quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Quem Amaria o Cacique Chá?

Painéis pintados por Jenner Augusto no Cacique Chá. Foto: Jornal "Gazeta de Sergipe" nr. 5.956 - 18/02/1978. Reproduzida aqui do blog: aracajuantigga.blogspot.com.br  
 De: José de Oliveira B. Filho.

Publicado originalmente em 22 de janeiro de 2008.
no site: destaquenoticias.com.br
...........................................

Quem Amaria o Cacique Chá?

"Morte! aos prefeitos, cuja carapaça lhes impede a percepção das paisagens impregnadas do passado das cidades que eles desgovernam." (Pedro Nava, Baú de ossos)

Jeová Santana*

Antes do raiar do ano 2000, a propósito de comemorar uma temporada fora de Aracaju devido a umas aprendizagens, reuni meia dúzia de amigos e amigas naquele que, alguns anos antes, fora a melhor referência etílico-culinária no centro da cidade. Naquela tarde-noite, porém, percebêramos que ele já não tinha mais o fausto que colorira várias gerações, inclusive a nossa.

Já sem a leva de folclóricos garçons que lhes davam um toque todo especial, o Cacique Chá absorvera uma das novas da "mudernidade": comida a quilo. Outra também logo se fez presente: pagode ao vivo. Se houvesse sobrevivido àquela etapa, certamente hoje estaria sendo contemplado com outra prática ruidosa: televisão, em tudo quanto é canto, com dvd´s de bandas que tocam a música mais esquisita de todas as eras. No maior volume, é claro, para obrigar os clientes a falarem aos berros.

Mas apesar dessas dores, sintoma do inevitável sinal dos tempos, nenhuma é maior do que ver aquele reduto, onde ecoam as vozes de tantos personagens inesquecíveis, totalmente entregue às baratas, aos cupins, aos ratos e outros cupinchas rastejantes.

Esperava-se que o fato de em suas paredes existirem os traços de Jenner Augusto (1924-2003), criador de telas que alçaram vôos além do rio do Sal, sensibilizasse a quem de direito. Os traços de Jenner, pintados em 1949, nos quais são perceptíveis as influências portinarianas, estão lá sofrendo os efeitos, lembrando Drummond (1902-1987), da "mão pesada" do tempo.

Abro a lente da memória e vejo um ilustre freguês: o poeta Alberto Carvalho (1932-2002) que ali teve mesa e cadeira cativas anos a fio, como integrante de uma espécie de Confraria, na qual figuravam eminências da cena local: Silvério Fontes, Leopoldo Souza, Guido Azevedo, Fernando Porto, Fernando Nunes, entre outros. Segundo me relatou o jornalista Célio Nunes, o seleto grupo tinha direito a lugar marcado na parte interna, hora para chegar, mas não para sair. Depois que o tempo e a "indesejada das gentes" arrefeceram os encontros, o poeta passou a ocupar uma das mesas no oitão do lado direito de quem entra.

Soa como uma sacada profética sua "Balada do ‘Bar Cacique'" (adaptação da "Balada do Belas-Artes", de José Paulo Paes), na qual se nota a tristeza diante da possibilidade de um dia ver fechado o cantinho que o acolheu tantas horas. Sem ele, os amigos não teriam mais lugar para a arte de jogar conversar fora: "Talvez porque já não tenham / (adeus Aracaju adeus) / mais razão de encontrar-se / mais nada a dizer." O poema, do livro Leornardo, Benini e outros poemas (Aracaju: ACÊ, 1999) é ilustrado com a imagem de certo San Martim Porres (1575-1639), santo peruano. Um nome tão sugestivo não escapou à verve do ilustre itabaianese, que transformou o irmão latino em orago da "Comunidade Solidária dos Bebuns do Cacique".

