Foto: Boite Cacique - Casais dançando - extraída do livro:
MELINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi. 3 ed.
Aracaju: Unit, 2007.
Reproduzida do blog aracajuantigga.blogspot.com.br de José de Oliveira B. Filho.
O Cacique Chá
No auge, lá pela década de cinquenta, conta-se que reunia a
nata ao embalo dos foxtrox’s da pianista Maria Olivia e das guarânias do boêmio
Antonio Teles. Senhoras de fina estirpe com seus vestidões em seda brocada
tilintavam berloques na pista, torturadas pelo aperto nas cintas que lhes
arrochavam as cinturas, moldando-lhes o corpinho “violão”.
Dançava-se, sim, mas com muito respeito e velada sonsidão.
Afinal, os “picad’aço” mais proeminentes da cidade estavam ali cumprindo
funções familiares com prazo combinado até as 11 horas, porque, depois disso,
era no Cabaré Mira Mar que lhes esperava a esbórnia, a mesa reservada com putas
novas trazidas de Ilhéus, ou mesmo de Jeremoabo. Também era lá que se podia
assistir a um bailado tirado a Moulin Rouge e skets teatrais com muita
sacanagem, montados por Tonho do Mira, o proprietário. Lá, a coisa era mais,
digamos, cultural.
Quando o alcancei, já na década de sessenta, o “Cacique Chá”
ainda era um templo. Rodeado de córrego artificial e bela vegetação, ostentava
no frontispício da entrada e ao cimo das paredes internas, a arte portinaresca
do pintor Jéner Augusto, lagartense que se mandara logo cedo em busca de
merecida glória na Bahia. E não era só por isso: o bom gosto das mesas, o
patamar do piano, os garçons de libré com elegantes mesuras e o respeitável
dono, Seu Freitas, de pouca conversa e nenhum sorriso, sempre por trás da
registradora - uma engenhoca em floreado art-déco - barulhenta e linda. Seu
Freitas, uma figura! Contam que uma noite, saco cheio de esperar saideira de
bêbado, trancou a registradora e entregou as chaves do bar aos reticentes
fregueses: - “Quando vocês acabarem, fechem a casa”, e se foi resmungando.
Mas o Cacique já tinha perdido o charme antigo. Agora, suas
atrações eram uma caprichada galinha-ao-molho-pardo servida com arroz soltinho
e farofa, e a esfuziante diversidade de malucos e gente “quase bem” que o
freqüentava. Ao lado da mesa ocupada pelo pintor Françoá Hold, que lá gastava
com raffinées de nobreza (em vinhos e zenebras importadas) o que ganhara com a
venda de santos surrupiados de altares interioranos, estava a mesa cativa do
MDB, onde só sentavam diplomados parlamentares e autoridades que tais. Eu mesmo
nunca me cheguei, mas esticava o ouvido que não era besta! Muita esperteza
ganhei ouvindo as perorações de Jaime Araújo, um respeitável advogado,
ex-deputado, baixinho de careca luzidia, emedebista de primeira água e
sergipano de lei.
Recentemente, passei no Cacique Chá.
Está acabado.
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