sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Milton Santos, O Vereador do Carrossel


MILTON SANTOS: O Vereador do Carrossel
Por Osmário Santos

Mílton Santos nasceu a 25 de novembro de 1915, em Siriri, Sergipe. Seus pais: José Maria de Souza, agricultor, e Eulina Mália Santos. Aos quatro anos de idade, chegou na capital de Sergipe para morar com sua tia Elvira Santos. Pela difícil situação financeira da família, teve uma infância marcada por sua saída do colégio por falta de recursos financeiros.

Dona Maroca, uma professora particular de muita fama e muita bondade, foi a professora que entrou com a marca definitiva na vida de Mílton, principalmente, pelo seu fervor católico. Estudou no Colégio Evangelino de Faro, onde concluiu o segundo ano do concurso primário. Quando estava animado para cursar o terceiro ano, o colégio foi vendido ao professor Zezinho Cardoso. Para Mílton, uma fase negra em sua vida.

Foi a possibilidade que eu tinha de estudar e perdi. O colégio cobrava, naquela ocasião, seis mil réis por mês. Quando passou para o colégio de José Alencar Cardoso, a mensalidade passou para dez mil réis. Seis mil réis já era um sacrifício para a minha mãe, então, fui forçado a deixar o colégio. Além do momento, um outro fato contribuiu para minha saída do colégio e abandono dos estudos. Fui obrigado o uso de farda. Deram o prazo para que nós tivéssemos a farda. Minha mãe não podia comprar. Tinha, naquela ocasião, audiência com o Manoel Dantas, presidente do Estado, hoje, governador. Tive a iniciativa de, no dia de audiência, pedir quatro metros de brim caque para fazer minha farda. Um desejo de continuar estudando no colégio e muito mais ainda de ir fardado. Achava lindo poder estudar como um soldado, já que a farda do colégio do professor Zezinho era assim, com quepe e perneira. Lamentavelmente, o presidente do Estado negou, dizendo que não tinha condições de atender o meu pedido.

Aos treze anos, tendo abandonado os estudos, foi ser aprendiz de gráfico, trabalhando no antigo Diário da Manhã, jornal que circulava em Aracaju e era dirigido por Francisco Leite Neto e Gonçalo Rollemberg. Depois de três anos de aprendizado, foi enfrentar seu primeiro emprego. Já tinha dezesseis anos quando entrou na Casa Ávila, em 1931, como tipógrafo. Já sustentava sua tia, sua mãe e sua avó.

Sua juventude foi de muito trabalho. Entrava pela noite nas horas extras para ganhar mais um pouco. Aos domingos, dava um tempinho para jogar pelada no Campo do Tobias, localizado na antiga Ilha das Cobras, hoje, onde funciona o Ceasa.

Casou-se em 1937. Logo após o casamento, os dois partiram para o Rio de Janeiro, onde o Mílton foi aventurar emprego de gráfico. Coisa fácil para um bom profissional. No ano de 1941, retornou a Aracaju já trazendo um filho a tiracolo. Mílton Santos obteve sucesso no Rio e voltou para lá, passando ainda dois anos. Em 1943, a saudade chegou, e Mílton voltou definitivamente para Aracaju, ingressando no quadro de funcionários da Imprensa Oficial.

José de Matos Teles foi o grande incentivador de seu ingresso na política sergipana. Mílton, com ele e mais alguns companheiros, como Flávio Diniz e José de Oliveira, fundaram, no ano de 1951, o Partido Social Trabalhista (PST). Na eleição de 1954 pelo PST, candidatou-se a uma vaga na Câmara Municipal. Acreditava nos amigos e no seu ideal político. Foi chegando devagar, dando impressão de que não queria nada e “beliscando” seus concorrentes. O nome Mílton Santos entrou na história política da cidade de Aracaju. Foi o vereador com vinte e oito anos de Câmara, sendo eleito sucessivamente em sete legislaturas. Do PST, com a extinção dos partidos, filiou-se à ARENA, encerrando sua carreira política no ano de 1983.

Uma coisa quase inacreditável. Nunca faltei a uma sessão legislativa durante 28 anos. Só uma vez me licenciei para tratamento de saúde. Nesse período, perdi duas sessões. Tenho boas lembranças da época em que exerci o mandato de vereador de Aracaju.

É testemunha de vários episódios. Alcançou o período da política rancorosa, das famosas brigas entre a UDN e PDS e, com tudo que sabe, daria para publicar alguns livros. Gosta de destacar sua conduta como vereador durante todo o tempo de mandato.