Aliás, o Cacique Chá está entre os espaços que já tiveram função na vida da cidade e hoje estão às quedas, tais como o Hidroviário Jackson de Figueiredo, os prédios onde funcionaram a Delegacia da Receita Federal, na praça General Valadão, e a Secretaria da Educação, na Ivo do Prado. Hoje simples "fábricas de morcego" (imagem do cordelista João Firmino Cabral).

Como alento, vejo que foi descartada a idéia de implodir o Hotel Palace, pois vi dois operários num andaime pingente a semana passada. Numa lojinha do térreo tive acesso à data de sua inauguração: 24.06.1962. A placa está atrás de bolsas femininas. Estas foram gentilmente retiradas pela moça do caixa para atender minha febre repentina de pesquisador. Reza a lenda que foi em um dos seus quartos que Caetano Veloso compôs, em 1979, a letra de "Aracaju" , em parceria com Vinicius Cantuária e Tomás Improta, para o disco Cinema transcendental.

Talvez tudo isso seja reflexo de um equívoco: a propalada reforma do Centro Histórico nos anos 90, deixou de lado um componente importante: é preciso reocupar com cultura os espaços antes ociosos. Nesse sentido, sem cinemas, teatros, bibliotecas, livrarias, casas para espetáculos musicais, bares bacanas, e outros quejandos, o "Centro" tornou-se um mero lugar de passagem. A única alternativa fica por conta da "Rua da Cultura", levada ao ar, às segundas-feiras, naquelas condições precaríssimas em que ficam os Mercados Thales Ferraz e Antônio Franco à noite.

Como essas mal-traçadas serão lidas por meia dúzias de leitores, fica aqui o desejo de que um dia a dívida do Cacique, que segundo um ex-garçom seria o principal empecilho para sua continuidade, seja negociada junto a outro imbróglio: terreno da Prefeitura, prédio do Estado.

Afinal, a geração que chegou ao poder tem representantes que freqüentaram aquele "pedacinho de Europa" no parque Teófilo Dantas. Tem condições de se mostrar mais sensível do que o rol de mandarins que mandou em nossos destinos por décadas e décadas. "O bar mais democrático do mundo", na opinião do professor Vasco Garcia, merece função melhor do que virar receptáculo de entulho. É preciso entender que nem só do bairro Jardins pode viver essa minha Aracaju dos meus amores e desamores.

No mais, é esperar que a epígrafe do nosso "Marcel Proust (1871-1922) dos trópicos", o memorialista Pedro Nava (1903-1984), seja apenas isso, uma epígrafe, e não se torne uma carapuça, já que foi retirada de outro contexto: a fúria da administração municipal contra fícus e palmeiras-imperiais na Belo Horizonte do início do século XX.

O bar e restaurante Cacique Chá faz jus a uma destinação mais luminosa na cidade que tem a rua mais bonita do mundo, na minha modesta opinião. É preciso acreditar que "ali dentro Aracaju / parece até paris" é mais do que um verso na lírica do poeta/prosador que o homenageou com balada e tudo. Conheço até quem queira tomar conta de tão nobre referência.

Além disso, os garçons "Cabeção - o embriagador de pessoas", "Meu Jovem - também conhecido por Bisquí", "Gugu", "Ator", "Seu Álvaro", etc., não podem se tornar apenas meros personagens para a pena deste aprendiz de escritor. Ele, assim como Manuel Bandeira, (1886-1968), vê mais uma vez: "(Todas as manhãs o aeroporto em frente me dando lições de partir.)" Mas seu lugar é aqui.

* Professor e contista. Atualmente é doutorando no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC/SP.

Texto reproduzido do site: destaquenoticias.com.br

Painéis pintados por Jenner Augusto no Cacique Chá.
Foto: Jornal "Gazeta de Sergipe" nr. 5.956 - 18/02/1978.
Reproduzida aqui do blog: aracajuantigga.blogspot.com.br
De: José de Oliveira B. Filho.

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 30 de janeiro de 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário