(Desta vez a pedido de Hunald Fontes de Alencar)
Aventuras na Praia Formosa
Minha tia Luizita morava na Praia Formosa, numa casinha
deliciosa com varanda para as croas que se formavam na maré baixa, assim de
maçunins e gorés. Do quintal delimitado por uma cerca de varas via-se um imenso
manguezal de lama escura, quase sem vegetação, que se estendia até um sítio de
manjelões e raros coqueiros, lá longe, onde depois construíram o estádio
Batistão.
Foi da casa de Tia Luizita que eu conheci o mar em companhia
dos meus irmãos. Vínhamos de Simão Dias, na boca do sertão, arrotando valentia.
Cada um se gabando mais preparado para enfrentar os mistérios do mar em
Aracaju, cada qual mais secretamente temeroso dele. Afinal, criados na secura
do sertão, só conhecíamos a água barrenta do Tanque Novo e, de vez em quando e
apenas da margem, as águas enormes do Açude Velho, um lago tão enorme quanto
silencioso onde o banho nos era proibido.
Minto. Havia também o Chora Menino, uma pequena represa que
se derramava em cascata sobre o limo de pedras escorregadias, onde fazíamos
festa enrugados de frio, quando papai nos levava em excursões domingueiras,
pras bandas da Fazenda Mercador.
Do mar só conhecíamos o rugido aprisionado num caracol
gigante que enfeitava a mesinha de centro na sala principal da nossa casa. Um
zunido constante e misterioso onde imaginávamos o fragor de batalhas homéricas
entre divindades e divindades e criaturas monstruosas do fundo do mar. O imenso
caracol de beiradas peloladas era como uma cornucópia, derramando o ouro impar
da fantasia juvenil nas virgens cavernas da nossa interiorana imaginação.
Enfim, o mar era mais que um apavorante rugido em nossos sonhos infantis.
Ao enfrentá-lo na primeira vez, atônito diante daquela
potestade a remover-se em ondas e reclamações, diante daquele tumulto vindo do
horizonte infinito até desfazer-se como um cão de espumas aos meus pés, àquela
entidade que me reduzia à pequenez humana afrontou a me, e eu a temi. Estava
diante de tamanhos que não conhecia e aquela divindade em volume de água e
infinitude, era bem maior do que uma frágil criança sertaneja, ainda que
valente e destemida, poderia entender.
Na casa de Tia Luizita cada um de nós tinha sua toalha e o
seu próprio cotoco de sabonete, porque banho sem estes apetrechos não valia a
pena. O balde cheio de maçunins e conchas só voltava, quando, á custa de muito
grito, retornávamos à casa devidamente tostados de sol, com a pele assada quase
em chagas, onde não se podia nem tocar. Tome-lhe pomada Minâncora, todos
lambuzados de branco, mas felizes e cansados de tanto sol e mar.
Pela manhã, bem cedinho, a brincadeira era pegar caranguejo
com um talo de coqueiro feito laço, no mangue do quintal. No lamaceiro atrás da
casa tinha tanto caranguejo quanto goré na praia em frente. Era um cenário de
ficção científica a enorme extensão de lama prateada pelo sol, toda ela coberta
de figuras extraterrestres, encascadas e peludas, com grandes garras e olhos
buliçosos, avançando ameaçadoras sobre os quintais da humanidade. Nossa missão
era dominá-las e comê-las, pela salvação do planeta terra.
Logo o panelão ficava cheio delas ainda croquitando ameaças
nos íngremes paredões de alumínio com suas garras ameaçadoras, querendo luta. A
criançada ficava responsável pelo tempero e cozimento da caranguejada, numa
trempe de tijolos colocada em terra firme. Ficava até bom a nossa inusitada
refeição matinal, mas a areia mal lavada trincava nos dentes.
De modo que a Praia Formosa foi o cenário das minhas
primeiras aventuras nessas terras do Aracaju, quando iniciei o aprendizado dos
seus ritos ancestrais e a relação, ao mesmo tempo amorosa e predadora, que esta
maravilhosa cidade praiana oferecia aos seus habitantes.
De lá pra cá, deu no que deu.
Amaral Cavalcante.
Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 21 de fevereiro de 2014.
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