chamada foi
repassada pelas missionárias da Itália às missionárias da Irlanda, que
posteriormente chegaram ao Brasil e difundiram a técnica em Divina Pastora.
Há algumas versões de como a técnica realmente chegou a
Divina Pastora. Uma das rendeiras mais reconhecidas da cidade, Dona Alzira, 66
anos, conta que a técnica chegou a Divina Pastora, hámais de um século, através
de freiras irlandesas que chegaram ao município para ensinar catequese. “As
freiras ensinaram a técnica a Dona Juli, que era dona de Engenho. Dona Maroca,
que era minha tia, trabalhava na casa de Dona Juli e aprendeu com ela. Dona
Maroca ensinou às irmãs, entre elas Dona Sinhá, também minha tia, que ensinou a
outras meninas da família, entre as quais minha prima Lourdes que foi com que
aprendi a fazer a renda irlandesa”, explica.
A versão de Dona Alzira se assemelha a do estudo ‘Modo de
Fazer Renda Irlandesa tendo como Referência este Ofício em Divina Pastora –
SE’, publicado pelo Centro de Estudos da Cultura Ancestral Brasileira e
Associação de Capoeira Lenço de Seda – Lenço de Seda/Cecab na plataforma
Scribd. “Está registrada por Lourdes Cedran, num catálogo de exposição que se
constitui talvez no mais antigo registro bibliográfico sobre a renda irlandesa
em Divina Pastora, atingindo público mais amplo. Com base em depoimentos das
rendeiras colhidos no final da década de 70, escreveu: Fomos informados de que
a pessoa que introduziu a renda irlandesa em Sergipe foi Da. Ana Rolemberg, já
falecida, que a aprendeu com Da. Violeta Sayão Dantas e a ensinou a
JúliaFranco. Esta, por sua vez, a transmitiu a Marocas, Ercília, e Sinhá. Estas
últimas trêsmulheres, já beirando os oitenta anos, ensinam até hoje o ofício da
renda a quase todas asoutras artesãs de Divina Pastora(Cedran, 1979)”.
Diversidade
Dona Alzira, que hoje é responsável pelo design do material
produzido pela Asderen, também ensinou a técnica às suas filhas. “Aprendi com
12 anos, porque o meu pai disse que já que a gente não queria nada com os
estudos iria ter que aprender a bordar ou trabalhar no canavial. Criei seis
filhos com a ajuda do dinheiro que faço com a renda irlandesa, porque o ganho
do marido era pouco e eu tinha que ajudar. Agora só paro se perder a vista ou
Deus me chamar”.
A artesã deu sua contribuição à técnica também ao criar
alguns dos diversos pontos existentes hoje, como o ponto corrente. “A minha
inspiração é a minha imaginação, eu vejo uma coisa bonita e já quero trazer
para renda”, conta Dona Alzira.
De acordo com as rendeiras da Asderen, hoje há mais de
trinta pontos para confecção da renda irlandesa. Cinco são os tradicionais,
cocada, barreto e picô, aranha, rendinha e ilhós. Os outros foram surgindo ao
longo dos anos pela criatividade das rendeiras, entre eles,boca de sapo,
abacaxi, dente de jegue, arainha, ponto pera, sianinha, tijolinho, espinha de
peixe, entre outros.
Dona Alzira se sente orgulhosa pelo trabalho que faz e
propaga. “Já ensinei mais de 100 meninas, e gosto muito do que faço. A gente se
sente feliz em passar o modo de fazer renda irlandesa de Divina Pastora para as
novas gerações, para a tradição não acabar, para que seja sempre continuada.
Tem uma senhora do Rio de Janeiro que quando vem visitar a família em Itabaiana
vai na minha casa para que eu ensine a renda irlandesa a ela e isso orgulha
muito a gente, em saber que o Brasil inteiro passou a conhecer nosso município,
Divina Pastora, pela renda irlandesa e o trabalho que fazemos”.
Para Dona Alzira, quem deseja aprender o modo de fazer a
renda irlandesa precisa de muita atenção, obedecer quem está ensinando para
fazer certinho e paciência. “ Nossa renda se destaca porque é mais bem feita,
porque a gente gosta e faz com amor. Sempre cobro das mais novas para fazerem
tudo bem feito, porque nossa renda já está conhecida, então elas têm que se
dedicar mais e sempre se aperfeiçoar. A gente não pensa só em dinheiro, a gente
quer ver a costura bem feita, para que todos reconheçam como nossas peças são
bonitas e bem feitas, e continue a nos orgulhar”, resume a tradicional artesã.
A tradicional renda irlandesa pode ser encontrada em Aracaju
nos Centro de Arte e Cultura J.Inácio, na Orla; no Centro de Turismo, próximo a
Catedral Metropolitana; na Rua do Turista, antiga Rua 24 horas, no Centro e em
exposições periódicas nos shoppings da capital.
A Associação recebe o apoio da Secretaria de Estado da
Mulher, Inclusão e Assistência Social, do Trabalho e Humanos – Seidh, através
do Núcleo de Apoio ao Trabalho (NAT), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae), da Prefeitura Municipal de Divina Pastora e do
Iphan no trabalho de divulgação da renda irlandesa em eventos no estado, no
país e no mundo.
Texto e fotos reproduzidos do site: agencia.se.gov.br
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 14 de julho de 2015.
FANTÁSTICO
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