Nunca dei o direito de alguém dizer que contava com o meu voto. Porque somente aquilo que era de interesse da comunidade contava com o meu voto. Fui testado para ser comprado, não em escala tão elevada como chegou nos últimos tempos, mas uma vez ou outra, acontecia. Agora, eu nunca me vendi. Havia interesses até pela eleição de mesa, a mesma coisa que até hoje ainda está acontecendo. Você está vendo aí no Congresso Nacional, é toma lá e dá cá. Antigamente, diz a turma que corria grana mesmo. Como ninguém me ofereceu dinheiro, pois eles já sabiam quem era o Mílton Santos, diziam: ‘Esse não’. Lembro-me de quando havia os planos de arrumamento, para localizar as residências. Para aprovar determinado plano, o sujeito recebia determinado lote de terra. Por isso, eu fui autor de uma lei, obrigando a doação de área de cada lote para o município para a construção de creche, escola, posto de saúde e, assim, acabou o comércio dos lotes na Câmara de vereadores.

Foi presidente da Câmara somente uma vez no ano de 1961. Não foi o candidato do governo nem de oposição.

Havia uma briga entre PSD e UDN para resolver o impasse. Meu nome foi indicado e aceito por todos sem maiores problemas. É melhor não lembrar várias coisas que aconteceram na Câmara.

A ex-vereadora Carmelita afirmou que ia ao Plenário da Câmara armado de revólver. Na legislatura passada, o presidente da Câmara, José Félix, chegou a anunciar pela imprensa que um paletó de um político sempre esconde algum tipo de pistola.

Nunca usei arma na minha vida. Houve ocasião em que aconteceram brigas, mas não me envolvi. Nunca tive um assessor sequer, nem um funcionário à minha disposição. Elaborava meus projetos, meus requerimentos, rascunhava, dava-os a um funcionário da Câmara e ele datilografava. Hoje, um vereador possui assessores à vontade.

A Câmara possuía uma Kombi para apanhar os vereadores em suas respectivas casas, com motorista cedido pela prefeitura. Chegado o momento de a própria Câmara contratar seu motorista, os vereadores recusaram. Resultado: Mílton Santos, que era o presidente da Câmara, transformou a Kombi de passageiros numa ambulância e colocou à disposição do pronto socorro da Prefeitura de Aracaju.

Atendia aos eleitores com o salário de vereador. Durante os 28 anos, nunca pedi nada na prefeitura. Os eleitores que me procuravam, eu dava daquilo que recebia como vereador, pois achava que ganhava demais. Quando era gráfico ganhava muito pouco e como vereador foi uma grandeza.

Mílton Santos, o vereador do bairro Getúlio Vargas, em sua campanha por votos obteve sucesso e fez o maior bem quando adquiriu o Carrossel de Tobias, impedindo que ele fosse vendido para um outro Estado. A vida de Mílton está intimamente ligada ao carrossel de Tobias. Todos na cidade só conhecem o Mílton Santos como o vereador do carrossel.

A irresponsabilidade do poder público fez destruir o Carrossel de Tobias. Por onde andarão os restos do Carrossel de Tobias? O apito do carrossel só vai parar quando descobrirem os autores do bárbaro crime. Um crime que não foi ainda a julgamento e não ganhou manchetes de jornais pela falta do devido e obrigatório registro policial. Um patrimônio de caráter histórico e cultural que custou aos cofres do Estado de Sergipe, com o dinheiro do seu povo, ano de 1983, a pequena importância de quatro milhões de cruzeiros. Como pouco valor não é crime, mataram o sorriso das crianças que freqüentavam o carrossel de Tobias.

O saudoso mestre da poesia sergipana, Freire Ribeiro, escreveu:
O carrossel, ao longe, apita fino!...
Sinto, dentro em mim, uma saudade enorme do tempo de menino.
O carrossel ao lado onze apita fino!
Professor José Rodrigues, versejava:
“Em cada corcel
vai montado um menino
Hoje natal do Aracaju
É natal de folhinha sem
Aquela poesia de cidade singela”
E o Natal aos pés da Catedral que só tem no passado
tão passado,na saudade da gente,
o apito do carrossel de Juvenal.
Piuiii, restam esperanças?
Piuiii, vamos ou não enterrá-lo na praça da Matriz?
Piuiii...

O Carrossel de Tobias era chamado de “A Grande Atração Americana do Século XIX”, tendo sido construído nos Estados Unidos da América no Norte. Chegou ao Brasil no fim do século passado e foi instalado na cidade de Recife, onde permaneceu por alguns anos. Passou pela cidade de Maceió, ficando ali até o ano de 1904, época em que chegou a Aracaju, constituindo-se na maior atração dos festejos natalinos que eram realizados na praça da matriz.

