Caríssimos, disponibilizem um tempinho e leiam o texto a
seguir, até o seu final.
Saudades da Casa Amarela.
Por ângelo Maurício Torres.
Residência do clã dos “TORRES”, Praça Deputado Antônio
Torres Júniornº 84, em Canhoba –Se. Canhoba, que significa “folhas escondidas”.
Era uma casa comum de tijolo batido. Sua primeira reforma aconteceu em 1935,
como se lê no seu frontispício.Para “Curral de Barro”, nome original da
povoação, chegou Manoel José da Rocha Torres e sua esposa, Maria Perpétua,
trazendo os seus dez filhos. Um dos seus netos, Marcelino da Rocha Torres,
tornou-se o pai de Antônio Torres Neto, o futuro patriarca dessa família já
citada. Antonio Torres Neto casou-se com uma jovem propriaense chamada Leonida
Souza que, pelo matrimônio, denominou-se Leonida de Souza Torres,
carinhosamente conhecida como Beata. Juntos escolheram a CASA AMARELA para seu
lar. Ali nasceram os seus doze filhos. Criaram-se nove: Delorizano, Aldemira,
Mirabel, Antônio, Maria Auxiliadora, Ida, Jacob, Jobe Arquibaldo, todos já
falecidos, à exceção de Ida,hoje octogenária. Em 1976, aconteceu a segunda e
última reforma do casarão. Foi trocado todo piso, feita uma cozinha mais
moderna, sem contudo, alterar as estruturas interna e externa. Permanece o
mesmo mobiliário. SAUDADES. SAUDADES da nossa infância quando para lá íamos em
férias, no carro do nosso pai um DKV – Vemag vermelho de placa 072. Quando da
nossa chegada à cidade, o amigo da família José de Jessé anunciava no
auto-falante da prefeitura: ”o deputado Torres Júnior e sua família chegaram ao
Canhoba”. Então colocava música e era uma verdadeira festa. Um tio de meu pai
de nome Florisvaldo da Rocha Torres, cognomidade Caretinha, gritava: “Zé, põe para
tocar “Fim de Festa” de Luis Gonzaga, que Toinho gosta”. Na calçada da casa já
estavam sentados, a nos esperar,nosso primo Anacleto,companheiro de
brincadeiras e aventuras. SAUDADES.Era um entra e sai de amigos, primos,
compadres,a exemplo de José Rozendo e Maria Amélia, Lau e Laudiceia, Nozinho e
Conceição, Cândido e Terezinha, Leôncio e Eleonora, Ailton e Eutêmia, Miguel de
Carlota, Amândio e Raimunda, e tantos outros. Casa cheia, mesa
farta.SAUDADES.Saudades das nossas cavalgadas para as fazendas Rancho de Canoa,
Gravatá, Chanchão,Valadão, Lagoa da Mata, Lagoa Salgada. SAUDADES da voz forte
de nosso avô chamando o compadre Manoel Macola, Zé do Boi, Messias de Ozório,
João Pequeno, Antônio Carreiro. “João Pequeno, traga amanhã cedo quatro cavalos
para meus netos Angela, Angelo, Anacleto e o amigo deles Zé Preto”– ordenava
nosso avô. SAUDADES de Antônio Carreiro, que preparava o carro de bois para
nossos passeios em grupo.Carro de bois puxado por três parelhas de animais de
primeiríssima, sob o comando do velho e habilidoso Antônio Carreiro no ofício
de conduzir os seus animais. No carnaval de 1966, desfilamos nas ruas nesse
mesmo carro de bois, todo ornado para a ocasião. SAUDADES das festas do Santo
Cruzeiro, das procissões, das barraquinhas de comidas típicas, das cabacinhas
(feitas de cera de vela e cheias de água que, quando arremessadas em alguém
explodiam molhando o atingido). SAUDADES das festas juninas e seus folguedos,
das fogueiras, do milho cosido quentinho. SAUDADES das festas natalinas, com seus
