Publicado pelo Balaio de Notícias - Edição 145.
Aracaju, 27 de março a 17 de abril de 2011
"Leio desde que me alcanço"
O escritor Antonio Carlos Viana e a experiência da leitura
Por Paulo Lima.
Em sua juventude, Antonio Carlos Viana abriu mão de uma vida
estável como professor para se dedicar à literatura. Na época, recém-casado e
vivendo no Rio de Janeiro, se desfez de tudo que tinha - do fusquinha e até da
máquina de escrever. Comprou uma carrocinha e foi vender cachorro-quente.
Estava determinado a se tornar escritor. A atitude, que pareceu insana aos
olhos da família, deu seus primeiros resultados. Depois de algumas tentativas,
ele conseguiu publicar seu primeiro livro, o Brincar de manja, de 1974. A boa
recepção crítica o encorajou a seguir em frente.
Em 1981 veio a segunda obra, Em pleno castigo. Seguiram-se
mais três livros, todos publicados ou reeditados pela Editora Cia. das Letras:
O meio do mundo e outros contos (1999), Aberto está o inferno (2004) e o mais
recente Cine privê, de 2009. No ano 2000, Viana teve um de seus contos
incluídos pela Editora Objetiva na antologia Os cem melhores contos brasileiros
do século, gênero ao qual dedicou toda a sua produção literária e no qual é
reconhecido como um mestre.
A vida de escritor o levou a viver em diferentes lugares.
Viana morou em Porto Alegre – lá fez mestrado em literatura - e na França, onde
cursou um doutorado. Durante vinte anos foi professor do curso de Letras da
Universidade Federal de Sergipe. Como tradutor, verteu romances e outras obras
para o português. É um dos tradutores do recém-lançado Não há silêncio que não
termine (Cia. das Letras), livro da colombiana Ingrid Betancourt sobre sua
experiência como prisioneira das Farcs. Ano passado, Viana foi agraciado com um
prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, por seu livro Cine Privê,
considerado o melhor de contos de 2009. Na entrevista a seguir, concedida por
e-mail, Viana fala de sua relação com os livros e a leitura.
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Como foi sua experiência de leitura? Quando ela se inicia?
De que forma?
Antonio Carlos Viana - Leio desde que me alcanço. Como minha
família não tinha dinheiro para comprar livros, me contentava em ler os textos
dos livros escolares, os de português, especialmente. Também lia os jornais em
que a carne-seca vinha embrulhada. Abria-os sobre o chão de tijolos e lia.
Quando ganhei meu primeiro livro por ter sido o primeiro do ano na escola, foi
como se tivesse ganhado o melhor presente do mundo. Foi uma edição das fábulas
de Esopo, bem ilustradas e fáceis de entender. Tempos depois descobri num baú
do sítio onde morava uma antologia de Carlos de Laet e li tudo. Nunca esqueci
de um excerto de "A última corrida dos touros de Salvaterra". Descoberta
maior e definitiva foi O tempo e o vento, de Érico Veríssimo. Foi esta a porta
de entrada para a leitura de grandes romances e nunca mais parei. Como se vê,
cheguei à leitura sem ninguém me mandar, por isso não acredito em leituras
obrigatórias.
Como é sua rotina de leitura hoje?
A.C.V. - Hoje leio muito, muito mesmo, sem parar. Dependendo
do livro, leio-o num só dia. Isso já me aconteceu várias vezes, sobretudo com
os últimos livros de Philip Roth, que considero o melhor escritor da
atualidade. Leio todo tipo de livro. Mas hoje me atenho mais aos autores que
estão aparecendo, e são muitos. Gosto de ver os caminhos que a nossa literatura
está trilhando.
Você foi professor universitário. Como era a relação de seus
alunos com os livros?
A.C.V. - O ensino universitário ainda não colocou a leitura
como prazer, sobretudo, claro, os cursos de letras. Aquelas leituras que a
gente pede que o aluno faça trabalhos não contam. Acho que poucos alunos saem
dali com o gosto verdadeiro pela leitura, tendo-a como algo que devemos fazer
diariamente. Acho que os cursos de letras deviam ter uma hora na semana que
fosse para ler simplesmente por prazer, leitura desinteressada, em que os
alunos falassem livremente, sem se preocupar com teorias. Sei que é importante
o ensino da teoria literária, mas colocá-la à frente da leitura, subjugando-a,
tira o prazer de ler. Ela deve ajudar a esclarecer o texto, não pode ser uma
camisa de força.
Você cursou seu doutorado na França. Que comparação faz
entre a realidade da leitura naquele país e no Brasil?
A.C.V. - Uma das coisas que mais me impressionavam na França
era entrar no metrô e sempre ver várias pessoas lendo. Isso também acontecia, e
ainda acontece, nos parques, nos cafés, nas filas de espera. Havia na televisão
programas dedicados aos livros que eram campeões de audiência. Todo mundo
ficava mobilizado pelos comentários do apresentador, pela entrevistas dos
autores. Já por aqui, programa sobre literatura é traço, como se diz.
Em sua opinião, o que pode ser feito para melhorar os
índices de leitura no Brasil?
A.C.V. - Não adianta só abrir bibliotecas e encher as
prateleiras de livros. O que precisamos mesmo é de professores bem formados,
capazes de insuflar no aluno o gosto pelos livros. Sabemos, no entanto, que a
formação do professor no Brasil é precária. Poucos compram livros. Muitos
preferem as cópias porque são mais baratas. Assim não criam uma história, não
têm uma estante para olhar de vez em quando e ver que livros fizeram parte de
seu itinerário e prosseguir em sua busca de mais saber. Como os professores
ganham muito mal, nem têm coragem de entrar numa livraria, porque sabem que não
poderão comprar os livros desejados. Não vejo como o brasileiro ser levado à
leitura sem professores que tenham uma sólida formação literária.
Qual sua opinião sobre o livro eletrônico? Você acredita que
ele pode determinar o fim do livro tradicional?
A.C.V. - Sou da opinião que quem lê vai continuar lendo em
qualquer suporte. Quem não gosta de ler vai continuar do mesmo jeito, seja o
livro de papel ou o eletrônico. A leitura da internet é multifacetada, não
concentra a atenção num só alvo. O meio em si provoca uma agitação no leitor
que não o deixa se concentrar. Eu mesmo acho difícil ficar olhando para uma
tela por mais de meia hora. O livro de papel deve continuar existindo ao lado
do e-book, com a vantagem de não sumir de uma hora para outra de nossos olhos.
Foto e texto reproduzidos dos site: balaiodenoticias.com.br
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 7 de abril de 2013.
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