Publicado originalmente no Facebook/Petrônio Gomes, em
10/12/2015.
A Armadilha.
Por Petrônio Gomes.
Há uma pequena escada em nossa residência que conduz a um
pavimento construído sobre a garagem e demais dependências de serviço. São
apenas quinze degraus, mas o declive é íngreme, de tal modo que as pessoas
idosas devem usá-los com extrema cautela. Queda de velho é uma desgraça.
Nossos netos, entretanto, subiam e desciam por eles como se
estivessem numa calçada, deixando-nos, às vezes, com a respiração suspensa,
saudosos do tempo em que nossas articulações não nos envergonhavam. Aos
sábados, particularmente, a escada virava passarela de tempestade, com trânsito
cerrado em ambos os sentidos.
Certo dia, tentando apelar para a diplomacia, chamei Tiago
para uma conversa. Ele tinha seis anos, idade de ouro do homem, quando nada no
mundo faz medo. As quedas mais incríveis não passam de pequenos incidentes.
Nessa idade, mulher também nada significa, só serve para atrapalhar. Tiro por
mim: filme bom era aquele do mocinho contra os bandidos, com tesouro escondido
e cavalo ensinado. Filme de amor era um purgante!
Tiago já figurava em meus registros como formador de
quadrilha, pois sempre foi o aliciador dos companheiros mais novos para o seu
grande leque de peripécias. Durante nossa entrevista, inventei que um gato
costumava subir as escadas do meu sétimo céu, onde moram meus livros, meus
discos e meus sonhos, além dos chocolates que costumava guardar para ele e seus
comparsas. No final, pedi sua valiosa cooperação, no sentido de capturarmos o
traiçoeiro felino, mas, na verdade, o que eu estava pretendendo era ocupá-lo
com uma tarefa que mantivesse a quadrilha em sossego.
Tiago ouviu tudo sem dizer uma palavra, mas uma ideia já
havia começado a faiscar em sua cabeça. Eu conheço o meu gado.
No dia seguinte, ao voltar da cidade, segui direto para o
meu refúgio. Mas parei no meio da escada, diante de uma complicação que tentarei
descrever: no quarto degrau, de baixo para cima, havia uma lata de leite
condensado vazia. No fundo da lata, estava amarrado um cordão, que, através de
um pequeno furo, o prendia a um pedaço de pau. Segui o cordão, que se achava
enroscado no corrimão da escada, pelo lado de fora. Em cima, no alpendre, a
ponta do cordão havia sido presa a um cabo de vassoura, e esta, por sua vez,
estava colocada entre as grades do pequeno parapeito.
Debrucei-me para concluir o exame. E vi, lá em baixo, um
balde com água até às bordas, colocado em local estratégico, isto é, sob a
linha vertical do cabo de vassoura. Vários objetos estavam colocados depois do
balde, inclusive engradados vazios, garrafas e uma gaiola velha, tudo com a
finalidade de dificultar a fuga do gato, que, a esta altura, já deveria ter
entrado em pânico. Sentei-me no quinto degrau, de cima para baixo, encostei a
cabeça na mão e chamei Tiago. Ele apareceu, vestido numa capa esvoaçante, presa
ao pescoço por uma fivela; tinha também um chapéu preto na cabeça, pois esta
indumentária era o traje favorito de um vingador qualquer.
Tiago estava visivelmente contrariado com a interrupção do
meu chamado, mas compareceu. Quando lhe perguntei que diabo era aquilo tudo na
minha escada, ele me olhou com extrema paciência e explicou:
- Vovô, o gato vai subir a escada, não vai? O senhor não
disse que ele sobe todo dia? Vai subir e achar a lata. Vai pensar que tem
comida na lata, mas não tem. Quando ele meter a cabeça na lata, a corda tira a
vassoura do lugar, lá em cima. O gato vai pensar que a vassoura está presa e
termina caindo no balde. Quando sair do balde, não vai poder passar por cima
das garrafas e da gaiola, porque está apavorado.”
Depois afastou-se, balançando a cabeça diante da lentidão do
meu pensamento. Deixei no mesmo lugar a armadilha do meu neto e pedi a todos os
familiares que me deixassem com minhas reflexões.
Eu inventei a história do gato para comprar silêncio. Tiago
inventou uma armadilha que, se funcionasse, faria mais barulho do que ele e sua
quadrilha.
Na manhã seguinte, já esquecido de tudo, tropecei na
vassoura, escorreguei na corda e agarrei, molhado de suor, o corrimão da
escada. Por um triz, não caí lá em baixo, dentro do balde. Pois queda de velho
é uma desgraça.
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio
Gomes.
Postagem originária do Facebook/MTéSERGIPE, de 2 de janeiro de 2016.
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