ritos e tradições. Ano Novo. SAUDADES dos banhos nas lagoas formadas pelas
enchentes periódicas do rio São Francisco, de chupar Jaboticaba na serra, de
caçar rolinhas, dos passeios a cavalo na garupa de tio Job em seu cavalo “Pão
de Açúcar”, - vale informar que foi Cícero Gomes de Melo , o Cícero Buraqueiro,
que me ensinou a cavalgar. SAUDADES de passear no JEEP Azul do tio Job, das
comidas que tia Ana Maria (esposa de Job) fazia, e de assistir tio Arquibaldo
tocar zabumba em frente à Igreja Matriz. Das conversas e histórias contadas
pelo nosso avô na calçada da igreja a respeito de suas sua façanhas no
Amazonas; e compadre Manoel Macola confirmando tudo. O velho contava a historia
e depois falava: “é verdade, compadre?” O compadre só tinha a responder:
“verdade, compadre”. Oh! Que saudades da mãe preta, à noitinha, sentada ao pé
do Santo Cruzeiro, aguardando a meninada para ouvir as suas estórias de
trancoso, fantasmagóricas e sobrenaturais. Mostrava-nos lá nas colinas o “fogo
corredor”, que dizia ser as almas de dois compadres lutando.SAUDADES das
broncas de nossa avó Beata quando entrávamos na cozinha enquanto ela fazia doce
de leite de bolotas. “- Saiam daqui meninos, se não o doce desanda”.Chamava
suas serviçais Beta, Vanda e Leuzina,e dizia: “ - não deixem esses meninos
entrarem na cozinha. Quando o doce estiver pronto, sirvo a eles com queijo”.
Uma saudade, no entanto, de nunca tê-la visto tocar o seu violino, que ficou
esquecido por conta dos seus muitos afazeres domésticos. SAUDADES da mesa farta
no café da manhã, no almoço e na janta. Quem chegasse comia a qualquer
hora.Chegava uma visita e falava: “ - Seu Antônio, quero falar com o senhor”. O
velho respondia: “ - primeiro, senta aí e come. Amigo meu não sai daqui com o
bucho vazio. Depois tratamos de negócio”. SAUDADES de presenciar todas as
manhãs,ao chegar o leite das fazendas, a nossa avó sentada no seu banquinho, no
depósito ao lado do casarão, vendendo, dentro da sua cota, doando leite.
Dinheiro em uma caixinha e leite fresquinho nos vasos ou panelas das pessoas
que lá chegavam. Presenciei uma cena muito forte e humana por parte de nossa
avó. Entrou uma criança, e falou bem perto dela:“- meu pai falou que hoje não
tem dinheiro.A senhora me dá um copo de leite?” De imediato ela exclamou: “ - João
Pequeno, me traga uma vasilha de quatro litros”. Imediatamente foi atendida.
Ali ela colocou o leite, e solicitou ao João Pequeno que levasse o leite e a
criança em casa. “ - Diga ao pai dela que quando não tiver dinheiro pode vir
buscar o leite de seus filhos.” SAUDADES do galinheiro de vó Beata. Num grande
terreiro, cágados, galinhas, guinés, perus.Os porcos, ficavam num espaço
especial – todo cimentado, mostrando o seu zelo pela limpeza. O jardim florido,
com girassóis, roseiras, jasmins, tipo um jardim de inverno, que contemplávamos
da sala de jantar. Num outro espaço mais adiante, goiabeira, limoeiro,
pimenteira, mangueira.E nas janelas, as moringas de argila cheias d’água a fim
de receberem o sereno da noite e pela manhã, dela bebermos geladinha. Tudo
isso, à luz dos fifós e lamparinas.Depois, SAUDADES do apagar das luzes a
motor. Janeiro de 1968, fifós e lamparinas deram lugar à luz elétrica.
