sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Aventuras na Praia Formosa


(Desta vez a pedido de Hunald Fontes de Alencar)

Aventuras na Praia Formosa

Minha tia Luizita morava na Praia Formosa, numa casinha deliciosa com varanda para as croas que se formavam na maré baixa, assim de maçunins e gorés. Do quintal delimitado por uma cerca de varas via-se um imenso manguezal de lama escura, quase sem vegetação, que se estendia até um sítio de manjelões e raros coqueiros, lá longe, onde depois construíram o estádio Batistão.

Foi da casa de Tia Luizita que eu conheci o mar em companhia dos meus irmãos. Vínhamos de Simão Dias, na boca do sertão, arrotando valentia. Cada um se gabando mais preparado para enfrentar os mistérios do mar em Aracaju, cada qual mais secretamente temeroso dele. Afinal, criados na secura do sertão, só conhecíamos a água barrenta do Tanque Novo e, de vez em quando e apenas da margem, as águas enormes do Açude Velho, um lago tão enorme quanto silencioso onde o banho nos era proibido.
Minto. Havia também o Chora Menino, uma pequena represa que se derramava em cascata sobre o limo de pedras escorregadias, onde fazíamos festa enrugados de frio, quando papai nos levava em excursões domingueiras, pras bandas da Fazenda Mercador.

Do mar só conhecíamos o rugido aprisionado num caracol gigante que enfeitava a mesinha de centro na sala principal da nossa casa. Um zunido constante e misterioso onde imaginávamos o fragor de batalhas homéricas entre divindades e divindades e criaturas monstruosas do fundo do mar. O imenso caracol de beiradas peloladas era como uma cornucópia, derramando o ouro impar da fantasia juvenil nas virgens cavernas da nossa interiorana imaginação. Enfim, o mar era mais que um apavorante rugido em nossos sonhos infantis.

Ao enfrentá-lo na primeira vez, atônito diante daquela potestade a remover-se em ondas e reclamações, diante daquele tumulto vindo do horizonte infinito até desfazer-se como um cão de espumas aos meus pés, àquela entidade que me reduzia à pequenez humana afrontou a me, e eu a temi. Estava diante de tamanhos que não conhecia e aquela divindade em volume de água e infinitude, era bem maior do que uma frágil criança sertaneja, ainda que valente e destemida, poderia entender.

Na casa de Tia Luizita cada um de nós tinha sua toalha e o seu próprio cotoco de sabonete, porque banho sem estes apetrechos não valia a pena. O balde cheio de maçunins e conchas só voltava, quando, á custa de muito grito, retornávamos à casa devidamente tostados de sol, com a pele assada quase em chagas, onde não se podia nem tocar. Tome-lhe pomada Minâncora, todos lambuzados de branco, mas felizes e cansados de tanto sol e mar.

Pela manhã, bem cedinho, a brincadeira era pegar caranguejo com um talo de coqueiro feito laço, no mangue do quintal. No lamaceiro atrás da casa tinha tanto caranguejo quanto goré na praia em frente. Era um cenário de ficção científica a enorme extensão de lama prateada pelo sol, toda ela coberta de figuras extraterrestres, encascadas e peludas, com grandes garras e olhos buliçosos, avançando ameaçadoras sobre os quintais da humanidade. Nossa missão era dominá-las e comê-las, pela salvação do planeta terra.

Logo o panelão ficava cheio delas ainda croquitando ameaças nos íngremes paredões de alumínio com suas garras ameaçadoras, querendo luta. A criançada ficava responsável pelo tempero e cozimento da caranguejada, numa trempe de tijolos colocada em terra firme. Ficava até bom a nossa inusitada refeição matinal, mas a areia mal lavada trincava nos dentes.

De modo que a Praia Formosa foi o cenário das minhas primeiras aventuras nessas terras do Aracaju, quando iniciei o aprendizado dos seus ritos ancestrais e a relação, ao mesmo tempo amorosa e predadora, que esta maravilhosa cidade praiana oferecia aos seus habitantes.
De lá pra cá, deu no que deu.

Amaral Cavalcante.

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 21 de fevereiro de 2014.

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