Painéis pintados por Jenner Augusto no Cacique Chá. Foto: Jornal "Gazeta de Sergipe" nr. 5.956 - 18/02/1978. Reproduzida aqui do blog: aracajuantigga.blogspot.com.br
De: José de Oliveira B. Filho.
no site: destaquenoticias.com.br
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Quem Amaria o Cacique Chá?
"Morte! aos prefeitos, cuja carapaça lhes impede a
percepção das paisagens impregnadas do passado das cidades que eles
desgovernam." (Pedro Nava, Baú de ossos)
Jeová Santana*
Antes do raiar do ano 2000, a propósito de comemorar uma
temporada fora de Aracaju devido a umas aprendizagens, reuni meia dúzia de
amigos e amigas naquele que, alguns anos antes, fora a melhor referência
etílico-culinária no centro da cidade. Naquela tarde-noite, porém, percebêramos
que ele já não tinha mais o fausto que colorira várias gerações, inclusive a
nossa.
Já sem a leva de folclóricos garçons que lhes davam um toque
todo especial, o Cacique Chá absorvera uma das novas da
"mudernidade": comida a quilo. Outra também logo se fez presente:
pagode ao vivo. Se houvesse sobrevivido àquela etapa, certamente hoje estaria
sendo contemplado com outra prática ruidosa: televisão, em tudo quanto é canto,
com dvd´s de bandas que tocam a música mais esquisita de todas as eras. No
maior volume, é claro, para obrigar os clientes a falarem aos berros.
Mas apesar dessas dores, sintoma do inevitável sinal dos
tempos, nenhuma é maior do que ver aquele reduto, onde ecoam as vozes de tantos
personagens inesquecíveis, totalmente entregue às baratas, aos cupins, aos
ratos e outros cupinchas rastejantes.
Esperava-se que o fato de em suas paredes existirem os
traços de Jenner Augusto (1924-2003), criador de telas que alçaram vôos além do
rio do Sal, sensibilizasse a quem de direito. Os traços de Jenner, pintados em
1949, nos quais são perceptíveis as influências portinarianas, estão lá
sofrendo os efeitos, lembrando Drummond (1902-1987), da "mão pesada"
do tempo.
Abro a lente da memória e vejo um ilustre freguês: o poeta
Alberto Carvalho (1932-2002) que ali teve mesa e cadeira cativas anos a fio,
como integrante de uma espécie de Confraria, na qual figuravam eminências da
cena local: Silvério Fontes, Leopoldo Souza, Guido Azevedo, Fernando Porto,
Fernando Nunes, entre outros. Segundo me relatou o jornalista Célio Nunes, o
seleto grupo tinha direito a lugar marcado na parte interna, hora para chegar,
mas não para sair. Depois que o tempo e a "indesejada das gentes"
arrefeceram os encontros, o poeta passou a ocupar uma das mesas no oitão do
lado direito de quem entra.
Soa como uma sacada profética sua "Balada do ‘Bar
Cacique'" (adaptação da "Balada do Belas-Artes", de José Paulo
Paes), na qual se nota a tristeza diante da possibilidade de um dia ver fechado
o cantinho que o acolheu tantas horas. Sem ele, os amigos não teriam mais lugar
para a arte de jogar conversar fora: "Talvez porque já não tenham / (adeus
Aracaju adeus) / mais razão de encontrar-se / mais nada a dizer." O poema,
do livro Leornardo, Benini e outros poemas (Aracaju: ACÊ, 1999) é ilustrado com
a imagem de certo San Martim Porres (1575-1639), santo peruano. Um nome tão
sugestivo não escapou à verve do ilustre itabaianese, que transformou o irmão
latino em orago da "Comunidade Solidária dos Bebuns do Cacique".
Aliás, o Cacique Chá está entre os espaços que já tiveram
função na vida da cidade e hoje estão às quedas, tais como o Hidroviário
Jackson de Figueiredo, os prédios onde funcionaram a Delegacia da Receita
Federal, na praça General Valadão, e a Secretaria da Educação, na Ivo do Prado.