Concretizava-se o sonho do nosso pai, Antônio Torres Júnior, de eletrificar a
sua querida Canhoba. Muita gente, a população canhobense, o governador de
Sergipe, Lourival Baptista e a sua comitiva, o prefeito da cidade, nosso tio
Arquibaldo de Souza Torres, nossos familiares e tantos outros. Somente uma
ausência física – a daquele homem público, que tanto beneficiou o seu povo e a
sua cidade, e numa pugna incansável conseguiu trazer, pelos fios, a força da
água de Paulo Afonso transformada em energia elétrica. Nossos avós, Antônio e
Beata, tinham lágrimas nos olhos enquanto o povo ovacionava. SAUDADES do
relógio de parede, quase um metro de altura, comprado na Joalheria Safira, em
Aracaju, que ficava na entrada da casa.Do gramofone, na sala de visitas,
esperando as ocasiões festivas para “acordar”. Da geladeira Westinghouse a
querosene, do fogão à lenha e sua famosas panelas de barro,e seu fogo
crepitando dia e noite, sem apagar. Dos pães fresquinhos de seu Manoel
Gago.SAUDADES. Uma vez perguntei a nossa avó Beata porque ela tinha sempre uma
lágrima nos olhos e o sorriso longe. Ela respondeu: “ - meu neto, o Canhoba e
nossa família não são mais o que eram”. Referia-se ela ao sombrio e fatídico
dia 21 de dezembro de 1967, uma quinta feira.“ - Estou sempre pensando em meu
filho TOINHO, seu pai. Por que fizeram isso com ele?” E a lágrima vinha
novamente, e ela me abraçava. Carinhosamente. SAUDADES das nossas despedidas
quando findavam as férias.Quando meu pai estacionava o carro na porta da Casa
Amarela para nosso embarque de volta a Aracaju, era uma choradeira danada dos
amigos, primos, tios. O nosso avô falava ao meu pai: “ – Toinho, deixe os
meninos!” Meu pai respondia: “ - o maior presente que tenho para deixar para
eles é a caneta.” O velho enfiava a mão direita em seu bolso, que ia até o
joelho, e tirava um tanto de dinheiro. Contava dez notas de 5 cruzeiros(aquelas
que tinham a cabeça do índio), e dava para mim e para Angela. Pedíamos a benção
e tristes entrávamos no carro. Lá de dentro eu chamava meus dois amigos
Anacleto e Zé Preto e a cada um dava uma nota de 5 cruzeiros às escondidas de
nossos pais e avós. O nosso pai perguntava para a nossa mãe: “ - podemos ir,
.GiIcélia, vamos?” Assim, retornávamos para a capital. E mesmo no período das
aulas, mesclávamos estudos e atividades escolares com as saudades das aventuras
na roça, já na expectativa das férias seguintes.SAUDADES. Da nossa família,
parentes, amigos que já se foram, e que construíram este município. SAUDADES
daqueles que cruzaram o seu território e fixaram-se em outros Estados e ainda
vivem. SAUDADES do grande homem nascido em Canhoba, a 2 de Outubro de 1926,
cujo passamento ocorreu precocemente na manhã de 21 de Dezembro de 1967, uma
quinta-feira, aos quarenta e dois anos. Deputado Estadual, Secretário de Estado
da Justiça no governo Luiz Garcia, Presidente da Assembleia Legislativa, Líder
de Governo na gestão Lourival Baptista. Ícone da política sergipana, grande
tribuno, orador nato. Advogado, Professor de História e Geografia pela
Universidade Federal de Alagoas, assessor jurídico da Secretaria de Estado da
Educação. Pai de família, carinhoso, generoso, humano. A CASA AMARELA viu-o
nascer, crescer, foi palco de suas travessuras ingênuas e infantis. E também,
anos mais tarde, centro para suas conversações políticas com seus aliados
udenistas. A CASA AMARELA alegrou-se com as alegrias, chorou o pranto de todo
um clã. Mas, resistindo às intempéries na vida e na história dos TORRES,
silenciosa, solitária, testemunha a saga dessa família. Cada parede, cada porta
e janela, compartimentos, contam uma história.A fogueira hoje, 29 de junho de
2015, segunda-feira, colocada na sua frente, igualmente solitária,terá extintas
as suas chamas. Esta casa, ao contrário, será sempre um marco que manterá viva,
cada vez mais viva, não só nos nossos corações mas na vida dos canhobenses, a
chama acesa da história dos TORRES e de todos os que amam esta terra. Evocando
o poeta Raimundo Correia, concluo dizendo: “ Aqui outrora retumbaram sinos;
muito coche real nestas calçadas...................”.
>>>>>>ISTO É BRASIL, É SERGIPE É CANHOBA.
Postagem originária da página do Facebook/GrupoMTéSERGIPE, de 30 de junho de 2015.
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