Infonet - Blog Luíz A. Barreto, publicado em 01/11/2005.
Causos de Itabaiana Grande.
Por Luiz Antônio Barreto.
Nas últimas décadas a população sergipana migrou do campo
para as cidades, mas não alterou, completamente, seus modos de vida. Os apelos
da tecnologia, a comunicação de massa, não tiraram do povo os hábitos da
conversa, da prosa amiga, alimentada pelos comentários que fatos e pessoas
inspiram e que entram, pela aceitação e pelo uso, no amplo repertório de
“causos”, matéria recorrente das conversas dos bares, das barbearias,
farmácias, pontos outros de encontro das pessoas.
Cada lugar de Sergipe tem homens e mulheres que guardam
imensa quantidade de estórias, velhas e novas, com as quais enchem de
entretenimento as rodas de ouvintes. Uns fixam, no papel, em texto leve, os
“causos” que guardam na memória, como foi o caso de José Augusto Machado, que
publicou o livro Causos de Itabaiana Grande (Aracaju: Gráfica e Editora Info
Graphics, 2004), espécie de antologia das estórias que recolhe na sua terra. O
livro tem capa de Belém, um dos mais ativos e consagrados desenhistas e
ilustradores de Sergipe.
O professor Antonio Samarone faz a apresentação do autor e
do livro, chamando a atenção para a psicologia dos serranos ou ceboleiros, a
partir das façanhas de figuras itabaianenses, dos vários escalões da sociedade.
São fatos curiosos, engraçados, que adornam os perfís dos personagens com os
quais o povo estabelece certa empatia. Já o jornalista e também professor
Luciano Correia sublinha, em texto da quarta capa, o tipo interiorano em sua
afirmação lúdica, contribuindo para dar unidade ao corpo social da terra,
destacando Itabaiana e sua população.
Itabaiana é mesmo pródiga no registro das manifestações
críticas. Vladimir Souza Carvalho tem pesquisado desde o caxangá, música
popular que funciona como paródia, geralmente de textos chistosos, até os
apelidos, tendo Itabaiana como o recorte geográfico e os itabaianeses como os
notáveis criadores de tais fatos culturais. Um encontro de serranos costuma ser
rico de evocações, lembranças interessantes de “causos”, como se houvesse em
Itabaiana uma atividade permanente, ligada a tais acontecimentos, com força
suficiente para resistir a todas as mudanças comportamentais. Tal constatação
dá crédito a uma identidade local, reverenciada, exaltada, como uma qualidade,
um diferencial.
Itabaiana ganha mais um intérprete com José Augusto Machado.
Seu livro reúne homens importantes, como o médico e político Dr. Itajahy,
nascido em Lagarto, e o comerciante e político Euclides Paes Mendonça, natural
da Serra do Machado, município de Ribeirópolis, mas que pela vivência acabaram
como tipos itabaianenses, naquilo que identifica cada um com o cotidiano da
cidade, que comporta um traço de humor inconfundível, alastrado em outros
personagens, flagrados em situações embaraçosas, ou protagonizando as mais
risonhas estórias.
Euclides Paes Mendonça se tornou, em Itabaiana, um
personagem de muitas estórias, alcançando repercussão fora do município. Há um
grande anedotário em torno do “Seu” Euclides, ainda repetido nas rodas
amolecadas de Itabaiana e de Aracaju. José Augusto Machado conta a estória da
TV, que Euclides teria mandado embrulhar um aparelho e um “canal”, e que circulava
de modo diferente em Aracaju. A versão era que ao ser indagado sobre a
existência, em Sergipe, de um canal para captar os sinais da televisão,
Euclides teria respondido que tinha, era o Canal de Santa Maria, um córrego
ligado ao rio Poxim. Outra estória de Euclides, no imaginário dos sergipanos, é
da “Oitava”, música que ele procurava numa casa de discos, e que nem era a 8ª
sinfonia, nem outro qualquer clássico, mas a Farinhada, baião que ficou famoso
na voz de Ivon Cury e que começava com Oi, tava na peneira/ oi, tava
peneirando/oi, tava no namoro/oi tava namorando, que Euclides juntava
como“oitava.” Muitas outras estórias existem por aí, tendo Euclides Paes
Mendonça como personagem.
José Augusto Machado cumpre com um papel fundamental, de dar
voz aos fatos da sua terra, pondo em evidência o saber e o fazer locais,
povoado de gente simples, de gente destacada, num rol que valoriza o modo de
vida de Itabaiana, sempre chamada de Grande, repleta de peculiaridades,
vivificada nas fendas calcáreas da Ribeira, no Pé do Veado, no Matapuã, no Rio
das Pedras, no Poço das Moças, no ouro e na prata das minas da Serra, nas
carrocerias de caminhão, verdadeiras obras de arte, no imenso número de motos e
de caminhões, nas carnes assadas ao longo da pista, e agora nos “causos” que o
escritor recorda, recria, e publica como contribuição ao imaginário local.
Além da leitura agradável dos Causos de Itabaiana Grande
fica o exemplo de que a literatura local, as narrativas populares, são fontes
inesgotáveis que revelam pessoas, gente, hábitos, espertezas, situações
próximas. E que o exemplo seja forte para despertar outros autores, que contem
outras histórias.
Fotos e texto reproduzidos do site:
infonet.com.br/luisantoniobarreto
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 23 de abril de 2013.
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