Em 1922, por ocasião dos festejos comemorativos do Centenário de Independência do Brasil, o Carrossel de Tobias foi a principal atração. “O boneco Tobias tocava realejo no seu carrossel, que rodava e corria, levando o coração da meninada de rodada em rodada na mais santa alegria” (Freire Ribeiro, poema do natal do Aracaju de outrora).

Em 1958, o Dr. Juvenal Menezes, sexto proprietário do Carrossel de Tobias, desejando desfazer-se do mesmo, manteve entendimentos com a direção do Parque Shangai, com sede em Recife, acertando a venda do carrossel para o Estado de Pernambuco. Já estava de malas prontas para partir de Sergipe, quando Mílton Santos, através de um amigo, recebeu a triste notícia.

Na festa do natal de 1958, meu amigo Jadiel de Brito Cortes colocou a mão no meu ombro e disse: “Mílton, venha aqui”. Chegou junto do carrossel e disse: “Está vendo? É o último ano que o carrossel fica aqui. Está vendido”.

Juvenal disse para Mílton que estava cansado e, ao mesmo tempo, chateado pela fiscalização municipal, que impedia o aumento dos preços dos ingressos. Achava que estava tendo prejuízo, estando assim, convicto a vender o carrossel. Mílton então resolveu fazer um acordo.

Sr. Juvenal, vamos fazer isso. O carrossel e o jogo de avião o senhor pede duzentos e cinqüenta mil cruzeiros. Pois bem, eu vou apresentar um projeto na câmara para que o município compre, a fim de que possa instalar um parque permanente para as crianças pobres de Aracaju. Vou apresentar o projeto para o município comprar por trezentos mil cruzeiros. Agora, vamos fazer uma coisa: se o projeto for aprovado, o senhor desiste da venda, se não, o senhor concretiza.

Juvenal mostrou para Mílton as propostas recebidas. Tinha um interessado de Alagoas, que ia vender um caminhão para comprar o carrossel. Um outro de Pernambuco que ia vender uma casa e tinha também uma proposta do Parque Shangai que ia depositar o dinheiro no banco da Lavoura.

Com o apoio dos vereadores, Mílton conseguiu aprovação pela Câmara para comprar o Carrossel de Tobias. Logo, o sr. Juvenal passou telegrama para os interessados comunicando desistência da venda. O carrossel foi desarmado com o fim dos festejos natalinos e o sr. Juvenal ficou aguardando o dinheiro da prefeitura, com lei aprovada e assinada pelo então prefeito Rosewel Menezes. Terminou o mandato do prefeito, entrou outro, Conrado de Araújo, e nada foi concretizado.

Conrado, logo ao assumir, disse para Mílton: “Meu irmãozinho, o dinheiro que eu tiver de comprar, vou comprar caminhões para o serviço da população”. Mílton, preocupado com o tradicional patrimônio, em sua luta de querer preservá-lo na terra, tratou logo de procurar pessoas de alto poder aquisitivo para impedir a saída do Carrossel de Tobias de Aracaju. A primeira pessoa procurada por Mílton respondeu: Se fosse uma coisa boa, o dono não queria vender. Foi para uma outra pessoa. “Por que você não compra?”

Foi com um empréstimo de um parente, Aroaldo Mendonça Santos, que Mílton Santos aceitou a luta e adquiriu o Carrossel do Tobias fazendo a seguinte proposta: sr. Juvenal, vou comprar o carrossel por trezentos mil cruzeiros. Assino três promissórias, uma de cento e cinqüenta, uma de cem e uma de cinqüenta. Se eu puder pagar, até o natal, os trezentos, eu pago; se não, a partir da segunda promissória pago juros.

Nos festejos natalinos do ano de 1969, Mílton Santos passou a ser o proprietário do carrossel e, ao fim deles, depois da festa de Reis, não devia mais ao sr. Juvenal. Confessa que sua investida na área de divertimentos foi mais por uma questão sentimental.

Comprei o carrossel para não deixar que ele saísse de Aracaju. No primeiro ano, fiz um ofício para todos os orfanatos de Aracaju, convidando as crianças para correrem no carrossel e assim foi durante todo o tempo em que fui proprietário. Além dos orfanatos, eu também distribuía bilhetes com a gurizada de Aracaju. Aconteceu, uma coisa interessante. No mês passado, eu estive na casa de uma amiga, quando ela me mostrou dois bilhetes de cortesia do carrossel.

Em maio de 1955, por ocasião dos preparativos para os festejos comemorativos do IV Centenário de Fundação da Cidade do Rio de Janeiro, dois empresários chegaram a Aracaju, com a incumbência de levar o carrossel para a então capital da República, com a condição de o mesmo ficar durante um ano na Cidade Maravilhosa. Apesar das propostas vantajosas apresentadas, as mesmas não foram aceitas pelo Mílton Santos para evitar que o Natal de Aracaju ficasse sem o tradicional Carrossel de Tobias.

A Empresa Cinematográfica Brasileira-Norte Americana Al Barteller, em dezembro de 1959, estava na Bahia para efetuar a filmagem de cenas para o filme Capitães de Areia, extraído do romance de Jorge Amado. Para Aracaju, enviou proposta, objetivando levar o Carrossel de Tobias para Salvador, a fim de efetivar a filmagem de roteiros da película a ser rodada. Propostas foram apresentadas, tendo sido recusadas pelo Mílton Santos, que não aceitava a ausência, nos festejos natalinos de Aracaju, do tradicional carrossel.

Decorridos cinco dias, chegou a Aracaju um emissário acompanhado de diretores da Empresa Cinematográfica, inclusive, de um americano. O diálogo foi feito com ajuda de um intérprete. Viemos buscar o Carrossel de Tobias para filmagens de cenas do filme Capitães de Areia que está sendo rodado em Salvador, por ser o único carrossel no gênero existente no mundo. Queremos começar a transportá-lo a partir de amanhã, pois não podemos perder tempo. Apesar de boas propostas, Mílton Santos recusou, pois, em dezembro e em janeiro, o carrossel não saía de Aracaju por dinheiro nenhum.

Em face à recusa, ficou acertado que a empresa “Al Barteller” traria toda equipe para Aracaju para efetuar a filmagem aqui, o que ocorreu cinco dias depois. Chegaram vários veículos trazendo toda aparelhagem destinada à realização da filmagem e dois ônibus com crianças, atores, diretores e produtores. Durante todo o dia e parte da noite, o Parque Teófilo Dantas, que foi o local das filmagens, viveu momentos inesquecíveis com o espetáculo inédito ali ocorrido, que atraiu, inclusive, a curiosidade de milhares de pessoas que para ali se dirigiram e ficaram até a madrugada, vendo o Carrossel de Tobias ser filmado por gente do cinema internacional, contando até com a presença da atriz Ronda Fleming.

A idade venceu Mílton Santos que foi forçado a vender o Carrossel de Tobias. Recebeu propostas da Bahia, de Minas e, em 1983, vendeu ao governo de Sergipe por quatro milhões de cruzeiros. Recusou propostas de seis milhões, mas preferia vender para Sergipe por um preço menor. Hoje, a venda representa seu grande arrependimento, por terem acabado o seu querido carrossel. Mílton Santos lembra que advertiu a necessidade de uma boa cobertura para uma instalação permanente.

A minha era uma cobertura de lona, pois era somente para o período dos festejos natalinos, um mês e poucos dias. Sugeri a instalação no Parque Teófilo Dantas, mas nada adiantou. Foi instalado no Parque da Cidade e ficou guardado no depósito da Secretaria de Educação. Quando falaram que ia ser armado no Parque da Cidade, lá no Morro do Urubu, e eu tomei conhecimento, já estava com dois meses e meio que o carrossel estava abandonado ao relento. Eu tenho até fotografias que podem ser publicadas. Os cavalos eram de madeira, de pinho de riga, uma obra perfeita. Não há um carrossel como o de Tobias. Todos os carrosséis são diferentes. O movimento dele era de uma carruagem. Portanto constava de seus cavalos puxando uma carruagem. E o movimento dos cavalos era perfeito, trotando, acompanhando o movimento da rotação do motor.

Mílton informa que, por falta de manutenção e dos devidos cuidados, acabaram com o Carrossel de Tobias. Deixaram o motor sem óleo e sem nada.

Acho que hoje ainda existe um resto por lá. Tenho impressão de que não há uma maneira de restaurá-lo. Se continuaram do jeito que encontrei, pois os cavalos eram de pinho, já não há mais condições de recuperá-los. O principal do carrossel são os cavalos. Se estão perfeitos e se estão lá, não há problema. Se não me engano, numa formatura dessa aí, eu vi um cavalo desfilando na avenida Barão de Maruim.

No ano de 1937 foi ao altar. Começou a namorar sua esposa aos treze anos e quando ela tinha dezesseis, tomaram a decisão de uma vida a dois. Ele morava bem perto de sua casa e era irmã de um colega do time de futebol. Mílton e Anita Santos deram o sim no dia 20 de janeiro de 1937. Do casamento, cinco filhos: Valdir Santos, Vilder Santos, Nadja Santos, Vilmar Santos e Nadir Santos.

Matéria publicada no Jornal da Cidade em 01/07/1991.

Milton Santos foi vereador de 1955 até 1983
Foto: Divulgação/Reproduzida do site: g1.globo.com/se/sergipe

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, em 18 de janeiro de 2013.

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