Publicado originalmente no Facebook/Carlos Alberto Déda, em
16/09/2015.
Lembranças do BNB e dos irmãos autistas de Lagarto.
Nos anos sessenta, a Agência do BNB em Simão Dias era uma
das maiores em operações de crédito rural do Nordeste. Seu zoneamento alcançava
vários municípios de Sergipe e Bahia.
O número de clientes era tal que antes mesmo de iniciar o
expediente a porta do Banco era tomada pela clientela, não obstante se ter uma
rigorosa e programada agenda de atendimento.
A razão do grande número de interessados eram os baixos
encargos dos financiamentos. O Banco financiava a atividade rural com juros 7%
ao ano, e nem se falava em correção monetária. Tais financiamentos eram
formalizados por contratos de mútuos, com um montão de cláusulas, alguns com
pacto adjeto de hipoteca. A única exceção era o empréstimo para aquisição de
bovinos para engorda, realizado com base em uma Resolução nº 64, do Banco
Central, e formalizado através de Nota Promissória, com juros de 12% ao ano.
Somente após 1967, com o Decreto Lei 167, é que surgiram as Cédulas de Crédito
Rural, nas quais se datilografavam as mesmas cláusulas dos contratos e não se
admitiam rasuras.
Para atendimento de tantos clientes, a agência necessitava
um número alto de funcionários. A razão disto é que naquela época todos os
documentos e cálculos bancários eram realizados manualmente. Os registros dos
cálculos de juros e movimentação dos empréstimos eram feitos em fichas com
lápis grafite, conferidos, e depois de datilografados eram submetidos a nova
conferência. De ver-se que tudo era realizado com auxílio apenas das máquinas
de datilografia e das calculadoras FACIT (máquina com manivelas que,
impulsionadas com o movimento dos dedos, realizava operações de multiplicar e
dividir).
Daí a razão pela qual nos concursos para bancários se exigia
um razoável conhecimento de cálculos (porcentagem, juros e regra de três),
redação, datilografia e contabilidade.
Nos dias de hoje os bancos contam com modernos computadores
e dispensam parte da mão de obra. Com os caixas eletrônicos e a movimentação
via internet, raramente temos contatos com o reduzido número de bancários.
Mas deixemos esta parte pra lá e vamos reavivar a memória
com os causos que nos interessam.
Nos anos sessenta a Agência do BNB em Simão Dias contava com
mais de trinta funcionários (Ver foto). O número de colegas era suficiente para
realizarmos um campeonato interno de futebol de salão, patrocinado pelo
BNB-Clube. O meu time era o Anápolis Futebol Clube (nome que eu sugeri), o
grande campeão e que foi notícia no jornal “Comunicado ao Funcionalismo”,
editado pela Assessoria de Relações Pública da direção geral do BNB em
Fortaleza (ver foto abaixo).
Naquele tempo, andavam pela cidade dois rapazes excepcionais
de origem lagartense. Eram irmãos, ambos autistas. Não me recordo o nome deles,
mas eram conhecidos como os andarilhos calculistas de Lagarto. Vagueavam por
este Brasil afora, endurecendo o couro dos pés. Baixinhos, brancos, com cabelos
desalinhados, usando chapéus de palha e calças com as pernas ligeiramente
arregaçadas sem cobrir os pés descalços. Um tinha um olhar fixo e vago; o
outro, com estrabismo, desviava os olhos para tudo em sua volta, demonstrando
uma curiosidade incontrolável. Um era calado; o outro conversava, era portador
da síndrome do sábio ou savantismo (um distúrbio psíquico, com grande
habilidade para cálculos matemáticos, instantâneos e com precisão).
Pois bem. Quando eles chegavam à Agência do BNB todos se
reuniam para testar as habilidades do excepcional. Em um piscar de olhos,
bastando saber a data do aniversário, ele dizia com exatidão o dia da semana em
que a pessoa nascera. Com uma memória fantástica ele realizava os cálculos de
multiplicar e dividir com uma rapidez impressionante, ganhando de longe para a
FACIT, que era operada pelo colega Mário Jorge, o mais rápido nos cálculos com
referida máquina.
Posteriormente, a Agência recebeu a “moderníssima” máquina
elétrica Divisumma GT24, que realizava rapidamente as operações de dividir e
multiplicar. Aí, então, aguardamos com interesse o aparecimento dos simpáticos
irmãos andarilhos, para se testar a rapidez e a precisão do moço calculista.
Quando surgiu a oportunidade, registramos em um papel os
números com vários dígitos para a realização de operações de multiplicar e
dividir. Ao tempo que digitávamos os números para a máquina, informávamos ao
autista prodígio. Instantaneamente ele nos dava a resposta, que anotávamos em
um papel, enquanto a Divisumma barulhenta agitava o mecanismo para, segundos
depois, mostrar o resultado (igualzinho ao já fornecido pelo excepcional).
Ficávamos pasmos.
Embora sofresse deficiências psíquicas, o rapaz de Lagarto
era imbatível na rapidez e na precisão ao realizar cálculos matemáticos.
Daquela época a esta parte, nunca mais tive notícia dos
andarilhos de Lagarto. Possivelmente, se vivo estiver, o autista sábio ainda
realize os cálculos com precisão e maior rapidez que os modernos computadores.
Por onde andarão os amigos irmãos autistas dos velhos
tempos?
Aracaju, 15/09/2015
Beto Déda.
Texto e imagens reproduzidos do Facebook/Carlos Alberto
Déda.
Postagem originária do Facebook/GrupoMTéSERGPE, de 2 de janeiro de 2016.
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