Publicado originalmente na Fan Page/Facebook/Petrônio Gomes.
Rádio Antigo.
Por Petrônio Gomes.
Longe de mim querer depreciar o rádio da atualidade. Cada
época tem seus próprios matizes que se refletirão nos vários setores da
atividade humana. Já se disse que “o homem é filho do seu tempo.” Entretanto, é
uma prerrogativa dos mais velhos o hábito de comparar, pois que o testemunho de
outra época lhes pertence. Não é justa a acusação de “saudosismo” contra esses
depoimentos, pois o lógico seria que se tivesse saudade também das coisas
ruins, o que naturalmente não acontece. E como foi pródigo o passado de coisas
desagradáveis!
Para começar, digamos que no passado qualquer pessoa ligava
o rádio para se divertir e não para elevar sua pressão arterial. Aliás, o
simples fato de se ligar um receptor radiofônico era um verdadeiro ritual.
Tenho diante dos meus olhos o grande aparelho que havia em nossa casa e que
ocupava quase a metade de um dos móveis da sala. O pai ligava o rádio e toda a
família ficava ao redor, como quem espera o início de uma peça de teatro. Havia
um tempo determinado para que as válvulas esquentassem, e todo mundo já sabia
disso. Somente depois começava a chiadeira, sinal de que se poderia lutar para
“pegar a estação”...
A preferida lá em casa era a “Mayrink Veiga”, onde um
locutor gaúcho começava a fazer fama em todo o Brasil. Era uma delícia ouvi-lo
soletrar a palavra “Scatamacchia”, a marca de um calçado masculino, sapatos de
sola fina que viraram a coqueluche da rapaziada por vários anos. Ele também
anunciava uma casa de louças que havia na Av. Marechal Floriano, chamada pelos
cariocas de “Rua Larga”. O nome da loja era o “Dragão”, com “quatro portas em
frente à Light.” Esta era a empresa inglesa concessionária da distribuição
elétrica e dos transportes do Rio de Janeiro. Sua casa matriz ficava em um belo
edifício na mesma Avenida e, pouco adiante, o célebre “Palácio Itamaraty”, que
o dr. Niemeyer copiou para a sua cidade artificial em Brasília. Antes que me
esqueça, o nome desse locutor era César Ladeira. Ele casou com uma corista
argentina chamada Renata Fronzi.
A outra emissora famosa foi a Rádio Nacional do Rio de
Janeiro, com estúdios no último andar do Edifício de “A Noite”, na Praça Mauá,
o primeiro endereço que visitei quando fui ao Rio pela primeira vez, ainda com
os queridos programas de auditório que povoaram minha juventude aqui em
Aracaju. Alcancei a emissora em sua fase de decadência, mas tive tempo de ver
os grandes microfones, diante dos quais se perfilaram os grandes cantores de
nossa música popular. Conheci pessoalmente alguns deles, como já escrevi em
outras ocasiões.
Não havia os recursos formidáveis que hoje nos assistem. A
orquestra e os cantores deviam dar o seu recado de uma vez por todas. Era simplesmente
proibido errar, no tom, na letra ou no compasso...
Havia também as entrevistas, as notícias, a publicidade,
esta sempre redigida com outro apuro, talvez com um pouco mais de respeito pelo
público. Os cantores cumpriam seu papel com a maior naturalidade, sem tantas
caretas e querendo brigar com o microfone. Hamilton Valin era um pianista cego
que acompanhava um professor de ginástica, chamado Oswaldo Diniz Magalhães,
cujas aulas eram ilustradas e explicadas ao som das mais belas melodias brasileiras.
Ainda tenho um mapa do rádio-ginasta, acreditam?
Terminando, gostaria de deixar algumas perguntas flutuando:
por que atualmente tanto grito no rádio? Por que tanta pressa, como se cada
ouvinte fosse motorista de caminhão de incêndio? Na televisão é ainda pior. Os
jargões do consumismo já se tornaram insuportáveis. Quem não vai dormir com
esses recados na cabeça: “Você não pode perder” , “Ligue agora” “Veja o que nós
temos para você”...
Enfim, era assim o rádio em Aracaju e no Brasil, mas o tempo
era igualmente outro. Não havia ainda televisão e a última sessão de cinema
terminava às vinte e duas horas. Por essa hora, ninguém mais se atrevia a ficar
na praça Fausto Cardoso, onde só restava o sentinela do palácio...
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Petrônio Gomes.
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 21 de maio de 2015.
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