Publicado em 17/07/2011 pelo Portal Infonet
Um arcebispo quase subversivo.
Por Marcos Cardoso.
O papa Bento XVI condena a Teologia da Libertação.
Mantendo-se fiel a um documento que ele mesmo assinou, há mais de 25 anos, como
então Cardeal Ratzinger, ele condena a forma de fazer teologia utilizando
“teses e metodologias provenientes do marxismo”, que traria como conseqüências
para a Igreja “rebelião, divisão, dissenso, ofensa, anarquia”. O pontífice
admite que a Teologia da Libertação não seja um problema do passado e as
terríveis consequências dessa aventura libertária da Igreja do Brasil “fazem-se
sentir ainda” e que ainda se encontram nas comunidades diocesanas. Esse é um
debate difícil, por se tratar de uma questão ideológica.
O mesmo papa Bento XVI já autorizou o Vaticano a fazer um
estudo sobre a liberação do uso da camisinha por casais devidamente unidos pelo
sacramento, desde que um dos parceiros esteja contaminado pelo vírus HIV. A
recomendação foi entregue à Congregação para a Doutrina da Fé, mas por enquanto
a posição oficial da Igreja permanece a mesma: proíbe os católicos de utilizar
qualquer método contraceptivo, mesmo que para evitar a transmissão do vírus HIV
entre parceiros casados, e recomenda a fidelidade dentro do casamento ou a
abstinência sexual como a melhor maneira de combater a Aids.
Parece pouco, mas é um avanço para uma Igreja Católica que
vive dando demonstrações não só de conservadorismo renitente, mas de
descompasso com o tempo. Acontece que, enquanto os cardeais discutem o sexo dos
anjos, os adolescentes do mundo cristão não saem de casa sem uma camisinha no
bolso, muitas vezes colocada pela própria mãe. É melhor prevenir do que
remediar. E quem não se previne pega doenças venéreas, inclusive Aids, ou acaba
purgando uma gravidez indesejada. Afinal, como diz o filósofo Lula, sexo é bom
e quase todo mundo gosta.
É da Igreja ser conservadora. É da sua essência e disso
depende a sua sobrevivência. É dogmático. E dos temas profanos, sexo é o mais
carregado de tabu. Vem da concepção do próprio Cristo, que nasceu de uma virgem
etc.
Mas pelo menos em questões sociais, houve tempos em que a
Igreja foi, se não ousada, mais avançada. Pelo menos no Brasil. Pelo menos em
Sergipe. Uma boa época foi o começo dos anos 60.
A Igreja Católica estava sintonizada com a efervescência da
época. O mundo passava por mudanças e a juventude brasileira dava sinais de
querer mais do que mudar comportamentos sociais. Havia grupos jovens ligados à
Igreja e havia um arcebispo ávido por transformações. Era D. José Vicente
Távora, criador e principal dirigente do Movimento de Educação de Base (MEB),
impulsionador do processo de conscientização em Sergipe, que inovou
alfabetizando através da rádio Cultura, também criada por ele em 1959. “O MEB
ensinou muitas pessoas a ler e escrever, através das aulas de português,
matemática e legislação que eram transmitidas pelo rádio”, lembra o jornalista
Gilvan Fontes, que passou quase toda a vida profissional como noticiarista,
principalmente na rádio Cultura.
“O MEB incorporou milhares de pessoas em atividades
particularmente criativas, inclusive jovens universitários sequiosos de
mudanças, contribuindo decisivamente para o processo de mobilização social.
Apesar da tolerância com as manifestações de esquerda e com as reações de
direita, D. Távora permaneceu como a principal autoridade do movimento até a
véspera do golpe de 1964”, lembra Ibarê Dantas, no livro Os partidos políticos
em Sergipe (1889-1964).
“Atingindo cerca de 12 mil pessoas em perto de 460
localidades e 57 municípios e contando com quase 550 monitores orientados por
19 supervisores, nenhum movimento, em tempo algum em Sergipe, teve tanta
influência, no sentido de proporcionar uma nova consciência aos trabalhadores
rurais”, prossegue o historiador, acrescentando que D. Távora acabou sendo
perseguido pelo regime militar, denunciado como comunista.
Em 1962, quando Jânio Quadros, candidato a presidente da
República, esteve em Aracaju, D. José Vicente Távora propôs-lhe um projeto de
educação pelo rádio, a exemplo da experiência iniciada em Natal (RN) por D.
Eugênio Sales. Aceita a proposta, quando o candidato assumiu a presidência, o
convênio foi firmado com o apoio da CNBB. Assim surgiu o MEB. O governo federal
entrava com os recursos e a Igreja com a administração. Os primeiros sindicatos
agrários, de inspiração cristã, nasceram em Sergipe sob a inspiração de D.
Távora.
Quando aconteceu o golpe de 31 de março de 1964, a Igreja
ficou dividida. “Uma ala mais ligada ao bispo auxiliar, D. Luciano Cabral
Duarte, zeloso cooperador do Estado Autoritário, revelou-se simpatizante da
nova ordem. Dentro dela, incluem-se alguns sacerdotes e até o bispo de Propriá,
D. José Brandão de Castro, que posteriormente se manifestaria intrépido
defensor das causas dos trabalhadores rurais e dos índios. A outra ala,
vinculada ao arcebispo D. José Vicente Távora, recebeu o movimento como um
grande retrocesso político. O próprio arcebispo, promotor do MEB, foi ameaçado
de prisão. Com o fogo cruzado dos delatores que abominavam sua obra, além de
submeter-se a depoimentos irritantes, esteve por vários dias praticamente
confinado no Palácio Episcopal, escapando de maiores hostilidades por
interferência do general Juarez Távora, seu parente. A campanha de educação
popular, vista pelo patronato como a obra mais nociva à boa ordem, seria
severamente afetada”, escreve Ibarê Dantas (A Tutela Militar em Sergipe –
1964/1984).
Conta o historiador que, hostilizado pelas autoridades
militares locais, D. Távora escreveu ao general Juarez Távora e este enviou a
carta ao comando do 28º BC, que mandou chamar o arcebispo, passando-lhe forte
reprimenda. Mas, a partir daí, as ameaças teriam diminuído. No entanto, o MEB
teria vários de seus funcionários detidos e seria reorientado sob a supervisão
de D. Luciano Cabral Duarte. Posteriormente, o MEB se transformaria em “mera
linha auxiliar do Mobral”.
O pernambucano D. José Vicente Távora já era bispo da
capital quando, em abril de 1960, o papa João XXIII criou as Dioceses de
Estância e Propriá e a Província Eclesiástica de Aracaju. Foi, portanto, o
primeiro arcebispo metropolitano de Aracaju. E o foi até quando morreu, no dia
3 de abril de 1970. Há 41 anos.
Texto reproduzido do site: infonet.com.br/marcoscardoso
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 7 de maio de 2013.
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