quarta-feira, 17 de abril de 2013

Antonio Carlos Viana: "Leio desde que me alcanço"


Publicado pelo Balaio de Notícias - Edição 145.
Aracaju, 27 de março a 17 de abril de 2011

"Leio desde que me alcanço"
O escritor Antonio Carlos Viana e a experiência da leitura
Por Paulo Lima.

Em sua juventude, Antonio Carlos Viana abriu mão de uma vida estável como professor para se dedicar à literatura. Na época, recém-casado e vivendo no Rio de Janeiro, se desfez de tudo que tinha - do fusquinha e até da máquina de escrever. Comprou uma carrocinha e foi vender cachorro-quente. Estava determinado a se tornar escritor. A atitude, que pareceu insana aos olhos da família, deu seus primeiros resultados. Depois de algumas tentativas, ele conseguiu publicar seu primeiro livro, o Brincar de manja, de 1974. A boa recepção crítica o encorajou a seguir em frente.

Em 1981 veio a segunda obra, Em pleno castigo. Seguiram-se mais três livros, todos publicados ou reeditados pela Editora Cia. das Letras: O meio do mundo e outros contos (1999), Aberto está o inferno (2004) e o mais recente Cine privê, de 2009. No ano 2000, Viana teve um de seus contos incluídos pela Editora Objetiva na antologia Os cem melhores contos brasileiros do século, gênero ao qual dedicou toda a sua produção literária e no qual é reconhecido como um mestre.

A vida de escritor o levou a viver em diferentes lugares. Viana morou em Porto Alegre – lá fez mestrado em literatura - e na França, onde cursou um doutorado. Durante vinte anos foi professor do curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe. Como tradutor, verteu romances e outras obras para o português. É um dos tradutores do recém-lançado Não há silêncio que não termine (Cia. das Letras), livro da colombiana Ingrid Betancourt sobre sua experiência como prisioneira das Farcs. Ano passado, Viana foi agraciado com um prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, por seu livro Cine Privê, considerado o melhor de contos de 2009. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Viana fala de sua relação com os livros e a leitura.

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Como foi sua experiência de leitura? Quando ela se inicia? De que forma?

Antonio Carlos Viana - Leio desde que me alcanço. Como minha família não tinha dinheiro para comprar livros, me contentava em ler os textos dos livros escolares, os de português, especialmente. Também lia os jornais em que a carne-seca vinha embrulhada. Abria-os sobre o chão de tijolos e lia. Quando ganhei meu primeiro livro por ter sido o primeiro do ano na escola, foi como se tivesse ganhado o melhor presente do mundo. Foi uma edição das fábulas de Esopo, bem ilustradas e fáceis de entender. Tempos depois descobri num baú do sítio onde morava uma antologia de Carlos de Laet e li tudo. Nunca esqueci de um excerto de "A última corrida dos touros de Salvaterra". Descoberta maior e definitiva foi O tempo e o vento, de Érico Veríssimo. Foi esta a porta de entrada para a leitura de grandes romances e nunca mais parei. Como se vê, cheguei à leitura sem ninguém me mandar, por isso não acredito em leituras obrigatórias.

Como é sua rotina de leitura hoje?

A.C.V. - Hoje leio muito, muito mesmo, sem parar. Dependendo do livro, leio-o num só dia. Isso já me aconteceu várias vezes, sobretudo com os últimos livros de Philip Roth, que considero o melhor escritor da atualidade. Leio todo tipo de livro. Mas hoje me atenho mais aos autores que estão aparecendo, e são muitos. Gosto de ver os caminhos que a nossa literatura está trilhando.

Você foi professor universitário. Como era a relação de seus alunos com os livros?

A.C.V. - O ensino universitário ainda não colocou a leitura como prazer, sobretudo, claro, os cursos de letras. Aquelas leituras que a gente pede que o aluno faça trabalhos não contam. Acho que poucos alunos saem dali com o gosto verdadeiro pela leitura, tendo-a como algo que devemos fazer diariamente. Acho que os cursos de letras deviam ter uma hora na semana que fosse para ler simplesmente por prazer, leitura desinteressada, em que os alunos falassem livremente, sem se preocupar com teorias. Sei que é importante o ensino da teoria literária, mas colocá-la à frente da leitura, subjugando-a, tira o prazer de ler. Ela deve ajudar a esclarecer o texto, não pode ser uma camisa de força.

Você cursou seu doutorado na França. Que comparação faz entre a realidade da leitura naquele país e no Brasil?

A.C.V. - Uma das coisas que mais me impressionavam na França era entrar no metrô e sempre ver várias pessoas lendo. Isso também acontecia, e ainda acontece, nos parques, nos cafés, nas filas de espera. Havia na televisão programas dedicados aos livros que eram campeões de audiência. Todo mundo ficava mobilizado pelos comentários do apresentador, pela entrevistas dos autores. Já por aqui, programa sobre literatura é traço, como se diz.

Em sua opinião, o que pode ser feito para melhorar os índices de leitura no Brasil?

A.C.V. - Não adianta só abrir bibliotecas e encher as prateleiras de livros. O que precisamos mesmo é de professores bem formados, capazes de insuflar no aluno o gosto pelos livros. Sabemos, no entanto, que a formação do professor no Brasil é precária. Poucos compram livros. Muitos preferem as cópias porque são mais baratas. Assim não criam uma história, não têm uma estante para olhar de vez em quando e ver que livros fizeram parte de seu itinerário e prosseguir em sua busca de mais saber. Como os professores ganham muito mal, nem têm coragem de entrar numa livraria, porque sabem que não poderão comprar os livros desejados. Não vejo como o brasileiro ser levado à leitura sem professores que tenham uma sólida formação literária.

Qual sua opinião sobre o livro eletrônico? Você acredita que ele pode determinar o fim do livro tradicional?

A.C.V. - Sou da opinião que quem lê vai continuar lendo em qualquer suporte. Quem não gosta de ler vai continuar do mesmo jeito, seja o livro de papel ou o eletrônico. A leitura da internet é multifacetada, não concentra a atenção num só alvo. O meio em si provoca uma agitação no leitor que não o deixa se concentrar. Eu mesmo acho difícil ficar olhando para uma tela por mais de meia hora. O livro de papel deve continuar existindo ao lado do e-book, com a vantagem de não sumir de uma hora para outra de nossos olhos.

Foto e texto reproduzidos dos site: balaiodenoticias.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 7 de abril de 2013.

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