Hoje simples "fábricas de morcego" (imagem do cordelista João Firmino
Cabral).
Como alento, vejo que foi descartada a idéia de implodir o
Hotel Palace, pois vi dois operários num andaime pingente a semana passada.
Numa lojinha do térreo tive acesso à data de sua inauguração: 24.06.1962. A
placa está atrás de bolsas femininas. Estas foram gentilmente retiradas pela
moça do caixa para atender minha febre repentina de pesquisador. Reza a lenda
que foi em um dos seus quartos que Caetano Veloso compôs, em 1979, a letra de
"Aracaju" , em parceria com Vinicius Cantuária e Tomás Improta, para
o disco Cinema transcendental.
Talvez tudo isso seja reflexo de um equívoco: a propalada
reforma do Centro Histórico nos anos 90, deixou de lado um componente
importante: é preciso reocupar com cultura os espaços antes ociosos. Nesse
sentido, sem cinemas, teatros, bibliotecas, livrarias, casas para espetáculos
musicais, bares bacanas, e outros quejandos, o "Centro" tornou-se um
mero lugar de passagem. A única alternativa fica por conta da "Rua da
Cultura", levada ao ar, às segundas-feiras, naquelas condições precaríssimas
em que ficam os Mercados Thales Ferraz e Antônio Franco à noite.
Como essas mal-traçadas serão lidas por meia dúzias de
leitores, fica aqui o desejo de que um dia a dívida do Cacique, que segundo um
ex-garçom seria o principal empecilho para sua continuidade, seja negociada
junto a outro imbróglio: terreno da Prefeitura, prédio do Estado.
Afinal, a geração que chegou ao poder tem representantes que
freqüentaram aquele "pedacinho de Europa" no parque Teófilo Dantas.
Tem condições de se mostrar mais sensível do que o rol de mandarins que mandou
em nossos destinos por décadas e décadas. "O bar mais democrático do
mundo", na opinião do professor Vasco Garcia, merece função melhor do que
virar receptáculo de entulho. É preciso entender que nem só do bairro Jardins
pode viver essa minha Aracaju dos meus amores e desamores.
No mais, é esperar que a epígrafe do nosso "Marcel
Proust (1871-1922) dos trópicos", o memorialista Pedro Nava (1903-1984),
seja apenas isso, uma epígrafe, e não se torne uma carapuça, já que foi
retirada de outro contexto: a fúria da administração municipal contra fícus e
palmeiras-imperiais na Belo Horizonte do início do século XX.
O bar e restaurante Cacique Chá faz jus a uma destinação
mais luminosa na cidade que tem a rua mais bonita do mundo, na minha modesta
opinião. É preciso acreditar que "ali dentro Aracaju / parece até
paris" é mais do que um verso na lírica do poeta/prosador que o homenageou
com balada e tudo. Conheço até quem queira tomar conta de tão nobre referência.
Além disso, os garçons "Cabeção - o embriagador de
pessoas", "Meu Jovem - também conhecido por Bisquí",
"Gugu", "Ator", "Seu Álvaro", etc., não podem se
tornar apenas meros personagens para a pena deste aprendiz de escritor. Ele,
assim como Manuel Bandeira, (1886-1968), vê mais uma vez: "(Todas as
manhãs o aeroporto em frente me dando lições de partir.)" Mas seu lugar é
aqui.
* Professor e contista. Atualmente é doutorando no Programa
de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC/SP.
Texto reproduzido do site: destaquenoticias.com.br
Painéis pintados por Jenner Augusto no Cacique Chá.
Foto: Jornal "Gazeta de Sergipe" nr. 5.956 -
18/02/1978.
Reproduzida aqui do blog: aracajuantigga.blogspot.com.br
De: José de Oliveira B. Filho.
Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 30 de janeiro de 2013.
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